A peça é ambientada na sala de um apartamento de classe média da Tijuca. Na sala, um sofá de
três lugares, duas poltronas e uma mesa de centro com cinzeiro enorme em cima. Encostado na parede do fundo, uma estante com aparelho de som e uma TV. No canto, um pequeno bar espelhado, bem iluminado. Na parede lateral um enorme quadro moderno de extremo mau gosto, comprado em loja de molduras.
Zezé – José Aparício da Silva, porém é chamado de Zezé. É o chefe da família Silva. Ele é professor de matemática do ensino médio. A família e os alunos o deixam muito estressado.
Janete – Janete Silva é a mulher de Zezé. Dona de casa, que nunca trabalhou fora, batalhou para arranjar um bom casamento para a filha. Seu sonho é sair da Tijuca para viver em um condomínio com piscina e sauna, na Barra da Tijuca.
Carla Patrícia – Paty, como é chamada a filha do casal Silva, é muito bonita. Vaidosa, só se veste com roupas de marca. Com o incentivo da mãe, tentou a vida de modelo, mas acabou virando garota de programa depois de desistir de arranjar um bom casamento com jogador de futebol.
José Maurício - -É o filho adolescente do casal Silva. Conhecido como Mauricinho, vive aprontando pelo bairro. Frequenta balada e festa Rave. Descola grana para comprar drogas fazendo rolo com os presentes que recebe da irmã. Não estuda e nem pensa em um dia trabalhar honestamente.
July – É a amiga íntima de Paty. Despejada de onde morava, vai morar na casa de Zezé, que não desconfia que ela seja um transexual. Juvenal Barbosa é o seu nome de batismo.
Inspetor Peixoto – Cláudio Peixoto, policial corrupto, é vizinho e amigo de infância de Zezé. É amante de Janete e está sempre livrando Mauricinho da prisão.
Cidinha – Maria Aparecida, filha única de Peixoto, é amiga de Mauricinho. É lésbica e vive sozinha com o pai. A mãe abandonou-a bem pequena para viver com um delegado da Polícia Federal.
Cena 1
(Zezé entra em cena com uma pilha de provas para corrigir)
Zezé – (falando sozinho) Vida de professor é uma merda! Quando não está em sala de aula aturando malas sem alças, está em casa corrigindo pilhas de provas ou fazendo as contas para descobrir quanto de juros vai pagar no cartão de crédito. Resumindo: Somos fodidos e mal pago!
(Janete entra em cena)
Janete – Falando sozinho, homem!
Zezé – Não! Estou falando com os meus botões. O magistério está me deixando maluco.
Janete – Vai se tratar! Procure um psiquiatra.
Zezé – Impossível! A psiquiatria pública já está lotada de professores. Não há vaga até as olimpíadas.
Janete – Procure um médico particular.
Zezé – Posso até procurar... Só não vou ter o dinheiro para pagar a consulta.
Janete – Então pare de reclamar. Quem mandou fazer licenciatura... Largou o mestrado porque quis.
Zezé – Larguei o mestrado porque você resolveu engravidar.
Janete – Com a sua participação! (faz gesto obsceno)
Zezé – Você está equivocada... Não foi com a minha participação.
Janete – Com a do nosso vizinho, garanto que não foi. Ahh!
Zezé – Na verdade, eu quis dizer: minha autorização.
Janete – Desde quando uma mulher precisa da autorização de um homem para engravidar?
Zezé – Dona Janete Silva, não distorça as minhas palavras. Posso ter me expressado mal, mas você entendeu bem o que eu falei . Você poderia ter evitado...
Janete – Você poderia ter transado comigo usando camisinha.
Zezé – Poderia... Mas você disse que tomava pílula.
Janete – Eu tomava!... Mas não sei o que aconteceu.
Zezé – Eu te digo o que aconteceu... Você esqueceu de tomar... Aí mifu!
Janete – Graças ao meu esquecimento, nasceu nossa linda Carla Patrícia.
Zezé – Tenho que concordar com você. Paty é bonitinha...
