Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
O QUADRO
Roberto Axe

Resumo:
A velha e a janela...






A velha tinha saudade de quando era velha... agora julgava-se 'muito velha'. Passava os dias ali, sentada na cadeira junto à janela de sua pequena casa. Era uma observadora silenciosa da vida que brotava, incessante e indomável, através dos ruidosos risos das crianças que brincavam alheias pela rua. Ela ali, sentada, só olhava para fora... a seu lado o baú imaginário em que guardara suas infinitas lembranças, e que agora acomodava, zelosa, os instantes estéreis e sem cor de seu dia a dia. Acondicionava os segundos com carinho neste baú invisível e inseparável, pois haveria de ser ele o companheiro em sua última e definitiva viagem. Ou não. Ficara íntima da morte, até conversava com ela; certa vez se flagrou servindo chá para dois, quando se deu conta, riu. Foi a última vez que riu. Não encontrava mais motivo para risos, já não conversava com ninguém, dizer o que? Apenas olhava pela janela. As pessoas passavam indiferentes pela rua, nem notavam seu semblante cansado, seu olhar perdido nas banalidades lá de fora. Era só um rosto velho na velha janela da velha casinha, nada mais. Um belo dia, foi comprar frutas em uma feira ali perto, não muitas, pois não podia carregar peso. Quando voltou para casa, parou seus passos arrastados bem em frente à sua moradia. Olhou para a janela vazia, aberta, e imaginou-se ali, sentada. Visualizou seu rosto triste naquela janela e concluiu que aquilo mais parecia um quadro, sim, um quadro melancólico que tinha como adequada moldura o velho marco e a descascada guarnição da janela; a escuridão dentro da casa - quase não acendia as luzes, pois recolhia-se cedo - emprestava as tintas lúgubres com que era pintado o fundo daquela tela na parede caiada. Sorriu. Entrou, humilde, em sua residência, largou as frutas na cozinha e foi ao quarto. Revirou em uma gaveta até achar um velho batom, em seguida postou-se em frente ao espelho e com sua mão trêmula, pintou, ou melhor, borrou os lábios de vermelho. Retirou os grampos e penteou os cabelos brancos e finos. Terminada a tarefa, dirigiu-se à sua cadeira na janela, sentou-se e abriu um imenso sorriso de acrílico. Agora, a velha inclinava a cabeça numa reverência respeitosa aos transeuntes da rua e presenteava-os com seu melhor sorriso. Era correspondida. Ficou feliz... se era para protagonizar uma obra de arte, mesmo que num quadro que tenha como moldura o marco e a acabada guarnição de sua janela, que estivesse alegre. Quem sabe assim contrariasse, zombeteira, o artista... este artista que com a destreza dos mestres, tão bem soube usar o martelo e o cinzel para esculpir-lhes os sulcos no rosto; este artista que tão bem soube misturar tintas até encontrar o tom de cinza com que lhe pintou o olhar e a alma. Quem sabe seu sorriso representasse um pequeno deboche, uma pilhéria, uma provocação, qualquer coisa... a este impertinente, hábil e irreversível artista chamado Tempo...


Biografia:
Profissional da área de Marketing e Escritor.
Número de vezes que este texto foi lido: 52819


Outros títulos do mesmo autor

Contos O INIMIGO Roberto Axe
Contos O EDITOR BONZINHO Roberto Axe
Contos A RAINHA DA RUA! Roberto Axe
Contos A SENTENÇA Roberto Axe
Contos A ROUPA DO MORTO Roberto Axe
Poesias DOSADOR Roberto Axe
Contos O QUASE MORTO E O QUASE VIVO Roberto Axe
Poesias NADA INTERESSA A ELES... Roberto Axe

Páginas: Primeira Anterior

Publicações de número 11 até 18 de um total de 18.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
VERSOS PORTUGUESES - orivaldo grandizoli 52815 Visitas
Promessa - Edson Ricardo Paiva 52815 Visitas
Um grande artista - Marciano Inocente 52815 Visitas
No meio do nada há felicidade. - VandaTeixeira jales Diniz 52815 Visitas
Contando estrelas no céu - Letícia Simões 52815 Visitas
Bravo! - Luciano Machado Tomaz 52815 Visitas
Hera - Anfranio 52815 Visitas
PORTA PARA PARAFILIAS - RUBEM HENRIQUE ROCHA 52815 Visitas
PORQUE NÃO SEI - orivaldo grandizoli 52815 Visitas
Aprendizado - Maycon Jonatham Schultze 52815 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última