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LIRA NA ESCOLA
LIRA NA ESCOLA E O CATECISMO
Donária Salomon

Na Escola



Para a escola, Lira ia, e todos dias,

Na Padaria Velha, no bonde subia,
O condutor, a ela passagem não cobraria,
Pois o uniforme, Lira vestia.
Puxava a cordinha que tocava a campainha.
E o motorneiro conduzia, o bonde, que vinha da Ilha.
Na escola Jônatas Serrano, Lira descia.
Saía aos pinotes, um coelho parecia.
Com a maleta na mão, perfilada o Hino Nacional cantaria,
Enquanto a Bandeira N acional subia.
Só cantarolar sabia.
Não ficou no beabá,
Subiu morro, desceu morro,                            
Desenhando devagar.                                                                   
Para o lápis não desviar
E o morro alcançar.

Sua mão suavemente subia e descia, sem parar.
Levando a lã do novelo da vovó para não embaraçar.
             Ave, Eva, Ivo, ovo, uva, lia.
             Cantando, contava: um, dois, três, quatro cinco..., Mil.
             Sou estudante do Brasil!
             A, B, C, D. E, F, g, depois vem o H, I, J, L, M, N, ó...
             A seguir vem P, Q, R, S, T. U, V, X, e por último vem o Z. Aaaa... Z.

O ano terminou e as férias começaram.
Lira cantou: “Eu vou, eu vou, pra casa da madrinha eu vou”.
Lá, lá, lá. Lá, lá. Lá, lá, lá. Lá, lá, eu vou, eu vou...
Deixa as mangas, as goiabas, o lago e o fogão à lenha.
Troca tudo por cama e macio colchão,
Geladeira, fogão a gás, televisão.
Assiste: “O menino do circo, Patrulheiro Rodoviário e Rim-Tim-Tim".
Aos domingos, vê o teatro Trol, e logo as férias chegam ao fim.

No Ano Seguinte

Março recomeçava as aulas, nessa altura a cabeça de Lira estava cheia das “Perucas Lady... Ta?”, o Rim-Tim-Tim, só fazia as mesmas coisas, o piano da tia Amélia parecia que estava com as teclas emperradas, só tocava “Pour Elise”, Até a paixão pelo menino do circo, havia passado...
Lá estava formada cantando o Hino Nacional, com a maleta na mão, digo formada porque assim as professoras falavam:

_ Todos em forma e mantenham a distância, juntem os pés, olhando pra cabeça do colega em sua frente.
As professoras, cada uma na frente de suas turmas, a cantar, e o vento a balançar a Bandeira Nacional, saudando a todos ao subir no mastro. Cantar mesmo ela não cantava, no entanto sentia arrepios de emoção forte, trazendo-lhe tremor no seu pequeno coração.
O largo do Corrêa era importante, ali brincava, pedia a ligação através da telefonista, no aparelho de manivela, pra falar com suas professoras...
A Escola Jônatas Serrano era antiga, porém conservada, com bastante quintal, um grande pátio coberto, em frente às salas de aula, onde havia os banheiros, os bebedouros e o refeitório. A área livre era muito grande com bastante quintal, até ao bambuzal que se estendia, separando a escola da igreja Monte Tabor. Onde foi ver um índio, em visita: Vestido de índio, usava tanga, colares, cocar, e o bodoque e a flecha nas mãos. Falou das dores e sacrifícios, na selva vivida.
De terno falou de vida farta e salvação, segurando a bíblia aberta nas mãos...
Lira aprendeu corinhos e os recriou:
Com a bíblia na mão,
Lá no céu vamos entrar,
Por isso é bem melhor assim cantar,
Mundo de poesia, e de alegria. Mundo sedutor,
Mais é de muito, valor...
Feito pôr nosso, senhor...
Começou a chegar os materiais de construção.   A diretora, Maria Aparecida Piragibe saía da secretaria para atender os caminhões. E Lira teve uma grande surpresa, ao ver seu irmão conversando com ela. Depois de observá-lo a conferir o material que estava sendo descarregado. Gritou:
_ (Timanga!).
Ele abriu os braços, ela correu ao seu encontro. Na verdade seu nome era Sebastião, o carinhoso apelido era usado por toda os familiares e para ela não era só um irmão, o respeitava como a seu pai por ser mais velho e ter filhos de sua idade: Adilson, Ana, Altair, Adenilda, Adeli e brincavam juntos nos quintais de suas casas.
Foi iniciada a construção do anexo, ao lado da escola, salas mais baixas com grandes basculantes ao invés das pesadas janelas antigas de madeira. A escola estava sendo ampliada e as aulas continuavam.

