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Dez Poemas de Silas Correa Leite
Safra Poética Contemporânea
silas C. Leite

Resumo:
Leia o ver-se em vesos do autor




Dez Poemas de Silas Correa Leite

Condomínio Via-Láctea

A lua nova sobre o arranha-céu
Com rímel de nuvens e sorriso de miss
Não sabe de janelas abertas
No enorme Edifício Vulgata
De arquitetura espacial.

O edifício e o condomínio têm luas
Como tem ruínas e alguns fantasmas
Da rua olho todos os sinais
Janelas abertas são ruas no breu
Muito além do noturnal.

A lua e o breu noturno no alto céu
O condomínio e seus desenredos
As luzes e as janelas abertas
Talvez a Lua seja uma
Válvula de escape sideral.
...... ..................................................

No céu noturno da cidade grande
O prédio é só cimento armado
Mas a lua é uma janela
No Condomínio Via Láctea
Como um jogo de pinball.



Declamar Poemas

Para Regina Benitez

Não fui feito para declamar poemas
Ter timbre, empostar a voz, tempo cênico
E ainda dar tom gutural em tristices letrais.

Não fui feito para decorar poemas
Malemal os crio e os pincho fora
Para o poema saber mesmo quem é que manda.

Não fui feito para teatralizar poemas
Mal os entalho e deixo que singrem
H orizontes nunca dantes naves/gados.

Não fui feito para perolizar poemas
Borboletas são pastos de pássaros
Assim os poemas que se caibam crusoés.

Não fui feito para ser dono de poemas
Eles que se toquem e se materializem
Peles de pedras permitem leituras lacrimais.

Não fui feito nem para fazer poemas
Por isso nem cheira e nem freud a olaria
Apenas uso estoque de presenças jugulares.

Não fui feito eu mesmo. Sou poema
Bípele, cervejólo, bebemoro noiteadeiros
Quando ovulo sou fio-terra em alma nau.



Poema do Cego Pulando Amarelinha

Para Alberto Frederico Correa Santos

O cego pulando amarelinha
Toma o anjo pela mão
Você só vê o gesto táctil do cego, não
Vê jamais o anjo na sua condução
Em cada estágio de saltar sem pisar na linha.

O cego pulando amarelinha
Parece flutuar num balé
E sonda-o a rua de Itararé inteirinha
Perguntando o que nele enseja tanta fé
Céu e inferno; o cego parece que advinha

O cego e a sua amarelinha
Parece um milagre até
Toma-o pela mão o anjo; o cego se aninha
E pula e salta e vence e acerta o pé
Talvez porque céu ou inferno só dentro da gente é.



Forfé de Pião Rueiro< /strong>

A madeira na mão um toco de imbuia cheirosa
Pedindo pro Jora da Marcenaria Estrela tornear
O pião pra jogar com a gurizada na rua descalça
Que a fieira tinha tirado de uma cortina de casa

O Seu Jora só perdeu um instantinho-prosa daí
Surgiu o pião rombudo qual coxinha de frango
Marrom lixado e um prego sem cabeça na ponta
Pro bicho correr doido como a bailar fox-trot

O pião na mão e o movimento no colo da idéia
Rua cheia de piás guris moleques curumins até
O sol de Itararé rachando revólver de mamona
Gibis do Flecha Ligeira na mão e tarde ardendo

Então a fila pra assistir a inauguração do pião
O coração tamborilando rabo de olho na mira
Enrolei a fieira na bundinha do pião maroteiro
E fiz panca de Burt Lancaster depois da maleita

Soltei o pião lazarento (que apelidei de Garrincha)
E ele foi de bubuia e fez reviravolteio na Rua Capilé
Foi um deus-nos-acuda dos guris serelepes torcendo
Pro meu pião querido ir de vareio no rio da bosta

Mas o caipora lazarento fez fricote zumbiu e parou
Na minha mão direita como uma roseira de brincar

Eu era criança e Itararé tinha uma barulhança pueril
Cresci virei peão de pegar no batente e fazer poemas

-0-



Poeta Escolhendo Feijão

"Um poeta escolhendo feijão/
N o parece nada poético/
Antes, piegas; na ótica vão/
Onirismos - metáforas do imagético/
Que pedaços ali se haverão/
Como palavras, no profético?/
(Que caldo na imaginação/
A situação até como arquétipo?)/
Um poeta escolhendo feijão/
Está em lavração errada/
As palavras ali não se serão/
Num peneirar de pedra limada/
Por isso os carunchos ficarão/
Além da situação impensada/
E nesse oficio ele é aleijão/
Como um porco, na feijoada"

-0-



A Identidade da Dor (Poema Para o Centenário da Imigração Japonesa)

Hiroshima ainda está lá
Como um espelho
Uma bomba não mata uma cidade
Uma identidade-povo
Uma idéia-espaço