Janete – Bonitinha?!
Zezé – Mas ordinária.
Janete - (começando a chorar) É assim que você vê nossa filha. Como uma vagabunda?
Zezé – Eu não vejo nossa filha como vagabunda.
Janete - E nem como prostituta?
Zezé – Também não!... Na verdade... Paty é uma puta vagabunda... Literalmente falando.
Janete – Nossa filha não é uma puta. Ela é uma modelo que ainda não foi descoberta.
Zezé – Descoberta ela já foi... Pela clientela dela.
Janete – Você é cruel!
Zezé – Não sou não! Eu sou é realista. Só não usei as palavras adequadas. Vou retificar... (irônico) Como Paty é filha de pais de classe média, ela na verdade não é uma puta e sim uma garota de programa. Melhorou?
Janete – Não! Muito vulgar.
Zezé – Acompanhante de executivo... Serve?
Janete – Amenizou!
Zezé – (balançando a cabeça) Não acredito!... Janete, você que é a culpada por nossa filha ser uma puta de luxo.
Janete – Eu... Culpada?
Zezé – Sim! Pelo fato de Paty, desde a adolescência, ser um mulherão. Você não só estimulou a vaidade dela, mas também a incentivou a ser como é.
Janete – Eu?
Zezé – Sim! Enquanto eu levava nosso filho para treinar na escolinha do Vasco, a senhora levava a Paty, para assistir aos treinos da divisão de base do Flamengo. Você chegou até a pintar os cabelos da menina de loiro. E nem precisava... Ela já era burra de nascença.
Janete – Não deprecie minha filha!
Zezé – Coitadinha...
Janete – Coitadinha sim! Você não sabe o sofrimento que esta menina já passou na vida. Ela enfrentou o sol, a chuva e infindáveis engarrafamentos para não perder nenhum treino na Gávea. Você não pode calcular a quantidade de aulas que ela matou para se dedicar ao futebol. . Pensando no nosso futuro, ela sacrificou os seus estudos.
Zezé – (irônico) Quanto sacrifício! Poupe-me! A Paty nunca gostou de estudar. Ela tem uma doença que ataca milhares de brasileiros.
Janete – Qual doença?
Zezé - Alergia à leitura!
Janete – Palhaço! Fique sabendo que nossa filha se esforçou muito para concluir o ensino fundamental.
Zezé – Sei!... E com a ajuda da aprovação automática.
Janete – Detalhe! A paixão da Paty foi mesmo é pelo futebol... Se ela tivesse emplacado um namoro com um craque, e adquirido uma bela barriga, hoje a gente estaria morando num luxuoso condomínio da Barra, com piscina, sauna a vapor, sala de musculação e personal trainer.
Zezé – É querida... Eu lamento, mas você foi muito mal assessorada pelos treinadores do Flamengo. Nossa filha só namorou pereba.
Janete – Não é verdade! Ela namorou um lateral esquerdo que batia um bolão...
Zezé – E que foi desligado do elenco porque adorava cheirar uma carreira...
Janete – Culpa sua! Você viciou o namorado da Paty.
Zezé – Eu não! Nunca cheirei na minha vida.
Janete – Mas quem foi que apresentou pro rapaz um baseado do tamanho de um charuto?
Zezé – Não exagera mulher... Só quis fazer uma presença pro meu futuro genro.
Janete – Ex-futuro genro!
Zezé – Tem razão! Assim que o rapaz foi banido do clube, a senhora fez a Paty desmanchar o namoro.
Janete – Claro! Você acha que eu deixaria minha filha namorar um fracassado. Bananeira que não dá cacho só dá prejuízo.
Zezé – Falando em prejuízo, aquele goleiro que ela namorou logo em seguida, detonava bebida. O cara não engolia frango, mas enxugava todo o meu uísque.
Janete – Ele agarrava muito! Pena que largou a Paty por uma periguete que logo pegou barriga.
Zezé - Mas tem o lado positivo... Paty poderia ter engravidado do cara e ganhado destaque no noticiário de policia... Mas deixa pra lá, pois é outra história!
