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Acabo de me formar em Publicidade e Propaganda e, como todo recém formado que se preze, saí na busca de um emprego na área desejada. Fácil, após quatro anos de muita ralação, propostas não faltarão. Calma lá, eu tenho os pés no chão e sei bem que tudo acontece na hora que tiver que acontecer.
Nos dias de hoje as coisas estão bastante modernas, você pode enviar seu precioso currículo através do site das empresas, muitas delas já disponibilizam uma área especial para isso. Você preenche um cadastro e no final dele você anexa o seu currículo. Acho que essa solução foi inventada por algum gerente de RH cansado de agüentar desempregados desesperados como eu baterem em sua porta todo santo dia.
Pois bem, feito todo esse processo, você fica na maior esperança achando que alguém vai te ligar e te contratar na mesma hora. Sinto lhe informar, mas ninguém se quer viu o seu currículo, ninguém sabe que você existe. Arrumar um emprego hoje em dia, sem o famoso Q.I., é praticamente impossível.
Mas afinal de contas, o que é o Currículo, pra que serve?
Me disseram que era pra eu colocar ali toda a minha experiência profissional, minha trajetória acadêmica e outros fatores da minha vida que pudessem vir a ser interessantes de se comentar. Claro, tudo isso em no máximo duas páginas.
Duas páginas? Alguém deve estar de brincadeira comigo, como falar de uma vida inteira em apenas duas páginas? Talvez alguém que tenha ficado trancado dentro de casa a vida inteira, esperando os momentos mágicos entrarem pela janela, consiga, mas não eu.
Quer saber quem eu sou? O que fiz e o que estou fazendo? O que penso, o que crio e os lugares que freqüento? Pois bem, segue abaixo o meu currículo.
Eu nasci, mas não foi há dez mil anos, para ser mais exato, foi há vinte e oito e, ao contrário de Raul, desse mundo eu pouco sei, mas estou louco pra descobrir. Abri os olhos, sorri para os meus pais, engatinhei, dei meus primeiros passos e fui pra rua, descobrir o que tinha além do portão da minha casa.
Do lado de fora eu vi que as plantinhas que minha mãe mantinha em pequenos vasos dentro de casa, já haviam crescido bastante e quase podiam tocar o céu. Vi que lá fora não existiam sofás e muito menos televisão, as pessoas se sentavam nas calçadas, onde a distração era uma boa conversa com o vizinho. Do lado de fora eu conheci meus amigos ao mesmo tempo em que eles descobriam o que havia além de seus portões.
Junto com meus amigos eu apertei as campainhas de todo o quarteirão e sai correndo, joguei ovo no ônibus e também desci sem pagar, coloquei um rato morto na fechadura do portão de uma vizinha chata, fiz guerra de mamona e invadi uma escola pública só para andar de skate lá dentro. Briguei e xinguei todo o mundo e fiz as pazes no dia seguinte, joguei botão, bolinha de gude e levei 72 escovadas no come-come do Atari. Já briguei e já separei brigas, já morri de rir com meu avô (e morro até hoje), mudei a mira do estilingue para não acertar o passarinho, já fiz cesta do outro lado da quadra e também fiz gol de bicicleta. Já quase fui reprovado inúmeras vezes, mas nunca perdi um ano, já colei e passei cola, e aprendi que os professores podem ser grandes amigos. Já tive dor de barriga quando não havia banheiro por perto, já sofri um acidente e andei de ambulância e já paguei pinga para quem não queria dinheiro pro pão.
Tive um porre inesquecível, pensando bem, foram bem mais que um. Já gostei de alguém que não gostava de mim, já gostaram de mim sem eu gostar desse alguém, já mandei flores e tive uma festa de aniversário surpresa. Já caminhei 30 km madrugada adentro, com mais seis amigos, de Guarapiranga/SP até Dourado/SP, todos movidos a muita Catuaba. Já fui magro, já fui gordo, já fui menos gordo e hoje estou gordo mais uma vez, meu corpo vive nesse ritmo de sanfona, não que isso me agrade, afinal de contas, meu som é o Rock and Roll, mas assim ele vai e é assim que eu vou levando, de boa.
Já pixei muro e fugi da polícia, já fiz grafite legal e ilegal e já segurei um colega baleado em meus braços. Já bati boca com meu patrão e pedi desculpas por estar errado, já humilhei cliente com aquele ar que só quem tem certeza absoluta de algo consegue ter, já pedi a conta e nunca fui mandado embora. Prestei vestibular pra Administração Pública na UNESP de Araraquara e não passei, ainda bem, pois seria muito infeliz trabalhando com isso. Resolvi fazer uma faculdade particular já com meus vinte e cinco anos e não me arrependo nem um pouco. Fugi do trote pra não cortarem meu cabelo e provei que é possível levar um curso inteiro muito a sério, sem deixar de tomar uma ou duas todos os dias nos botecos durante o intervalo. Menos de segunda, porque beber de segunda é feio.
Já tive um texto meu publicado em um jornal, e outros tantos que ninguém nem ligou. Tenho um blog (seumodesto.blogspot.com), gosto de escrever e de desenhar. Junto com dois amigos fizemos o primeiro número de uma revista de humor (Revista Mamíferos), e temos o número dois pronto e diagramado, apenas esperando alguém bancar a idéia. Já escrevi uma música, uma poesia e pretendo um dia escrever um livro, uma carta ou apenas um bilhete.
Já chorei sozinho no quarto de madrugada, já senti saudades de pessoas que nunca mais verei e de outras que eu nem sei por onde andam. Nunca ganhei nada em nenhum jogo de azar, nem frango em rifa de bar, a minha sorte eu mesmo faço, eu mesmo traço, na ponta do lápis ou da caneta, basta uma ideia, uma folha em branco e uma prancheta.
Estou vivendo uma história de amor e junto dela estou aprendendo a me virar na cozinha. Arroz com cenoura, brócolis na manteiga, macarrão com queijo e bife eu já sei fazer, mas tenho muito ainda o que aprender.
Já fiz tudo isso e muitas outras coisas que eu já nem me lembro mais, meu mundo acaba ali na esquina, depois daquela curva, lá atrás daquele monte. Tem muita coisa ainda que quero fazer, coisas que não necessitem de experiências anteriores e nem de ninguém avaliando o seu currículo. Coisa que apenas dependam de vontade, de amizade e de amor. Mas se mesmo assim, um currículo for necessário, está aí o meu.
Visitem meu Blog - http://seumodesto.blogspot.com
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