Os grupos fechados normalmente se formam através de interesses em comum. Existem aqueles que se amontoam em clubes para apreciar vinhos, outros que barram entradas e mantém seus segredos, que dizem ser milenares, debaixo de sete chaves, outros fundam clubes de swingers. Minha curiosidade sobre grupos fechados aumentou quando descobri a verdade por trás do conto Confraria dos Espadas, de Rubem Fonseca, na qual os integrantes, todos homens, se especializaram em chegar ao orgasmo sem ejacular, podendo assim proporcionar mais horas de prazer às suas amantes. Aqui segue um trecho retirado do conto, onde Rubem Fonseca explica uma das origens da Confraria:
Como membro da Confraria dos Espadas eu acreditava, e ainda acredito, que a cópula é a única coisa que importa para o ser humano. Foder é viver, não existe mais nada, como os poetas sabem muito bem. Mas era preciso uma Irmandade para defender esse axioma absoluto? Claro que não. Havia preconceitos, mas esses não nos interessavam, as repressões sociais e religiosas não nos afetavam. Então qual foi o objetivo da fundação da Confraria? Muito simples, descobrir como atingir, plenamente, o orgasmo sem ejaculação. A Rainha de Aragão, como conta Montaigne, bem antes desse antigo reino unir-se ao de Castela, no século XV, depois de madura deliberação do seu Conselho privado, estabeleceu como regra, tendo em vista a moderação requerida pela modéstia dentro dos casamentos, que o número de seis cópulas por dia era um limite legal, necessário e competente. Ou seja, naquele tempo um homem e uma mulher copulavam, de maneira competente e modesta, seis vezes por dia.
Fonseca cita também Flaubert: “une once de sperme perdue fatigue plus que trois litres de sang” (uma onça de esperma perdida cansa mais que três litros de sangue).
A Confraria dos Espadas começou a ruir quando as amantes dos participantes começaram a desconfiar da falta de esperma. O motivo poderia ser uma outra mulher ou que eles fingiam o orgasmo. Aqui, outra passagem da causa do fracasso da Confraria:
Enfim, a mulher do poeta deixara de sentir prazer na cópula, na verdade ela queria a viscosidade do esperma dentro da sua vagina ou sobre a sua pele, essa secreção pegajosa e branca lhe era um símbolo poderoso de vida. Sexo, como queria Whitman, afinal incluía o leite seminal. A mulher não disse, mas com certeza o exaurimento dele, macho, representava o fortalecimento dela, fêmea. Sem esses ingredientes ela não sentia prazer e, aqui vem o mais grave, se ela não sentia prazer o nosso confrade também não o sentia, pois nós, da Confraria dos Espadas, queremos (necessitamos) que nossas mulheres gozem também.
Sem poderem reverter a situação em que se encontravam, os participantes foram condenados a nunca poderem se apaixonar, pois teriam de trocar de mulher assim que ela descobrisse que eles eram diferentes. Todos concordaram em levar o segredo do MOSE (Múltiplo Orgasmo Sem Ejaculação) para o túmulo e assim, privar todos os próximos homens dessa maldição.
O conto parece fantástico, porém é real. Existiu tal Confraria, mas com outro nome, o qual não fui autorizado a revelar, como parte do acordo que fiz com um dos integrantes que conheci à beira da morte. Ele também me fez jurar que eu nunca colocaria em prática os ensinamentos da Confraria e que o MOSE deveria ser guardado e nunca ser utilizado; melhor seria se fosse esquecido. É algo tentador, poder saborear múltiplos orgasmos e manter uma média de seis cópulas diárias, deixando a amante extasiada de prazer. Porém, mantive minha promessa e não revelei a mais ninguém os segredos que a mim foram passados.
Meu interesse por grupos fechados ainda continuou e tive a oportunidade de conhecer pelo menos mais dois que são dignos de nota: A Confraria do Medo e A Confraria dos Sonhos. Todos, por mais surreais que pareçam, tiveram suas existências reduzidas a curtos períodos. Tiveram o mesmo fim da Confraria dos Espadas, seus integrantes acabaram por carregar maldições pelo resto da vida e condenados a levar seus segredos para o túmulo. Não fiz parte de nenhuma delas, mas detenho seus segredos e ainda carrego a maldição não poder colocá-los em prática.