Janete – Nossa filha não merece...
Zezé – Não merece mesmo uma mãe tão ambiciosa...
Janete – E um pai tão acomodado...
Zezé – Acomodado eu? Trabalho feito um burro para sustentar esta bendita família.
Janete - Feito um burro... Sim! Se você fosse um homem de visão e escolhesse outra profissão, hoje não estaríamos morando em um apartamento na Tijuca com vista panorâmica para a favela.
Zezé – Favela não!... Comunidade.
Janete – Tá! Para ser politicamente correta: Comunidade repleta de afros descendentes.
Zezé – ( para a plateia) Acabo de descobrir que me casei com uma mulher racista.
Janete – Eu escutei direito? Você me chamou de racista?
Zezé – (irônico) Imagina meu amor...
Janete – Deixa de ser irônico. Apesar de eu ser de origem Celta, não tenho nada contra pessoas de cor...
Zezé – Se olha no espelho para se certificar melhor da sua origem.
Janete – O que você quer insinuar?
Zezé – (irônico) Insinuar?... Nada!... Se você não tivesse feito escova progressiva e plástica neste seu nariz, todos descobririam que você tem um pezinho na África...
Janete - Eu não tenho um pezinho na África!
Zezé – Reparando bem o seu estereotipo... (começa olhar minuciosamente para a mulher) Acho que você tem é os dois pés cravados no continente africano.
(toca a campainha, interrompendo a fala do Zezé)
Janete – Pare de falar besteira, levanta a bunda deste sofá e vá abrir a porta.
Zezé – Calma! Já tô indo.
(Zezé abre a porta e Paty entra mancando com um livro debaixo do braço)
Janete – Mancando minha filhinha. O que houve?
Paty – Acidente de trabalho?
Zezé – Você caiu e se machucou?
Paty – Não pai. Já disse que foi acidente de trabalho.
Zezé – Fiquei curioso! (irônico) Que tipo de acidente você poderia sofrer durante o seu (gesto de entre aspas) “trabalho”.
Paty – Quando eu estava transando com o meu cliente na posição frango assado... O senhor deve conhecer... (Paty se deita no sofá para tentar ilustrar a posição, mas é interrompida pelo pai).
Zezé – Não precisa ilustrar. Eu já conheço o Kama Sutra de trás pra frente.
Paty – Então... O meu cliente se empolgou e eu acabei sofrendo uma distensão muscular.
Janete – Filha! O Jorge, nosso vizinho do 69, é um excelente fisioterapeuta. Agora, vai tomar seu banho para relaxar os músculos, que depois eu te levo até ele.
Zezé – Nosso vizinho dá plantão aos domingos?
Janete – O Jorge, acima de tudo, é um profissional. Ele não vai recusar a atender nossa filha em uma situação de emergência.
Zezé – Com certeza! Com os atributos da nossa filha, ela vai ter tratamento gratuito.
Janete - Não seja pernóstico.
Paty – Pai! Eu te amo... Mas você não presta.
Zezé – Apesar de imprestável, papai também te ama. (reparando no livro da Paty) Filha, eu estou estranhando você!
Paty – O que pai?
Zezé – Você com livro debaixo do braço?... Você nunca gostou de ler!
Paty – Foi meu cliente que me presenteou. Ele disse que este livro vai me ajudar a aprimorar a minha performance.
Zezé – Fiquei curioso! Deixe-me ver, filha?
Paty - (entregando o livro) Tome!
Zezé - (olhando o livro) O doce veneno do escorpião... Autora: Bruna Surfistinha.
Paty – Interessante?
Zezé – (folheando o livro embasbacado) Interessantíssimo!
Paty - Pode ficar! Eu não tenho tempo pra ler. Depois só me diga se gostou... Ok?
Zezé – Obrigado filha! Agora vá tomar o seu banho!
Paty – Fui! (Paty sai de cena)
Janete – Zezé deixa para corrigir suas provas outra hora. Você está muito estressado. Vai caminhar, homem!
