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  Texto selecionado
O mundo infantil
Arlete
helena Maria Rabello Lyra

Resumo:
O valor da amizade na infância, a pureza dos sentimentos infantis, a luta de uma mãe na educação dos filhos... O texto ,retrato de uma época.

Uma elegante e alegre residência , naquela escadaria. Havia um alvoroço, sem preconceito, nas brincadeiras infantis.
Crianças faziam do terraço um mundo do “Faz de Contas”.
A vizinhança assistia de suas janelas aos arroubos dessa infância.
      Hoje, quando os momentos fazem silêncio as vozes vivem, em nossos pensamentos...
      Entre tantas agitações surpreendia-nos a simplicidade nas amizades de duas crianças de classe social bem diferente. Mas no universo infantil, não existem diferenças...
     Dona Gilda, lavadeira de rosto sombrio, saudade do companheiro de luta. No tanque, a brava viúva tirava o sustento para a educação de seus rebentos. A silenciosa e doída senhora cuidava de nossa roupa e dos quatro filhos, entre eles havia uma menina, Arlete. Vestia limpo, possuía uma única graça a da meninice das infâncias. Gostava a filha de passear nas felicidades vizinhas. Ocasião à fraternidade das sorridentes, essa aproximação constituía o cenário dos contrastes nesses entendimentos. Visão gratificante, naquele morro perto do céu.
      A menina de pensamentos escondidos era a de mais idade no grupo. Tinha o hábito de questionar os fatos presentes. Eram muitos os porquês à espera de respostas...
      O trabalho intenso da mãe; o trabalho, paralelo aos estudos, dos irmãos; as bonecas nunca sobravam para os seus braços... Não havia respostas, nem o irmão seminarista, tirava-lhe as dúvidas. Em seu mundo, a tristeza soprava forte.
       Para Arlete, uma festa freqüentar a casa alvissareira. Chegava desconfiada, admirava os divertimentos e ficava feliz em observar... Olhava comprido acarinhando, de longe, aqueles bebês tão lindos.
      Quando a Sofia aparecia com uma fraldinha enrolada, seus olhos grandes brilhavam. Recebia uma das bonecas e iniciavam “o faz de contas”.
      Na volta a casa cismava sozinha “o papai do céu esquecera-se de sua família”.
    A pequena sentia a injustiça nas ausências, não lhe doía mais por ser amiga da magricela dona de tantos haveres de contos de fadas.
     Aprendera Arlete a sobreviver ao sacrifício. Era a sua herança.
     Minhas percepções caminhavam até onde permitia a fronteira das observações...
     Como observadora assistia à ternura das amizades infantis...
     A pequenina de olhos miúdos faz à amiguinha sonhar, contara-lhe que a mamãe do seu pai havia sido também lavadeira e vendia casquinhas de mariscos no mercado. Mas o papai estudara e podia pagar-lhe à escola e lhe presentear com tantos brinquedos. Animava Arlete ao afirmar “se você estudar, pode quando crescer ter uma casa como a minha”.
     Ambas não possuíam discernimento para as compreensões das desigualdades sociais.
     Tempo de ginásio, o projeto das garotas era o estudo, mas na casinha ao lado, havia prioridade para os irmãos.
     A magricela tanto pediu ao pai que este lhe fez as vontades. As fraternas estudariam no mesmo colégio. Passaram a dividir também o material escolar.
    O sorriso da Arlete falava mais que todas as palavras. Apesar do pouco tempo para os estudos, superava as dificuldades, havia a promessa de um futuro.
    No caminho dos anos, entendiam-se, protegiam-se as estudiosas.
Lembra-me um dia, quando chegaram do São Vicente,com escondidas conversas... O professor de latim descobrira-lhes a malandrice, para espanto das duas as avaliações foram devolvidas com um grampinho. “Quero a verdade, ou zero para as duas, falara-lhes o professor”.
     Naquela época, não havia o moderninho conceito A, B, C, mas um número soberbo ou amargo.
     A sala de aula entristeceu, pois quase todos queriam bem a filha da Dona Gilda.