Nagazaki ainda está lá
E reflete Hiroshima
Não pela radiação mas
Pelo que ambas foram e serão

Restos de Hiroshima
Ainda são Hiroshima
Como escombros de Nagazaki
Têm uma identidade silencial

Ninguém mata Hiroshima ou Nagazaki
Ninguém mata a vida
Ou uma identidade histórica e espacial de vida

A bomba não mata a dor
Do que restou da guerra
E essa dor que doerá infinitalmente
Será Hiroshima
Será Nagazaki
Porque a paz confere a dor
Perpetrada na lágrima
Como um desenho arquitetural na saudade
Que a luz lê em sangue
Nas flores de cerejeiras
Como haicais, no átomo

-0-



La Vie En Rose

Leminski morreu de poesia
Ou de cirrose; se vivo fosse
Naturalmente um outro seria
             Talvez vencedor de posse
Caetano que fugiu pra Londres
Não morreu e se socorre
A escrever bugigangas hoje
             Como se nunca existisse
Hendrix, Joplin; até Cazuza
Se não morresse o que ser ia?
Lupíscinio não se fez num dia
              Só no infinital da boemia
Renato Russo, Torquato, Capinan
Um parafuso a mais tantas vezes
(Ou o anonimato de uma neura vã
             Em celeiros de burgueses?)
A vida é cor-de-rosa na juventude
Depois o decrépito vive amiúde
E na velhice a arte louca vegeta
             Artista, vanguardista, poeta
........................................................
Morrer criando toda glosa
Em verso e samba e prosa
Foi o clímax de Noel Rosa
Idolatrado

Morrer de velhice por aí
É muito triste ao condena do
Feito Caimy ou Cauby
Cada um de si mesmo em si
Beirando ser esclerosado.

Melhor morrer no auge a criar, de overdose
Jovem portentoso - no suicídio ou na cirrose

Ou restar-se à decadência vil, pobre coitado
E à existência reles e comum ser condenado

-0-



Tomar Chuva

Algumas vezes existi.
Algumas vezes tomei chuva.
Mas quando tomei chuva eu me senti um átomo da água e ali
Fui rio, nuvem, relâmpago, açude, cisterna, foz e quase voei.

Porque tomar chuva é integrar-se à natureza, ser parte dela
Conjugar o verbo haver no sentido mais pleno de seu assento
Eu a chuva e até algumas lágrimas de alegria, êxtase e contentamento
Como se a minha alma-árvore se lavasse por dentro...

E fui chuva e guri e mar e senti minha alma flutuar numa nuvem-nau
Porque eu era a maravilhosa Chuva naquele bendito magno momento

Então a chuva me reconhecendo como parte dela (que o meu espírito o é)
Parou de ser peneiradinha naquele tardiscar cor de rosa-pitanga de Itararé
E o lírio-laranja do sol se abriu e eu me vi ali
No fio-terra, o guri
Angelicalmente de alma lavada
Pronto para enfrentar a cara amarrada
Da vida distante que em busca de mim mesmo a peregrinar escolhi.

-0-



MANDRAKE

O pai prendia a rua:
Cristão não brinca na rua.
O pai desinventava a bola de capotão
De Garrincha, Bellini, Rivelino, Pelé, Tostão.
Crente não joga bola, Deus não gosta.
O pai desproporcionava a infância:
Ler gibis é pecado, não vai pro céu.
E eu era fã do Mandrake, Príncipe Valente,
Flecha Ligeira, Fantasma, Saci e Flash Gordon.

De tanto ler - em casa era castigo ler bastante
De dicionários e jornais à Bíblia
Fiz da minha imaginação uma rua aberta para além da humanidade.
Vi pegadas no céu. Tive rasuras de peregrinações.
Sempre fui muito grosso no futebol, cavalo mesmo.
Um perna de pau que sabia que ki-chute e unha encravada não combinavam< /strong>
Quando não, por ser crente, era um manteiga derretida, canela de vidro
Que mal sabia dar direito o drible da vaca louca.

Da Poesia fiz almanaque rueiro em fugas letrais
Gibis clandestinos povoaram minha abstração em lavouras-intimidades
Com entrudos de histórias em quadrinhos como se cinesmacope na alma-avelã.
O poeta-caminheiro a escrever acontecências do arco da velha
Pomposos causos pra boi dormir
Entre invencionices desparafusadas e poemas em polaroid.

Assim vim pela vida sendo um guri eterno
Com medo de Deus, com medo do inferno
Chutando a pelota do amargo mundo legal
Para o desmundo das idéias, muito além da triste vida real

-0-



Álbum de Figurinhas


Ai que saudades que eu tenho
Dos meus álbuns de figurinhas de coleção
Que eu cuidava todo trancham, todo pimpão
Quando guri lá em Itararé
À sombra do lar and jazz
Que os anos não trazem mais.