Zezé – Tá bom! Vou dar a minha caminhada até o botequim da esquina e tomar a minha cervejinha de lei.
Janete – Não vai encher a cara logo cedo! Não esqueça que o seu Vasco joga hoje.
Zezé – Eu esqueço até que constitui família, mas jamais me esquecerei de um jogo do Vascão. Vascooo!
Janete – Vaza homem! E só volte pro almoço.
Zezé – Seu pedido é uma ordem. Até... (Zezé sai de cena)
Janete – (para a plateia) Ser mulher de professor é padecer na Terra. (As luzes se apagam)
Cena 2
(Janete se encontra sentada na poltrona, ligando para Peixoto)
Janete – (falando ao telefone) Amor, pode vir... A barra está limpa.
(Janete coloca um cd pra tocar e começa a retocar a maquiagem e a se perfumar e, em seguida, toca a campainha e ela, prontamente, corre para abrir a porta)
Janete – Você é rápido... hem!
Peixoto – Só para ver minha deusa... E prender vagabundo!
Janete - (comentário para a plateia) É tão romântico este meu amante.
Peixoto –. Minha tigresa de unhas negras... Vamos fazer um sexo selvagem... Antes que chegue um empata foda. (ele parte para cima da Janete)
Janete – Calma homem!
Peixoto – Mas hoje é domingo, daqui a pouco vai tá chegando gente nesta casa.
Janete – O povo desta casa ainda vai demorar a chegar... O Zezé está no bar do portuga enchendo a cara, a Paty está no 69 fazendo fisioterapia com o Jorge e o Mauricinho está curtindo uma festa Rave em Niterói, portanto, não fique tenso!
Peixoto – Não estou tenso... Só um pouco ansioso.
Janete – Então vou servir um uisquinho para te fazer relaxar. Toda vez que você fica ansioso, goza rápido e eu?!... Acabo na mão... Literalmente falando! Trepada de galo, só com o marido. (Janete se dirige para o bar e começa a preparar o uísque)
Peixoto – O que é isso Nete?!... Até parece que eu sou igual ao broxa do Zezé.
Janete – Zezé não é broxa!... Ele é estressado! O estresse é que atrapalha o desempenho dele na cama.
Peixoto - Ah! Tá bom! Compreendi... Mas fique tranquila, os amigos existem para ajudar. E você sabe... Zezé é meu amigão de infância.
Janete – Cretino! Quer dizer que você transa comigo por solidariedade ao amigo... Sai pra lá (Janete empurra Peixoto pra longe dela).
Peixoto – Eu não quis dizer isso, meu anjo... Transo com você porque te amo... Profundamente!
Janete – (toda dengosa) Vou fingir que acredito para não cortar o clima. Você trouxe as algemas?
Peixoto – Ih! Esqueci na delegacia.
Janete – Deixa pra lá... Eu uso a corda do varal.
Peixoto – Vamos começar as preliminares aqui mesmo.
Janete – Então cale a boca e comece a revista... Eu estou precisando de uma dura, Inspetor Peixoto!
Peixoto – Dura é comigo mesmo. Pro sofá!
(quando os dois começam a se agarrar e se beijarem, entre em cena a Paty)
Paty – (boquiaberta) Ma-mãe!
(Janete dá um pulo do sofá e grita o nome da filha.)
Janete – Paty! Minha filha... (se ajeitando) Já terminou a sua sessão de fisioterapia?
Paty – Já! Eu não estou aqui?
Janete – (meio sem graça) Está minha filhinha... É que você me pegou de surpresa
Paty – Mamãe... Só uma pergunta um pouco indiscreta... O que o Peixoto estava fazendo por cima da senhora, aí no sofá?
Janete – (gaguejando) Não estava fazendo nada.
Paty – Nada?
Peixoto – Eu estava tirando um cisco que caiu no olho da sua mãe.
Janete – (se recompondo) E que cisco custoso de sair!
Paty – (olhando para a virilha do Peixoto) Para tirar um cisco do seu olho, o Peixoto precisava armar a tenda do circo?
