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O cliente é mais importante, sempre!
Baseado em fatos reais em 2009
Katia Krzesik

Tudo começou no que era para ser uma simples sexta feira de trabalho, até que; a secretária anuncia: a diretoria está convocando para uma reunião de trabalho na sala um, que ressalte-se, mais parece um aquário cercada de vidros, monitorada nos quatro cantos por câmeras e famosa frase: sorria você está sendo filmado.

Penso eu, quem vai sorrir para aquelas quatro maquininhas gélidas? E se sorrir, qual a intenção? Mostrar a arcada para uma futura identificação do corpo? Sim, pois geralmente alguém sempre sai ferido desse tipo de reunião.

Aguardo pela reunião em minha estação de trabalho, mais conhecida pela “rádio peão” como “baias”, olhando sempre para a tela de meu computador para não perder o horário e entrar na sala atrasada e ser bombardeada por aqueles olhares morteiros ou pela condenação sem ampla defesa dos chamados puxa sacos, que já entram na sala meia hora antes, para puxar a cadeira para o diretor sentar.

Como tudo comigo é inverso, faltando exatos dois minutos para o início da tortura, ops! da reunião, meu ramal toca... atendo com a minha formalidade de quase advogada, sim, quase, pois só me falta a OAB... digo o nome da empresa, meu nome e o tradicional BOM DIA... do outro lado, o cara mais chato do universo, querendo tratar de um assunto extremamente prolixo e prolongado.

Tentei como presa fugir de meu predador, foi inútil...eu já não escutava mais o que meu algoz falava, apenas olhava para o relógio no canto de meu computador e pensava: agora fodeu!

Quando já não entendia mais nada, estando há exatos cinco minutos atrasada para a tortura, ouvia em meu ouvido direito um misto de bla bla bla e no esquerdo o som da voz de meu diretor, até que ergui pela primeira vez o tom de minha voz e disse: Estou atrasada para uma reunião, podemos conversar sobre este assunto mais tarde? Sem que a pessoa respondesse, já fui me despedindo e desliguei... imaginando que depois de meu atraso, talvez não houvesse o tal depois.

Lá fui eu para o aquário, estavam todos lá... os puxa sacos, os egos mais inflados da face da terra e na ponta da mesa o Diretor, que neste momento, olhou para um objeto avaliado em pelo menos uns mil euros em seu pulso direito e disse apenas três palavras: Você está atrasada!

Me senti um passarinho na frente do grande rei da selva, argumentar não adiantaria, nada do que eu pudesse dizer mudaria meu atraso. Então, num ímpeto inconsciente respondi: Me perdoe Diretor, mas estava ao telefone com quem paga o seu, o meu e os salários dos senhores.

Sob olhares fulminantes de reprovação, pude sentir os estilhaços dos projeteis calibre 38 vindos ao redor daquela mesa.
Quando ele, o Rei da selva questionou: Como assim Dra.? eu pago os salários aqui! Num colapso de meu cérebro pensei: agora fodeu mesmo.

Mas como todo bom jurista tive que fazer minha réplica: Com todo respeito que lhe é devido senhor diretor, o nosso departamento financeiro através da vossa autorização apenas deposita meu salário, quem o paga é uma pessoa chamada Cliente! É para essa pessoa o meu atendimento prioritário, acredito que deixando de atende-lo para estar aqui exatamente as 9hr não lhe daria as 9h05 um contrato assinado. Assim, peço escusas pelo atraso, mas peço que considere as razões e antes de vossa sentença final, possa rever que reuniões como esta jamais serão mais importantes que nossos clientes, afinal, sem eles, nenhum dos senhores estaria ao redor desta mesa.

Um silêncio sepulcral se fez naquele aquário e todos esqueceram que estavam sendo filmados e ninguém mais sorriu.

Eu, ainda em pé, esperava por minha sentença, quando apenas ouvi num tom de voz meio engasgado um: “sente-se”.
Ufaaaa... por alguns momentos eu ainda teria o “depois” para voltar e falar com a pessoa mais importante de quem eu havia dito, pior, que eu o deixei para participar daquela chacina. E agora? Eu teria que ligar para o mais chato do universo e também o mais importante, para tentar convence-lo a fechar aquele contrato.

Terminada a chacina, sob aqueles olhares de desprezo, afastei minha cadeira, pois tudo que queria era sair dali, afastei minha cadeira e ouvi aquela voz ainda engasgada dizer: você fica.

Minhas funções cerebrais simplesmente entraram em colapso e já não via, não pensava e nem conseguia ter mais nenhuma outra expressão a não ser a do medo.
Mãos e pernas tremiam, acho que até meus cabelos tremiam, pois a esta altura já estava de cabelo em pé, literalmente.

Silenciei meu coração...E tentei entrar em sintonia com o Todo, respirei fundo e pensei: O seu coração trabalha a meu favor, os seus pensamentos trabalham sob meu comando, nada do que decida ou me diga afetará meus resultados. Foram segundos que pareciam eternidade.

Até que todos saíram e lá estávamos eu (passarinho) e ele (rei das selvas), quando em seus olhos eu via um misto de reprovação e aprovação, até que ele relaxando seu corpo naquela cadeira pomposa, afastou-se da mesa, mesmo sem deixar de me olhar de cima.

Eu ali, feito presa fácil não conseguia parar de tremer e via se aproximar meu fim. E a medida que o silêncio dominava aquele aquário, me sentia a cada segundo mais perto de meu cortejo.

Ainda com a voz meio engasgada e expressão de circunspeção me disse: Sempre que você estiver falando com o cara que paga meu salário, estará dispensada da reunião.
Ao que respondi: Obrigada e ouvi: por hoje é só.

Voltei a minha estação de trabalho e dentro de mim os estilhaços de reprovação de outrora, desencadearam em função de ondas eletromagnéticas uma profunda produção de endorfina, dopamina, cerotonina e oxitocina e liberei um grito de: yeah! Mentalmente bati no peito e disse: eu sou mais forte que tudo isso.
Foi a primeira vez que um simples passarinho atravessou o peito do famigerado Rei da selva e vencendo-o com uma arma tão simples: o cliente é o mais importante, sempre.

Kátia Krzesik
16/08/2018




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Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


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