Há situações que costumam ser encaradas com orgulho e confundidas com mérito, quando na verdade são apenas escolhas ou fatos naturais da vida. Fazer aniversário, ter filhos, comemorar bodas de casamento… todos esses eventos não são conquistas dignas de celebração. Pergunto-me a razão de parabenizarmos alguém na efeméride de seu nascimento todos os anos, se a manutenção da vida é um valor prezado por todos os seres em seu estado normal. Não encontro motivos sólidos que mereçam meus parabéns, se a vida ou se a morte é apenas questão de azar ou sorte, já que não há nenhum mérito em nascer, ainda que por vezes esse acontecimento seja uma batalha árdua e desnecessária.
O nascimento de uma criança jamais terá os meus sinceros parabéns. O corpo distorcido da mulher que carrega um filho no ventre apenas me passa a sensação de aflição e egoísmo. Para que trazer mais um ser humano a um mundo massivamente povoado, com gente excedente na humanidade triste? Como alguém que dirá amar incondicionalmente a cria teria a audácia de colocar nessa vida mais um sofredor? Primeiro que o amor de mãe é condicional sim, e está vinculado justamente à condição de ser mãe e de ser filho. Não bastasse, nem toda existência é abençoada, e este planeta tem se tornado cada vez mais hostil. Talvez eu julgue o superprotetorado materno, mas este pode ser o auge do meu, ou quem sabe, essas lamúrias não passem de amargor da minha parte, já que eu sei que não serei mãe… o universo infantil não me atrai e eu gosto de dormir!
Bregas são as bodas, os desafios vêm inclusos em um relacionamento amoroso, e saber superá-los é o mínimo a ser feito no cotidiano a dois pelo bem da relação. O amor é uma escolha de vida e completude, pode ser conquista, mas não é mérito em sentido estrito. Se a convivência com o outro é deveras desgastante, resta fazer outra escolha para se desvencilhar ou ponderar permanecer. Toda escolha implica renúncias, e elas devem estar claras antes de qualquer decisão séria, e sendo somente consequências, jamais terão a natureza de uma conquista ou de uma luta vencida, não há que se falar em trabalho cumprido com sucesso, é apenas reflexo do que se escolheu previamente. Portanto, educar uma criança ou ter um relacionamento amoroso saudável e feliz é o mínimo. Às vezes sinto que a celebração de fatos assim apenas delatam a mediocridade do ser humano frustrado, que ao não se destinar aos feitos grandiosos, opta por comemorar a ventura errada, já que não há outra mais nobre.
Nascer, viver, procriar, morrer, este é o ciclo natural de toda vida, e não é conquista alguma, não vivemos mais na idade média. Evoluímos em expectativa de vida, em métodos para engravidar e para morrer. Somos vítimas da longevidade, somos filhos criados em tubos de ensaio e somos desfrutadores de mortes humanizadas. Então viver tem se tornado cada vez mais fácil, não há mérito algum em passar ileso por esta época. Como dizia B. Spinoza, as grandes coisas são raras e difíceis, mas a vida já não tem mais esse perfil, e não ousem me convencer do contrário!
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