De onde Lira sentava podia ver de vez em quando o seu irmão. Sempre com um lenço onde havia um nó em cada ponta, parecia um solidéu para proteger o sol a pino ou tinindo, enquanto trabalhava e não sabia porque não estava usando o chapéu amassado de palhinha que sempre   usava.
Lira radiante de alegria com um irmão na construção e o Norival, estudando na sala ao lado, que muitas vezes a carregava cheio de má vontade, na garupa da bicicleta, fazendo ela saltar em quase todas as subidas que a rua apresentava. Só a maleta na garupa e ela correndo para alcançá-lo.
A noite Timanga como de costume sentou-se de cócoras na calçada da casa do pai a conversar sobre o trabalho da obra , oque fez e o que restava a fazer. Lira percebeu que estava mais alta que o irmão, resolve tirar o seu chapéu
Ela está cursando a segunda série, no ano anterior havia estudado com uma professora morena de nome Maria da Conçeição e tinha aprendido o alfabeto maiúsculo e minúsculo para escrever nomes próprios e comuns, e com ele formou palavras juntando as consoantes e as vogais, o famoso Be- a - Ba. Ah! Antes de Mimi, seu gatinho manhoso beber leite, teve muitos morros pra subir, um sobe desce sem parar e sempre cantando de acordo com as notas ditadas pelo caminho que o lápis fazia. Não esqueceu como aprendeu a fazer os números: O número. Um, representado pelo anzol, o Dois, um patinho, o Três uma minhoca, o Quatro uma cadeira de cabeça pra baixo, o Cinco um cortador de capim, o Seis um girino de cabeça pra baixo, o Sete um machado, o Oito dois biscoitos, o Nove um girino em pé... Nem nas longas férias, deixava de contar ao contrário, tudo contava e tudo que via escrito lia. Mesmo truncado, quando a palavra não saia, mesmo assim não desistia e no pensamento lia.
Nesta série, no cabeçalho, copiava o nome da nova professora, Marília Villaça Simões, que sentia um grande afeto por Lira. Um dia levou-a para passar um fim de semana em sua casa na Tijuca, foi ao Maracanazinho para assistir o Carnaval no Gelo, achou que era um sonho, o espetáculo com patinação e acrobacias dos bailarinos naquele imenso chão de gelo, deixou-a deslumbrada.   No domingo foi passear esteve na Cascatinha...    

Como todos sabem, quando a criança é matriculada colocam-se todos os dados da criança e a religião a que a família pertence. Assim, como não conhecia um circo também não conhecia uma religião. Quando estava em São Fidélis, onde morou dos três aos seis anos, via a torre com um sino e uma cruz iluminada, foi informada que era a igreja de São Sebastião. Quando chegou de volta ao Rio de Janeiro, só foi à igreja para ser batizada.
E agora tinha chegado à hora do catecismo.
Quando os alunos foram chamados, a sala ficou vazia. Eram todos católicos e quem não era também não sabia que não era. Foram encaminhados para o refeitório. Uma sombria inquietude iluminava todas as feições. A turma foi apresentada à catequista incumbida de ministrar as aulas de catecismo, para que no mês de maio realizassem a Comunhão.
A professora de aparência calma, Com os cabelos presos por uma rede preta, vestia uma blusa branca, gola de renda e mangas compridas, uma saia xadrez e sapatos pretos. Trazia nas mãos um catecismo de capa preta e um terço anelando aos dedos compridos. Mal comparada a uma santa, sempre de mãos postas, esfregando as mãos, a deslizar, precisamente os dedos num vai e vem, enquanto explicava o motivo de estar presente na escola, com sua voz baixa e mansa às vezes quase sumia, talvez pela educação ou por ser dentuça.
Apesar do silêncio, após as acomodações a professora:
_Vamos...
Repetiu várias vezes, em tom baixo e trêmulo, com uma espécie de medo dos tantos olhos atentos em sua direção. Depois de várias tentativas. Saiu:
_Vamos estudar o Catecismo...
                                        