Peixoto - (se encolhendo e cobrindo com a almofada a parte íntima). Que isso menina?
Janete – Paty, você respeite o Peixoto! Ele é um velho amigo da família. Conheceu você ainda na minha barriga.
Paty – Ih mamãe! Eu só estava brincando. Eu sei que papai é broxa e senhora ainda dá um bom caldo.
Janete – Minha filha, quem dá bom caldo é galinha velha, Respeite também sua mãe.
Paty – Desculpa!
Janete – E te digo mais... Seu pai não é broxa...
Peixoto - (balançando a cabeça positivamente) Só é estressado...
Paty – E corno!
Janete – Não fale assim minha filha. Eu e seu pai... Estamos vivendo uma crise conjugal. Que é natural... Mas vai passar, eu te prometo!
Paty – Ih mãe! Tô nem aí... Por mim, a senhora pode chifrar o papai todos os dias. Eu quero é te ver feliz.
Janete – (olhando para o Peixoto) Viu Peixoto, como nossa filha é bem madura e compreensível. Uma gracinha, não?
Peixoto – Impressionante!... Quanta maturidade!
Paty – Não quero continuar atrapalhando o barato de vocês dois... Vou pro meu quarto me aprontar. Tenho que atender um executivo daqui uma hora... E ele mora na Barra.
Janete – Você volta pro almoço?
Paty – Não sei mamãe... Vai depender do cliente... A senhora sabe... O cliente quando gosta do meu trabalho profissional... Sempre rola hora extra. Não esquenta a cabeça, eu me viro pela rua. Com licença, já estou atrasada.
(Paty sai de cena)
Peixoto – (começa a agarrar Janete) Aonde paramos mesmo?
Janete – (empurrando Peixoto) Esqueci! Chega pra lá! Perdi o tesão... (apontando para a porta) Daqui a pouco o Zezé vai entrar por aquela porta.
Peixoto – Tudo bem minha deusa... Terça a gente continua...
Janete – Amanhã não?
Peixoto – Infelizmente não. Vou dar plantão na delegacia.
Janete – (desconfiada) Na delegacia?... Ou na casa de alguma vagabunda?
Peixoto – Vai rolar ciúmes? O seu marido é o Zezé.
Janete – Eu sei seu bobo. Só estava brincando. (olhando para uma espectadora da plateia) Onde já se viu... Ter ciúmes de amante?... É o fim!... Não é querida? (se desculpando) Brincadeira!
Peixoto – Nete, meu amor, eu vou indo. Vou almoçar no La Mole com a minha filha.
Janete – Vai com Deus e diga para a Cidinha que estou mandando um beijo.
Peixoto – Eu direi. Tchau, minha Nete!
Janete – Tchauzinho, meu inspetor. Até terça...
Peixoto – Até... (sai de cena mandando beijinho e Janete, em seguida, também sai de cena)
Cena 3
( Zezé entra em cena, bêbado)
Zezé – (cambaleando) Cadê o povo dessa casa? Janete!... Paty!... Mauricinho!... Minha família evaporou... (para a plateia) Infelizmente só no sentido figurado.
Janete – Que gritaria é essa, homem?... Chegou bêbado novamente? Agora virou rotina de domingo... Não bastam os porres do seu filho?
Zezé – Bêbado não! Apenas um pouco alcoolizado! Com a família que eu tenho... Até que me drogo muito pouco.
Janete – Não vamos começar! Vai pra debaixo do chuveiro, toma uma ducha bem gelada, depois conversamos.
Zezé – (falando bem na cara da Janete) A senhora é quem manda minha patroa.
Janete – Que bafo horrível! Agora deu pra tomar cachaça.
Zezé – Resolvi me drogar a baixo custo. O portuga lá do boteco resolveu superfaturar no preço da cerveja. Mas sifu... Agora só atacarei de destilado nacional.
Janete – Pense na sua saúde, homem!
Zezé – Física ou mental?
Janete - Já pro banheiro! Se ficar mais um minuto aqui na sala, eu te encho de porrada.