Consegui descobrir mais sobre a Confraria do Medo através do relato de um de seus ex-integrantes, Eduardo Consertini, revelado no terceiro capítulo de sua autobiografia, o qual reproduzo aqui:
Conheci A Confraria do Medo quando era um jovem destemido, sem pudor da minha falsa valentia. Arrisquei minha vida diversas vezes para sentir a adrenalina invadir meu sangue e me proporcionar sensações incríveis. Viciei-me em sentir medo. Como eu disse, era uma falsa valentia, eu apenas gostava de sentir medo, não de mostrar valentia. Comecei a relacionar-me com pessoas com vícios em adrenalina. Através de uma delas, ouvi falar da Confraria do Medo. Devido a meus atos insanos, não demorou muito para que fosse indicado à Confraria. Muitos hesitavam em entrar nessa sociedade, pois ouvia-se falar de muitos boatos de pessoas que enlouqueceram. Minha curiosidade e minha necessidade de sentir medo fizeram-me deixar de lado estes boatos e aceitei o convite. Tratava-se de uma comunidade com um número fechado de membros. Uma nova pessoa só poderia entrar se fosse indicado por um membro e se alguém se retirasse. Mais tarde viria a descobrir que só havia um modo de alguém deixar de ser membro – se eu o soubesse antes, talvez nem tivesse entrado... talvez sim. A iniciação na Confraria começava com uma longa entrevista com um detector de mentiras onde sua vida era esmiuçada. Eles precisavam saber tudo sobre o membro. Caso o pretendente se negasse a confessar tudo, era descartado imediatamente. A entrevista era feita em uma sala grande, com muitos espelhos nas paredes. Atrás de cada espelho ficavam outros membros anotando e analisando o pretendente (isso eu descobri muito tempo depois, quando um antigo membro faleceu – segundo alguns de causas naturais – e um novo pretendente estava para ser iniciado). O principal motivo desta análise inicial era descobrir quais os principais medos dos pretendentes e estimulá-los a proporções violentas. O entrevistador valia-se de macetes psicológicos para descobrir as fraquezas do pretendente. Por mais corajoso que fosse este, algo sempre era descoberto; e melhor era. Os falsos corajosos eram os piores, não se demoravam muito para se revelarem na entrevista. Mas os verdadeiros corajosos, homens de poucos medos, estes sim, eram interessantes. Era possível elevar seu medo, único que fosse, a estágios incríveis. Eu, que não era covarde nem corajoso, acabei por ser aceito, talvez por demonstrar meu prazer no medo. As técnicas eram muito elaboradas e mantidas sob segredo pelos mentores da Confraria. Cada um tinha seu modo de proceder. Na minha primeira experiência, fui deixado em um quarto trancado, com pouca luz e o livro Histórias Fantásticas de Edgar Allan Poe, com várias páginas arrancadas, restando os seguintes contos: O barril de Amontilado, Manuscrito encontrado numa garrafa, O gato negro, A queda da Casa de Usher e A máscara da Morte Escarlate. Após o término do livro (só me permitiram sair do quarto após responder algumas perguntas sobre os contos) fui levado por um corredor longo, com diversos espelhos nas paredes, onde uma música de violino tocava suavemente, e mandado aguardar em frente a uma porta. Meu condutor voltou pelo corredor, onde o observei desaparecer vagarosamente. Muito tempo fiquei ali, e resolvi me sentar em uma cadeira próxima até ser atendido. Sentia-me um pouco tonto, mas supus ter sido devido a iluminação fraca do quarto onde estive. Foi então que percebi uma figura encapuzada no final do corredor, a qual me trazia calafrios. Tentei abrir a porta ao meu lado, porém ela estava fortemente trancada. Quando voltei-me para encarar a figura encapuzada novamente, notei que o longo corredor por onde vim começou a encolher em minha direção; os espelhos de suas paredes fundiam-se e o ser continuava no final do corredor estava crescendo e aproximando-se cada vez mais de mim. Forcei a porta com todas minhas forças, mas ela nem se mexia. Encolhi-me em um canto, fechei meus olhos e comecei a chorar compulsivamente apavorado com tal situação. Quando os abri novamente, vi que estava no mesmo quarto escuro de antes e alguém batia na porta, querendo saber se eu já terminara o livro. Isto é apenas o que posso contar da Confraria. Os métodos que eram utilizados para fazer o medo chegar a tamanhas dimensões nunca foram revelados. Também não foi revelado como descobriram meu medo por algo banal, como corredores longos, já que não lembro de ter dito isto na entrevista. O que mais posso revelar é que para os membros da Confraria, morrer de causas naturais significa morrer de medo. Após uma série de mortes “naturais” a Confraria foi obrigada a se desfazer e os seus mentores são procurados até hoje. Porém, os efeitos que tal Confraria produziu em mim, persistem até hoje e me acompanharão até o fim de minha vida, assim como acontece com os poucos integrantes que restaram.