                                  O Catecismo
E com a professora dentuça a aula começou:
_Vamos estudar a religião Católica Apostólica Romana.
Por tradição a autoridade máxima é Sua Santidade o Papa, explicou.
Acima dele (apontou para cima) temos o nosso Deus todo poderoso,
Que criou o céu, a terra, o mar e tudo que no mundo há.
(Com as mãos na altura do peito)              
Inclusive nós e todos os animais que rastejam, andam, nadam e voam...
Ele fez o homem de barro e lhe deu vida com um sopro no nariz.
Enquanto, ele dormia, Deus tirou sua costela e fez uma companheira.   
Deus deu ao homem o nome de Adão.
E à mulher o nome de Eva.
De tempos em tempos, Lira lançava o olhar com o corpo meio rígido.
Vendo que todos estavam estarrecidos voltava pra a posição de imobilidade.     
Lira pensou: Adão e Eva, por que não Ivo e Eva?
Adão não parece fácil de gritar.
Essa foi sua interrogação.
Continuou a professora, após tomar fôlego:
_Deus pai, todo poderoso poderia castigá-los.
Se desobedecessem aos seus ensinamentos
E não pedissem perdão.
E os castigou por terem comido a maçã, o fruto da árvore da vida,
Que desperta nossa imaginação.
O que ia fazer agora? Lira fechou a boca, cerrou os dentes.
Comer maçãs nos passeios com D. Alaíde era freqüente.
Com essa desobediência, de Adão e Eva, nascemos com o pecado original,
Do qual só após o batismo podemos nos livrar.

              Lira pensou na sorte de ser batizada.
              Vamos obedecer a Deus, pais e a professora, nossa segunda mãe.
              Assim, na hora de nossa morte, junto de Deus, vamos estar.
              Mandaremos o diabo se catar.
              E seu garfo de três pontas, não vai nos jogar no fogo do inferno para queimar.
              Obedientes, sempre obedientes, para ao diabo enganar.
              Agradar somente a Deus, pois, sacrificou seu filho Jesus Cristo para nos salvar.

Mostrando a cruz com Jesus crucificado, falou do sofrimento de sua mãe ao vê-lo na cruz pregado. Convidou a todos para cantarem o hino em louvor à mãe de Jesus: “Azul é seu manto, branco é o seu véu, mãezinha querida me leva para o céu...”.

A aula encerrada e o horário também.
Lira não quer ir para o céu.
Está cansada, com fome,
Prefere correr para casa, caminhando pelas sombras,
Para o Sol não a queimar.
As rolinhas mariscando na areia fazem reboliço.
Aperta o passo, faz dos seus pés a sua condução.
Quando no córrego chegar, vai poder descansar.
              Naquele filete d’água, vai se refrescar.
Fez suas mãos de concha, no riacho, abaixou para sua sede matar.
Com a barriga pesada, ofegante, andou devagar.
Podia descansar, naquele caminho tranqüilo,
Vez por outra um cavalo a galopar.
Olhou para o céu, sabia que lá está à casa de Deus,
Reunindo todos que fossem seus.

Precisa andar um pouco mais para chegar no que é seu.
A tarde caía quando no pequeno sítio entrou,
O portão de madeira que range o dia inteiro anunciou que ela chegou.
Os pardais e as rolas empanturram-se no chiqueiro,
Entre os patos, galinhas, perus,
Está o galo do terreiro que canta na madrugada, acordando o galinheiro.
No majestoso fogão a lenha, instalado na cozinha.
O bule de ágata fumegante tem café pro mundo inteiro.
Lira enche sua caneca, com pão e manteiga molhando no café.
Delicia-se sentada na pedra do quintal, gasta por tanta roupa que lavou...
E esbranquiçada por tanto sabão que o sol secou.
Por causa da aula de religião, dever de casa não tinha não,
Pegou sua boneca. E no balanço do galho da mangueira, balançou...                                           Balançou...


No jantar, o pé de cravina a mesa vai enfeitar.
Corre para o seu lugar que está sempre a esperar.
Na porta de madeira senta na soleira,
Que apesar de sua fortaleza,
Está côncava pela quantidade de pisadas
Que foi capaz de agüentar.
Na caçarola de ferro o dourado alho faz o arroz cheirar.
Com a boca cheia d’água, arroz com carne-seca no feijão,              
De cócoras vai saborear...