Bolinho de piruá, capilé de groselha preta
O pai floreando o acordeão ou a clarineta
Eu com gibis do Tarzan ou do Flecha Ligeira
E o álbum que devidamente preenchido dava de brinde
De bola oficial de futebol a panela-de-pressão

Com meu belo ki-chute pretinho
Tomava crush de canudinho, e de boné
Jogava bate-bafo na rua descalça e rapelava
A petizada pidoncha da periferia de Itararé.

Um dia chorei de montão
Porque por mais que a vida por bem ou mal ensine
É a frustração na infância que a desilusão define:

- Deixei de ganhar uma bola da capotão
Porque na minha bendita coleção
Faltou uma figurinha carimbada do Belini.

-0

-

Silas Correa Leite, Itararé-SP
Teórico da Educação, Jornalista Comunitário, Conselheiro em Direitos Humanos (SP).
Blogues: http://www.portas-lapsos.zip.net/ ou http://www.campodetrigocomcorvos.zip.net/
E-mail: poesilas@terra.com.br


Biografia:
O Poeta e Ficcionista premiado Silas Corrêa Leite tem 53 anos, é de 19/08/52, da histórica e boêmia aldeia de Itararé-São Paulo, Brasil, terra de celebridades artísticas nacionais como o Maestro Gaya, Luiz Solda, Rogéria Holtz, Irmãs Pagãs, Carlos Casagrande, Regina Tatit, Jorge Chuéri, Luiz Barco, verdadeiro celeiro de artistas, portanto. Em Itararé foi bóia-fria, engraxate, vendedor de dolés de groselha preta, garçom, vendedor de jornais. Família pobre, seu pai descendente de judeu-português era acendedor de lampiões de gás e sua mãe mestiça de negro com índio. Com 16 anos ele escrevia pros jornais de Itararé (hoje é autor do Hino ao Itarareense), tinha programa na Rádio Clube de Itararé e, nos shows pratas da casa, imitava ídolos da Jovem Guarda. Por causa de uma paixão impossível, sem lenço e sem documentos em 1970 com apenas a quarta-série do primário migrou para Sampa. Sem dinheiro no bolso/Sem parentes importantes/Vindo do interior, como na balada do Belchior. Morou em pensões e repúblicas, passou fome, voltou a estudar, fez Direito, ganhou ficha nos podres porões da ditadura militar incompetente e corrupta. Sempre escrevendo, começou a participar de concursos e a ser premiado em verso e prosa, até no exterior. Ganhou alguns prêmios, (Prêmio Ignácio Loyola Brandão de Contos, Prêmio Paulo Leminski de Contos, Prêmio Mário de Andrade de Poesia, Prêmio Mário Quintana de Crônicas, Prêmio Ficção Científica e Fantástico em Portugal, Prêmio Salão Nacional de Causos de Pescadores (USP-SP), Prêmio Lígia Fagundes Telles Para Professor Escritor, etc.) Consta em dezenas de antologias literárias em verso e prosa até internacionais. Lançou um e-book (livro virtual) chamado O RINOCERONTE DE CLARICE com 11 contos fantásticos, cada ficção com três finais cada, um final feliz, um final de tragédia e um politicamente que foi um sucesso no site www.hotbook.com.br/int01scl.htm e destaque na mídia, inclusive televisa (Metrópolis, TV Band., Rede 21, Provocações). A obra, pioneira, de vanguarda e única no gênero, foi indicada como leitura obrigatória na matéria Linguagem Virtual, no Mestrado de Ciência da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina. Faz palestras e congressos, adora mais estudar e ler do que de existir (fez também Geografia, é especialista em Educação, fez várias extensões inclusive em Filosofia Para Crianças, Literatura na Comunicação, Direitos Humanos na USP, etc.) colabora atualmente com mais de 300 sites, inclusive no exterior e em países de língua espanhola. Tem três livros: Trilhas & Iluminuras, Poemas, 2000, Porta-Lapsos, Poemas 2005, e em 2006 lançará Os Picaretas do Brasil Real (Série Cantigas do Escárnio e Maldizer), estando com um livro de ficções premiadas para ser avaliado pela Travessa dos Editores de Curitiba-Pr. Antimilitarista, pela não violência, acredita na arte como libertação, como Manuel Bandeira. É considerado um humanista de resultados, sendo professor, jornalista comunitário e relator de uma ONG de Direitos Sociais. Seu site é: www.itarare.com.br;/silas.htm Sua poesia de apresentação é: Ser poeta é a minha maneira De chorar escondido Nessa existência estrangeira Que me tenho havido E-mail para contatos: poesilas@terra.com.br
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