A seguir segue o relato do único sobrevivente da Confraria do Sonhos, Carlos Severo, paciente internado no Instituto de Distúrbios do Sono de São Paulo, publicado na Revista Médica, nº 10, ano XI :
Eu estava mentalmente angustiado e talvez esse tenha sido o motivo pelo qual acabei por me aventurar na sociedade que logo viria a se chamar a Confraria dos Sonhos, onde tudo parecia maravilhoso; pelo menos indicava isto. Inicialmente, não tínhamos um nome para o grupo e muito menos o título de Confraria. Éramos apenas um grupo de pessoas, com os mesmos interesses em comum que nos juntávamos para conversar, trocar idéias, beber e usar e abusar de algumas drogas. O local de encontros era a casa de L. o qual viria a se tornar o membro fundador da Confraria. As reuniões vinham muito a se parecerem com festas. Porém, no dia 12 de março houve uma descoberta que seria a base da fundação da Confraria dos Sonhos. Após uma noite inteira regada a bebidas e drogas, todo dormiram amontoados na sala principal da casa de L. O incrível foi que todos tiveram o mesmo sonho. Alguns céticos poderiam dizer que isso foi proporcionado por todos sermos muitos parecidos e termos usufruídos das mesmas drogas e bebidas. E essa foi mesmo a idéia inicial. Já que tínhamos essa condição de semelhança de pensamentos, poderíamos induzir nossos sonhos a isso. Os procedimentos feitos para isso não podem ser revelados, pois faz parte do pacto inicial da confraria manter este segredo, mas posso revelar que dentro de pouco tempo, conseguíamos não só todos nós termos o mesmo sonho como também interagirmos uns com os outros mentalmente. Não tínhamos segredos entre nós e éramos livres para fazermos o que quiséssemos e isso foi o início do fim.
Carlos Severo relata detalhadamente como foram os próximos encontros da Confraria, o que nada nos traz de especial. Porém, os acontecimentos que culminaram por destruir esta sociedade são bem interessantes:
Se podíamos controlar nosso sonhos, por que motivo iríamos querer voltar para a realidade? Cada vez queríamos ficar mais tempo nos sonhos e cada vez nos arriscamos mais. Começamos a aumentar a dose do ESC (Estimulador de Sonhos Coletivos, um coquetel de drogas que nos proporcionava o estado para entrarmos nos sonhos uns dos outros). Um dia a dose foi aumentada em demasia e ficamos muito tempo adormecidos e tendo sonhos maravilhosos. Era um mundo perfeito, tudo que queríamos, conseguíamos, porém tive medo. Medo da felicidade, como sempre tive na realidade. Tudo estava bom demais e eu temia que isso não poderia durar para sempre. Meu medo contagiou os outros membros e o que aconteceu a seguir foi horrível. Todos os nossos sonhos viraram pesadelos; nossos piores medos vieram à tona. Morríamos mil vezes, com todas as dores que achávamos que não seriam possíveis sentir em sonhos. Talvez, por causa do meu organismo forte, ou talvez por causa de meus sonhos extremamente aterradores, consegui acordar, porém eu estava debilitado demais para conseguir acordar os outros. Mal conseguia manter os olhos abertos e a realidade se misturava com os pesadelos. Não conseguia me mover e somente após muito tempo de concentração e esforço pude me arrastar até o telefone e chamar por socorro. Em poucos minutos algumas ambulâncias chegaram no local. Se eles demorassem mais um pouco eu não resistiria por muito tempo e acabaria voltando para o mundo dos sonhos, onde os outros estavam presos. Dos 12 membros que fizeram parte da Confraria dos Sonhos, eu sou o único que não está em coma irreversível agora. Todos os outros estão neste estado há mais de seis meses. Eu os visito raramente, pois não consigo aguentar o horror que vejo em seus rostos; isto me faz lembrar de todos os pesadelos que vivi naquela noite e sei que tudo aconteceu por minha culpa. Nunca mais consegui dormir.
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