A noite clara. A lua enfeita o céu estrelado,
O bicho papão caminha ao luar.
Precisa dormir para cedo acordar, botar o pé na estrada.
Como diz o seu pai: “Deus ajuda a quem cedo madruga”.
Deitada olha o telhado com medo do bicho pegar,
Cansada dormiu...

Na madrugada ouviu quando o galo vermelho cantou.
O relógio despertou, o garnisé cocoricou.
Com tantos ruídos a menina acordou e na cama ficou
Seus cílios colados, por causa da dor d’olhos.
Sem se mexer com medo do bicho papão
Que do telhado podia descer,
Cobriu a cabeça, pedia ao Sol pra aparecer.
Logo, logo o dia amanheceu...

Lira agora para a escola ia: Andou... Andou... Pulou...
Contou os dormentes da linha do bonde.
Sempre era assim, Lira se distraía e a contagem perdia.
Jurou que um dia conseguiria.

Na escola estudou em sua sala: Cabeçalho... Cópia...
Interpretou, ouviu estória da Menina dos Cachinhos de Ouro.
No recreio comeu melado com farinha.
Brincou de roda, cantou: “Não atire o pau no gato, tô...”.
Para o gato, tô... Não morrer, re... Re...
O “pai Francisco” entrou na roda, mas não tocou seu violão,
Foi por causa das meninas que lhe deram um empurrão,

E o menino foi parar no chão.
Levantou cantarolando:
“A menina diz que tem sete saias de balão”,
É mentira, ela não tem nem dinheiro pro sabão. Ra, Ra, Ra...
Nem dinheiro pro sabão...


Na aula de religião desta vez, a professora estava ao centro e as crianças ao seu redor.Deu-lhes folhetos contendo rezas:
Pai nosso, Ave Maria, Credo e Salve Rainha.
Para decorar e a missa acompanhar.


Recomendações para o dia da comunhão:
Não esqueçam do jejum, para receber o corpo de Cristo na Eucaristia.


A chuva caiu assim que a aula acabou.
Lira saiu correndo para da chuva se livrar,
Lembrou de contar dormentes
Hoje eu conto pra lá,
Amanhã conto pra cá. Assim fácil vai ficar.
Tomou o lugar de referência e começou: 1, 2, 3, 4,...
Distraiu-se outra vez, desta vez não ia dar.
Com a chuva caindo no trilho não podia equilibra-se.
Preferiu na terra caminhar,
Deixando o trilho do bonde para trás ficar.
Aperta o passo para em casa chegar.

Os eucaliptos dançam uma longa valsa em meio à chuva e os clarões dos relâmpagos, em seguida os fortes trovões. Na sua frente um roda-moinho gigante. Suas voltas cada vez mais velozes traziam a lembrança do episódio das seis horas: Jerônimo, o herói do sertão.
Quando o crepúsculo chegar, Lira quer saber onde o moleque Saci estará.
Lira cantando foi: “Quem passar por essa chuva vai ouvir alguém cantar”. E sua mãe preocupa;
“E Lira toda molhada nessa estrada a caminhar“.

O toró cessou então, seguiram rumo à padaria velha. Na casa do seu irmão. Os comentários a respeito do seriado ajudavam chegarem rápido. D.Alaíde sempre chamando atenção: “Olha lá! Não vamos acordar Toninho, vai que o menino esteja dormindo”. Mas Lira pressentia, com aquele tempo não ficaria sabendo se o moleque saci, o amigo de Jerônimo, tinha saído da enrascada. Lira pensou e o feito se realizou. Às seis horas, o grupo na casa de seu irmão, sentados em volta da mesa, o rádio ligado em cima da cristaleira, o som vinha e ia porque a luz caía. E a sua cunhada no rádio batia, mas ele só falava quando a lâmpada acendia. Então ouviam a música: “Quem passar pelo sertão”,
Vai ouvir alguém falar,
Do herói desta canção, ãaaaao...”.
A luz quase apagava e sempre perdiam um pedaço da canção. E mais chiadeira do rádio, que levava mais tapas e quanto mais apanhava mais ele chiava e enquanto Lira esperava o sono a derrubava. Mas no percurso de volta a bagunça imperava, corriam até das sombras das árvores...   

