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Opiniões em titubeio
Flora Fernweh

Hoje passei por uma situação que me fez refletir sobre a dificuldade que sinto em expressar meu pontos de vista em algumas situações. Fiquei sabendo que haveria a transmissão de um filme nigeriano sobre a condição feminina em uma sociedade tradicional africana, na qual as mulheres têm como objetivo primordial que lhes é imposto a geração de filhos e a atividade materna. No entanto, após a sessão que contou com cerca de uma dúzia de telespectadores, fomos convidados a um breve debate sobre as impressões pessoais que cada um teve ao assistir, e tal discussão me foi muito esclarecedora pessoalmente.

Diversas foram as perspectivas e as ideias abordadas, e como de costume, eu decidi que guardaria meus pensamentos, sem pretensão alguma de exteriorizar algo já tão certo para mim e possível de afronta por alguém que não desdenha em falar o que lhe der na telha e em qualquer oportunidade. O interessante é que de fato gosto de ouvir as opiniões alheias, mas não sinto a necessidade de compartilhar as minhas com os demais.

Por quê?

Gosto muito da troca e do compartilhamento que esses momentos proporcionam, bem como toda a pedagogia por trás da verbalização em conjunto das passagens do filme em um amálgama subjetivo que se relaciona às experiências pessoais, então qual o motivo de minha dificuldade em demonstrar o que penso?

Como mulher, eu poderia ter chamado a atenção para alguns aspectos do filme que teriam me sensibilizado, por que não o fiz? Desmereço em literalidade as minhas próprias concepções? Se fosse qualquer outro tema, eu teria repertório suficiente? Qual o problema com o meu lugar de fala? Hoje em dia, com os problematizadores de plantão que não perdem por esperar por qualquer vestígio de estranhamento, já não se pode transparecer toda a sinceridade que nos atravessa.

Falo o indispensável e por vezes penso o inexprimível. Sequer posso conceber o sentido em uma frase que não passa de um achismo, ainda que naquele contexto a discussão tenha sido essencialmente informal e amistosa. Não hesito quando sou instada a falar em público, ainda mais se posso tirar algum proveito disso, mas zelo pelos espaços em que não haverá abertura direta às discordâncias e quando sei que existe um espaço reservado, cronometrado e aguardado pela minha fala.

Só digo o que abrilhanta o meu discurso e prefiro o silêncio a falas sem fundamento teórico, prezo pelo embasamento e pela irrefutabilidade daquilo que exponho, de forma que com um aparato técnico, as provocações do senso comum e das perspectivas vãs se reduzem. Sou autocentrada e talvez essa característica tenha interferência em minha personalidade, já que não tolero ser o centro das atenções quando resta alguma possibilidade de contraposição aos meus argumentos, vez que tenciono o arraso sempre.

Ao mesmo tempo, sei que a tentativa de demonstrar um conhecimento intelectual não se adequa à ocasião precisamente, vez que o objetivo é outro, embora os meus sejam mais rígidos. A minha certeza é que não combino com apreciações rasas, e a potência daquilo que eu poderia dizer intimida até a mim mesma enquanto veículo da mensagem. Quando hesito em responder ou não, passo a entender que não se trata de mim, mas sim daquilo que me proponho a articular.

Falar é um manifesto, mas por vezes não sei militar em causa própria. Nem tudo o que falo é o que acredito, tal é a minha síndrome. Sou capaz de reunir as justificativas mais plausíveis aos fenômenos mais fatalistas e até mesmo fingir contrariedade a um pensamento que defendo com unhas e dentes, apenas pelo prazer do confronto.

E se me pensarem deste jeito? Se me conhecerem pela primeira impressão daquilo que não sou? É difícil aceitar ser o que se é e é mais difícil ainda desfazer um preconceito que outros venham a ter contra mim, pois a impressão que desejo deixar ao mundo e o legado de minhas ideias não se submete à aprovação de terceiros, já dependo tanto deles para as obrigações sociais que tanto me cansam, de modo que o que mais me importa não terá o mesmo lamentável fim da reciprocidade aparente.

Enfim, é precioso o que tenho a dizer, porém nem todos os ouvidos estão afeitos a ouvir alguém de igual para igual. Na dúvida, opto por não arriscar a autenticidade das convicções que carrego comigo, não preciso da aprovação social para que a plenitude me alcance, não é importante que eu me coloque em situações em que não quero estar a fim de corresponder ao pensamento dos outros, e por fim, não considero que falar o que me vem à mente em um lapso temporal de poucos minutos engrandecerá quem está ao meu redor ou a mim mesma, de forma que escutar o próximo é a forma mais sábia de lidar com a própria ignorância, mas isto é assunto que a maioria deveras ignora.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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