Zezé – Saiba que bater em bêbado é covardia. Você é tudo... Menos covarde.
Janete – Tudo o quê? Fale!
Zezé – Não sou louco... To bêbado, porém estou lúcido. Preservo a minha integridade física.
Janete – Covardão!
Zezé – Vou pro chuveiro... (e sai de cena)
Janete – (falando sozinho) Eu não mereço! Onde eu pequei nessa vida?
(toca a campainha e Janete levanta do sofá para atender a porta)
Janete – É você meu filhão? Precisava tocar a campainha?
Mauricinho – Perdi a minha chave, lá em Niterói!
Janete – O relógio que a sua irmã te deu, também!
Mauricinho – O relógio não. Fiz rolo!
Janete – Trocou por droga! Acertei?
Mauricinho – Qual é mãe! Troquei por um celular de última geração.
Janete – Então cadê o aparelho?
Mauricinho – Troquei por comprimidos.
Janete – Comprimidos de quê?
Mauricinho – Esquece mãe... A parada não é do seu tempo.
Janete – Acho bom mesmo esquecer... Daqui a pouco vou acabar achando que não fui boa mãe pra você.
Maurício – Você é ótima mãe. Só pega de vez em quando no meu pé. É natural... Eu te compreendo.
Janete – Compreende mesmo? (irônica) Que bom! Tenho um filho compreensivo.
Maurício – É isso aí mãe... Vou pro meu quarto amarrar o bode. (Mauricinho sai de cena e a mãe grita)
Janete – Dorme com os anjos!... (falando olhando para a plateia) A culpa é do pai... Fumava maconha na frente do garoto, quando ele ainda era bebê. Deu no que deu... A droga foi absorvida pelos neurônios do menino. Agora tenho que aturar dois drogados nesta casa.
(toca a campainha novamente e Janete vai atender)
Janete – Quem é você e o que deseja?
July – Eu sou July, amiga de Paty.
Janete – E eu sou Janete, mãe de Paty...
July – Prazer em conhecê–la, mami (vai adentrando pela sala e se joga no sofá.).
Janete – (olhando para a plateia) Garota abusada!
July – Não escutei.
Janete – (olhando para July) Além de espaçosa, você também é surda?
July – A senhora é tão engraçada.
Janete – Senhora tá no céu!
July – Você me desculpe, só quis ser e-du-ca-da!
Janete – Percebi! O que você quer com a minha filha? Ela não está no momento.
July – Eu sei. Falei com ela pelo celular. Paty está atendendo um cliente de grana.
Janete – Você também é do ramo de entretenimento?
July – Posso dizer quem sim... Só que a minha clientela é bem diferenciada. E eu ofereço outros atributos.
Janete – Não vou perguntar... Só pra não ser indiscreta.
July – Nete!
Janete – Minha filha, só quem pode me chamar de Nete é um homem.
July – Seu marido?
Janete - Não!...Sim... Não... (falando engasgando)
July – (para a plateia) Se denunciou... Tem boi na linha.
Janete – Quero dizer: Não é da sua conta.
July – Desculpe-me novamente. Não quis deixá-la embaraçada.
Janete – Você não me deixou embaraçada... E sim, irritada!
July – Noooosa! Quanta grosseria.
Janete – (apontando para a fora do apartamento) Minha filha só vai chegar bem tarde... Pode indo embora.
July – Lamento, mas vou ficar. Sua filha me convidou para morar aqui com ela. Acabei de ser despejada do meu APÊ... Mas não foi por falta de pagamento; E sim porque a vizinhança ficou incomodada com os meus clientes. Como existe gente invejosa nesse mundo! A gente querendo progredir e...
(Zezé entra em cena )
Janete – (olhando para o Zezé e interrompendo a fala da July) Querido, nossa filha convidou essa aí para morar em nossa casa. Tem cabimento?
Zezé – (ao ver July, Zezé fica embasbacado) José Aparício da Silva, ao seu dispor. Seja bem-vindo ao nosso aconchegante lar!
July – Agradecida! O senhor é um santo homem.