À noite Lira passou inquieta,
Sonhou com Cristo pregado na cruz,
Em seu sonho dizia:

“Não! Não quero receber esse corpo cheio de sangue escorrendo”.
E essa coroa de espinhos ““.
E a professora dentuça, parecendo um porco do mato;
Batendo a queixada falava:
“Mantenha as mãos postas, enquanto recebe o corpo de Cristo”.
Você terá que abrir a boca seguindo as instruções:

Não pode encostar os dentes, pois se a hóstia cortar sua boca sangrará.
A sua boca aberta na certa vai ficar,
Só o cobertor de aniagem vai ouvir ela pedir
À fada madrinha das historinhas

Que transforme o seu cobertor como era o do ursinho.

Com os olhos acostumados ao breu,
Lembra-se da estória de ternura que a professora contou da menininha
Que experimentou tudo do papai urso, tudo da mamãe ursa,
Mas não gostou de nadinha,
Preferiu comer o mingau da tigelinha,                                          
E descansar na caminha fofinha do ursinho.

Lira leva um baita susto com o gemido da bichana,
Que entra no quarto com um peixe cascudo preso nos dentes,
Delicioso jantar para os seus filhotes.
Cochila. Bichana aproveita e no seu peito deita,
Aninha-se, esparrama -se, nesse colo gostoso.
Um espaço generoso. Chiando... Chiando... Bichana dorme
Para aquecer-se da friagem da madrugada, a pescaria foi boa!
Mas o seu pêlo molhado não vai secar a toa.
Ao amanhecer, barulho de passos leves. Será o bicho papão?
Que vai embora levando seu dente estragado de cima do telhado?
O mourão é mais forte e rico.
Sempre trás pra ela um dente mais bonito.

E a espada de S. Jorge, igual a do soldadinho de chumbo,
O mourão enfiaria na barriga do papão e gritaria:
“Sai daqui seu ladrão! Comigo ninguém pode, eu como muito agrião”.
Lira com os olhos colentos solta o ar contido no peito,
Alisa o pêlo da bichana, mas não sente o tremor de suas costas,
Procura seu rabo para vê-lo empinado.
Teve uma grande surpresa:
A magia da estória passou para a sua cama.
Por isso bichana saiu...
              A fada tinha ouvido o seu pedido,
              Ela também ganhou um macio cobertor para se aquecer.
Que felicidade! Olha mãe, o que foi que a fada fez!
Foi seu irmão Antônio que trouxe cobertores para todos nós.
Ah! Então ele é o “fado” padrinho da minha estopinha.

Oba! Um feriado escolar.

Lira segue sozinha num vestido de bolinhas           
À procura de bichana, mas não a incomoda,
Ela está cansada da pesca da madrugada,
Descansando na quentura do fogão.
Lira caminha de mansinho inspirando o ar.
Identifica os perfumes, adocicado do jasmim, do manjericão e da hortelã.
A joaninha, bota no vestido, bonito broche a bichinha vai virar.
Pediu à borboleta que levasse o pólen para outros quintais
E assim as margaridas seriam muitas mais.


Vai para junto da soca de bananeiras,
No amassado da palha mora o sapo-boi, gordo, pesado,
Quase não agüenta pular, dorme um sono sossegado.
Como pode ser tão forte comendo mosquitos,
Parece desmaiado no seu buraco ajustado onde só ele pode entrar.


Lira com a salsa na mão fez varinha de condão,
Bateu três vezes no sapo,
Se o príncipe vira um sapo,
O sapo pode virar um príncipe.
Vire um príncipe e saia dessa toca senão a serpente vem te pegar.
Lira não conseguiu, mas também não desistiu,
Sempre fazia mágicas diferentes
Até virar uma fada competente,


Faz o papel virar barquinho
E levou pro laguinho.
O barquinho navegou
No vaivém das ondinhas que faziam os patinhos
Lira vê o vôo das aves no bambuzal, pensa:
Eva e ave pra trás são iguais                                          
Tomou um susto, pediu desculpas a Deus,
Onde se viu comparar bicho com gente!
Ah! O patinho levado, o barquinho desmanchou.
O sapo veio pulando para tomar sol na beira do laguinho
E visitar os seus parentes girinos.