     O mestre não esperou muito e em meio às expectativas dos uniformizados, a de olhos pequeninos assume a falta, para surpresa de todos. Ganhara zero, fez - se silêncio...
     Bondoso aquele professor de latim, soube como ajudar Sofia.
Caracterizou-se o mês por avaliações relâmpagos e quem quisesse poderia participar, nos quinze minutos finais da aula. Assim, o zero virou sete no boletim. Em suas bondades, o professor também auxiliou a menina “sem recursos” em seus estudos...
     Hoje, com certeza, aquele mestre tão especial é uma luz em “Pasárgada”.
    As alunas daquele ano, concluíram o ginásio, sem que nenhum colega ousasse ferir a sensibilidade da única mocinha “sem berço”.
    Senhora de suas responsabilidades Arlete agia como menina pobre, não escondia sua origem. Mas como vivia no mundo que não era o dela, tremia sempre que lhe dirigiam a palavra.
     Sempre existem exceções, um rapazinho, filho de importante político, não sabia respeitar o sofrimento alheio, entretanto aprendera a se comportar para evitar atritos com a de nariz chato. Foi debochar em “outra freguesia”.
     Chegara o momento da separação. Poucos alunos fariam o “Normal” assim era chamado o curso. A maioria dos estudantes fez a matrícula, no Colégio Estadual.
     A jovem já não tão indefesa continuou seus estudos e formou-se professora primária, o Arnóbio tornou-se padre, o Antônio e o José Luís são contadores. Brava Dona Gilda! Arlete aprendeu a se defender das injustiças e a fazer amigos. Trabalhou, aposentou, mas as fraternas não esqueceram o sentimento que sempre as uniu.
     A amiga da casa grande casou-se, já vovó, mas gosta de estudar.
     Guardo, na memória do coração, as doces lembranças de uma juventude sadia, pois nunca me esqueceram as histórias que vivenciara naquela época. Além de vizinha era também a professora dessas tão irmãs.
     Quantas vezes a colega abastada fortalecia-se de seu poder econômico para favorecer a desprotegida da sorte.
      Recentemente, Arlete afastou-se, calou-se, mas foi o silêncio de seus princípios morais, como diz a antiga magricela, que engana a tristeza com um sorriso nos lábios.
      Vive a senhora dos haveres a maldade anônima...
      Pensamos que o anonimato é arma cruel, não deixa as tristes recordações já vagas nas memórias desaparecerem no esquecimento. Tal perversidade reporta-nos a condição irracional, esconde nossas crenças às ternuras e deixa em nosso coração lágrimas impertinentes.
      Às vezes nos perdemos em situações abstratas ou sonhos da infância, percebemos no hoje, um mundo agindo por conta própria, sem a presença de Deus.
     Observadora desses comportamentos contemporâneos, temos dúvidas...
     Quase não se vêem atitudes sensíveis às causas justas sem os conhecidos interesses econômicos.
     Percebemos a ausência do respeito e a disponibilidade para com o outro, nos acolhimentos do verdadeiro amor ao próximo. Mas as compreensões dessas convicções morais sempre há de existir naqueles que têm vontade de aliviar o infortúnio e as injustiças...
     Hoje, minhas netinhas vestem, presenteiam e dividem cadernos com a filha da doméstica ajudante da casa.
     Nos aniversários as amigas “sem recursos” visitam seus guarda-roupas. Todas saem lindas para essas festinhas.
E as situações se repetem em ações que fazem as histórias da Vida. HM






Biografia:
Bacharel em Letras- UFES Licenciada em Letras -Portugês- Francês Professora aposentada do Centro Federal de Educação Tecnológica( CEFETES) Ex professora concursada da Rede Estadual de Ensino-ES ex professora de Literatura Brasileira do Colégio Martim Lutero- ES Professora de Língua Portuguesa Curso Dinâmico- Central de Cursos preparatórios para concursos Estaduais e Federais.Professora de Língua Portuguesa da Escola Contec- ES
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