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O homem por inteiro
(continua...)
Ellen Regina

Resumo:
trecho do conto: O HOMEM POR INTEIRO, com o qual participei de um concurso literário de abrangência Estadual [não ganhei nem o troféu abacaxi... mas tudo bem, tenho alergia a abacaxi mesmo...]

O homem por inteiro

A mãe era negra e pobre. O pai fora um homem casado que não assumiu a menina como dele. Arminda sempre quis viver com o pai. Nunca entendeu porque ele havia preferido a outra família. Pôs a culpa na mãe, na sua pobreza, na sua raça desacreditada socialmente. Humilhava a mãe por pequenos motivos, desfazia-se dela na frente de qualquer um.

Casou-se com um homem do mesmo biótipo do pai. Um homem rico, perdidamente apaixonado. Seu nome era Bueno. Arminda ficara fascinada com o amor daquele homem. Parecia a redenção pelo amor paterno que lhe fora negado desde a infância. Eram ambos muito apaixonados e felizes. Até que o marido entediou-se da vida puramente a dois e começou a pedir por um filho.

Arminda rejeitava veementemente a idéia. O casal começou a se desentender. Tiveram a primeira discussão séria em quatro anos. Ele a acusava de pensar só em si mesma. O marido cada vez ficava mais distante. Arminda, com medo de perder o amor de que tanto precisava cedeu. Nasceu Aparecida, a primeira filha do casal.

Não se parecia em nada com Arminda, que era morena muito clara. Nascera com todas características da mãe de Bueno, lembrava uma índia. Cada vez menos Arminda se identificava com a menina. Para piorar, o marido passou a dar mais atenção à filha, ou assim Arminda alegava. O grande medo, que ela carregava secretamente, era o de que estivesse destinada a perder o amor de seus homens por causa de outras mulheres. Não era bem uma causa pensada, Arminda era levada a pensar assim por causa dos dissabores da infância.

O marido desmentia, dizia que estava exagerando, que tais amores eram distintos um do outro. Ela não acreditava. Tinha cicatrizes profundas demais. Arminda seguiu misturando os papéis: do pai com o do marido, o papel atual de esposa com o da filha rejeitada que fora, da filha recém-nascida com a primeira esposa do pai. Arminda esqueceu-se, inclusive, de exercer seu papel de mãe.

Bueno buscou aconselhamento. Deram-lhe algumas terminologias, justificativas que o preocuparam.

– O nome é depressão pós-parto, disse-lhe um médico.

Bueno ficou apreensivo, o médico apresentou-lhe um folder com parecer explicativo: um número significativo de mulheres padeciam daquele mal.

– É passageiro, ele garantiu.

E Arminda recebeu a melhor assistência do país.

Depois ela alegou estar cansada.

– Ser mãe de recém-nascido é assim mesmo, diziam os amigos.

O marido então contratou duas babás que se revezavam entre os turnos do dia. Mas Aparecida demonstrou-se um ótimo bebê, daqueles que toda mãe deseja: nunca sentia cólica, quase nunca chorava e à noite dormia como um anjinho.

Arminda distanciou-se tanto da filha que já não havia mais o que dizer contra ela. Resolveu então reclamar do marido. Acusou-o de fingir brincar com Aparecida para flertar com as babás.

Foi um suplício. Bueno jurou que não, fez-lhe todas as vontades, presenteou-a com os mais caros objetos. Então, como fruto do novo clima de romance, Arminda engravidou de novo.

– Uma tragédia, disse.

– Uma maravilha! – Bueno comemorou.

Mas o destino estava de mau-humor e preferiu acatar as previsões de Arminda. Agora o casal tinha seis motivos de briga: duas filhas e quatro babás. As desculpas de Arminda se extinguiram. Bueno então entendeu: ela jamais mudaria, jamais conseguiria dar às filhas o amor intenso que nutria por ele. Mas não era culpa sua. Arminda fora levada a agir assim sem nunca ter conseguido fazer conexão de sua dificuldade afetiva com os próprios traumas. Parecia incapaz de ser mãe.

Ele ficou abatido, não conseguia responsabilizá-la por seu comportamento estranho. Fora ele quem insistira, apesar das manifestações contrárias, em ter filhos. Perguntou-se se as acusações outrora destinadas à mulher – de só pensar em si – se aplicaria a ele mesmo, afinal fora indiferente à negativa de Arminda frente ao desejo cego de ser pai.

Enquanto isso as meninas cresciam. Aprenderam desde cedo a contar apenas com Bueno. Arminda fazia questão de evitá-las. Parou de chantagear o marido em troca de atenção: ele já não correspondia. Quanto mais o marido se afastava dela mais Arminda odiava as filhas. Então ele deu um ultimato à mulher: ou terminaria a hostilidade materna ou o casamento.

Arminda se esforçou sobrenaturalmente, fez-se simpática na maioria das vezes. Qualquer coisa para que o marido não a deixasse. Quanto às meninas, não foi tão difícil assim: nenhuma das duas gostava da mãe e há muito não buscavam sua companhia. Apenas se toleravam – simples assim – para evitar que o pai sofresse ainda mais com a segregação familiar...

[...] continua...


Biografia:
http://facetasdemim.blogspot.com/2008/09/uma-certa-cronologia.html
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Outros títulos do mesmo autor

Poesias O homem por inteiro Ellen Regina
Crônicas Hélices e maquises Ellen Regina
Ensaios A verdade e a vaidade Ellen Regina


Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


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