Meio dia o sol a pino.
Os girassóis não vêm os gansos com pose de majestade a banhar-se no lago.
Estão olhando para o sol lá em cima.
Lira continua sentada comendo goiaba inchada,
Das águas do temporal da noite passada.
De olhos fechados, parece cansada.
Foi logo despertada: Dondon! Dondon! O almoço ta’ pronto.
Lira reage, corre ao poço, toma um banho ligeiro,
Vai comer arroz, carne-seca no feijão,
O cabelo louro vai comer atrás da porta, pra mais bonita ficar.
À tarde Lira no seu balanço de corda sentou para descansar.


Na sombra da mangueira mariscam na areia rolinhas e pardais
Sem temer a arapuca do mano pra pegar as pobrezinhas.
Lira se escondia, desarmava as arapucas, com pena das rolinhas.



Após o almoço, estudou o caderno de religião.
A Bíblia é a palavra de Deus
O sinal do cristão é a cruz
A Páscoa é a ressurreição de Cristo.
A Bíblia se divide em duas partes
O Velho e o Novo Testamento.
A igreja é a casa de Deus, onde podemos nos comunicar com Ele,   
Através da oração.

Lira não pode acreditar!
Antes de o dia virar noite precisa brincar
Sai correndo sobe no pé de Jamelão. Come todos os grandões .
Desce com o vestido enodoado, vários matizes arroxeados.
Lira sabe que a igreja e a casa de Deus,
Fez sua oração embaixo do Jamelão,
Para as manchas irem embora, não esperassem a temporada acabar,
Sua língua enegrecida vai a ela condenar

              O emaranhado das fibras do cajá vai colaborar
Nem que para isso dentuça vá ficar
Limpos os dentes vão ficar
E mentira não pode falar.
Toda lambuzada de manga pegaria água com a caçamba...
Pra sua cara lavar.
O melhor seria as varadas nas pernas ganhar,
Arde igual à ferroada de marimbondo que vem lá do bambuzal,
Coloca a faca de aço que a dor passa devagar.
É hora de Lira voltar pra casa,
Vai desconfiada com seu vestido aquarelado,
Com a cintura rasgada da cerca de arame farpado,
A perna arde do corte da sapetuba,
Passa a língua na folha de andarandaca
Coloca no machucado pra ele logo sarar.


Lira pensa: Como vai guardar o domingo?
Achou curioso esse mandamento.
Neste dia na sua casa parece festa,
Lira enfeita a casa, troca os vestidos da boneca,
Lira vai limpar a casa
A cristaleira chama sua atenção ao ver o espelho embaçado.
Abre a porta, pega à doceira de vidro verde, à tampa em formato de ninho,
Que abriga dois filhotinhos,
Tem pena desses bichinhos, com as asas trincadas não podem mais voar,
Dá uma lambida no doce de mamão e coloca a doceira no lugar.
Lira fica contente ao pegar a tigelinha
Onde guarda o coração de cartolina
E o botão de rosa de papel crepom,                                   
Abre e relê o cartão:
“Sou pequenininha do tamanho de um botão”,
Trago papai no bolso “. Trazer papai só no bolso não”,
No braço é o que ela mais trazia, depois que ele bebia.

Tetê, o marido e o filho Nito, chegam falantes,
Vestidos com roupas de festa.
Tetê troca o papel da prateleira,
Lira tem vontade de fazer o novo repique.
Mas sua mãe dá o contra:
“Essa tesoura é Mundial”.
Sempre que a bendita tesoura ela perdia,
No meio de suas costuras,
Que mais parecia um tesouro,

Lira era a primeira ver.

Resolve guardar o domingo na dispensa.
Um bom lugar pra o domingo ficar,
Até a segunda-feira chegar.

Leva Nito junto, passam por baixo do bambu das tripas.
Nito grita:_ Que é isso?
_Chouriço!Medroso.
_Socorro! Ouvi um suspiro.
_Calado Nito
_Alguém parece abafado,... Pedindo para ser libertado.
_Vamos Nito desenrolar o saco.
_Nossa! O cacho de banana ouro,
_Está mais pintado que os ovos da codorna!
_Mãe! Vem ver o meu tesouro. Tesouro Mundial.



Biografia:
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