Ele não foi a pessoa mais inesquecível e peculiar que cruzou o meu caminho, e eu não imaginava reencontrá-lo nessas circunstâncias. Meus leitores assíduos devem lembrar de um texto publicado em julho deste ano, intitulado “Eventos Incomuns” sobre um moço que por acaso conheci no shopping center. Deixo link a seguir.
https://www.recantodasletras.com.br/pensamentos/8105768
Não criei expectativa alguma sobre ele, não tornei a procurá-lo, nem ele o fez. Eu sabia apenas seu nome e algumas poucas informações de uma breve conversa, sendo que passados alguns dias do acontecimento, eu já o considerava novamente um estranho familiar e até cheguei a temer o evento irrepetível, dada a peculiaridade da perseguição que me aparentou.
Voltei algumas vezes ao café onde eu o vi naquela sexta-feira de inverno, até olhava ao redor, mas não esperava encontrá-lo ali,e penso que eu sequer gostaria de voltar a vê-lo, ainda que tivéssemos um assunto inacabado. Passei a imaginar que a probabilidade maior de reviver o momento fosse, como é de se pensar, em alguma sexta-feira preparada pelo acaso.
E hoje, seis de dezembro, foi a sexta-feira do reencontro, lá estava ele, no mesmo café. Mas seu estado de espírito hoje parecia mais introspectivo e menos atento ao redor. Com receio e me perguntando se seria o certo a fazer ou se seria mais aprazível deixar o assunto no passado, me aproximei dele assim que o vi, e talvez eu tenha sido muito abrupta ao abordá-lo, sentei na poltrona que estava livre ao seu lado e o cumprimentei, eu estava disposta a discutir e a questioná-lo sobre a evidente perseguição há alguns meses.
Para a minha surpresa, ele não se lembrava de mim, parecia que eu estava obliterada de sua memória e que aquele evento não tinha passado de um fato comum, ele nem ao menos se recordava de ter me visto alguma vez na vida, tanto que a primeira pergunta que dirigiu a mim foi se ele me conhecia de algum lugar. Oras, isso é uma pergunta que deve ser feita a si mesmo.
O que para mim tinha sido um acontecimento na fuga da realidade, para ele, não passou de uma banalidade, o que para mim foi motivo de inspiração literária, para ele, não teve o mesmo valor. Para além da qualidade da memória, a lembrança sobre o outro denota muito sobre a alteridade e sobre a predisposição para se afastar de seu ego e se deixar afetar pelo outro em apostasia.
Frustrada pelo esquecimento alheio, não posso exigir que determinado acontecimento tenha o mesmo valor para o outro, isso também é sobre como eu vejo o mundo e sobre o modo como me relaciono com os demais, dou muita atenção à interação social, já que esta me é um pouco escassa.
Para mim foi novidade fazer com o que o outro minimamente me conhecesse sem saber ao certo o que eu já sabia sobre ele, e não quis me alongar na conversa, já me sentindo um pouco constrangida por abordá-lo desta forma e por igualmente deixá-lo desconfortável e assombrado com o que se passava. Ao mesmo tempo, me angustia saber que sou mais esquecível do que eu imaginava.
Em poucos minutos de conversa, que não chegaram nem a dez, penso eu, ele passou a me falar de futilidades neoliberais que nitidamente me apresentaram mais do que ele poderia imaginar, falando de termos em inglês sobre crescimento pessoal, finanças e lei da atração, com um toque de arrogância que já me mostrava uma característica dominadora e que estava me deixando entediada. Ele me ofereceu pistache, e apesar de gostar, não aceitei, ele ficou na defensiva, e eu também. Apesar da ousadia de reacender o ocorrido, talvez deixar no passado era o melhor a ser feito, quando a poesia ainda não tinha sido estragada.
Desta vez o encontro poderia ter sido mais amistoso e normal, mas não me deixei abalar, sinto que coloquei um ponto final em uma história mal contada, era a conclusão que eu precisava para voltar àquele café sem mais ter que olhar em volta à procura daquele moço excêntrico, que já me é indiferente, tanto quanto eu fui para ele.
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