Aquilo era diferente. Eu estava acostumado a sair de ônibus, metrô e sola e lutar pela sobrevivência. Agora, eu estava ali num condomínio em Arujá, tentando decifrar mímicas em jogos de adivinhação. Uma noite de sábado que começa com uma casa livre porque os pais foram para a Europa ou os Estados Unidos não pode acabar bem. Isso é o prenúncio de dormir debruçado num jogo de tabuleiro, com um pedaço de pizza fria do lado. Era assim na ‘Sessão da Tarde’.
Aquilo não estava com cara de sábado à noite. Quando tudo parecia uma turma de amigos numa cabana de estação de esqui, vi que tudo estava perdido e esperei que alguém entrasse na sala com uma panela de “fondue”, vestindo pulôver e cachecol.
Bastava segurar um copo, para sacar que eu vinha da periferia. Fiquei habituado a caminhar por viadutos imundos, pútridos e fétidos; percorrendo ruas mal iluminadas e vazias da Barra Funda, tendo por testemunhas apenas pragas urbanas. A amplitude entre o “dogão” e o “fondue”, a cerveja barata e o vinho e o bilhar e os jogos de adivinhação era abissal.
Como naqueles filmes que aparece um assassino em série, vingativo, onipresente e imortal, tudo parecia perfeito demais. Eu já estava prevendo a carnificina e o banho de sangue, portanto, só me restava fazer parte do casal bonzinho que permanece vivo no final.
Eu achava tudo salubre demais. Talvez, uma meia hora num divã constatasse que eu não me achava merecedor daquilo; submetido à regressão espiritual, quem sabe, eu descobriria a origem arcaica do trauma, tipo alguém que rompeu com a sociedade. Entretanto, nesta encarnação, tudo pode ser explicado com o hábito sobrevivencialista de atravessar o hostil Centro de São Paulo.
Impossibilitado de descobrir a origem da ojeriza de frequentar um “mundinho” tão “perfeitinho” e “asseado”, pelo menos àquela hora, resolvi aderir àquele final de semana atípico. Acostumado e até me divertindo, me empenhei em interpretar e resolver mímicas.
O Sol surgindo no Leste lembrou que não houve um massacre cinematográfico, por isso, o sábado não lembrou ‘Sexta-feira 13’, muito menos ‘Warriors — os selvagens da noite’.
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