Zezé – Eu ainda não fui canonizado! Pode me chamar de Zezé.
July – Zezé, você é tão espirituoso.
Janete – Acho que estou ficando louca... Ou não escutei bem.
Zezé – Escutou bem sim, Janete! A mocinha ficará aqui com a gente. O quarto da Paty é bem amplo. É só colocar a cama do Mauricinho no quarto da nossa filha.
(Mauricinho entra em cena)
Mauricinho – Alguém me chamou?
Janete – Meu filho, seu pai não está regulando bem da cabeça! Ele quer hospedar essa periguete em nossa casa, e ainda por cima, botá-la pra dormir em sua cama.
Mauricinho – Beleza! Vai ser um enorme prazer dormir no colchonete, ao lado dessa gata. (olhando para July) Qual o seu nome, periguete?
July – Eu não sou periguete! O meu nome é July.
Mauricinho – Foi mal, gata! Amiga da Paty... Sabe?!
July – Tudo bem! Já deletei!
Zezé – (com olhar repressivo para cima do filho) Ó rapazinho, nossa casa pode ser uma zona, porém ainda é um tradicional lar tijucano. A July vai dormir no quarto da Paty. E ponto final!
Mauricinho – Sacanagem! O meu quarto também é amplo e tem uma linda vista para o morro do Borel! Pai! Deixa a July decidir.
July – Mauricinho, o seu pai tem suas razões. Prefiro ficar acomodada no quarto da Paty.
Janete – Meu Deus! Estes homens só podem estar enfeitiçados por esta periguete. Não posso aceitar uma estranha vivendo em nossa casa. É um absurdo!
Mauricinho – Qualé mãe! July parece ser gente boa.
Zezé – Concordo com você meu filho... E papo encerrado. (olhando para July) Mocinha, pode ir buscar as suas coisinhas.
July – Minhas malas estão lá na portaria. Vou buscar.
Zezé – Meu filho... Seja cavalheiro. Vá pegar as bagagens da July.
Mauricinho – (todo empolgado) É pra ontem. Fui! (Mauricinho sai de cena)
July – (olhando fixamente para Zezé) Você são uns amores. Tão cavalheiros!
Janete – Mas os dois não são pro seu bico. Entendeu periguete?
July – Entendi Janete... Eu sei me comportar.
Janete – Espero!
Zezé – (desconversando) Minha querida!
Janete – Sim, meu amor!
Zezé - Janete, não é com você que estou falando... (olhando fixamente para July) July, você gostaria de tomar um banho e depois descansar?
July – Adoraria...
Zezé – A Janete vai providenciar uma toalha limpa para você. Não é meu bem?
Janete – (irônica) Seu pedido é uma ordem, meu senhor! A escrava Isaura está aqui para servir. (Janete sai de cena)
July – Zezé... (com um olhar sedutor para Zezé) Você é um amor... E também um coroa muito charmoso. A sua mulher tirou a sorte grande. Ganhou na Mega Sena.
Zezé – (com o ego nas alturas) Você acha?
July – (com a fala mansa) Não... Eu tenho certeza.
Zezé – Falando assim, você me deixa encabulado. Eu sou muito tímido!
July – (quase beijando Zezé) Men-ti-ro-so!
(Mauricinho entra em cena de surpresa)
Mauricinho – (com ciúmes, fala alto) Estou atrapalhando!
(Zezé e July se recompõem)
July – Ai! Que susto. Assim você me mata do coração.
Zezé – Precisava entrar de supetão?
Mauricinho – Eram vocês que estavam distraídos.
July – (sentindo que o clima entre pai e filho ia esquentar, desconversa) Meninos, se comportem! Vou tomar uma ducha e descansar.
Mauricinho e Zezé – Fique à vontade. A casa é sua!
July – Já estou, até mais tarde.
Mauricinho e Zezé – Até! (os dois, quase babando, observam a July saindo de cena)
Mauricinho – Pai, o senhor está dando muita bandeira. A mamãe pode ser burra, mas não é cega.
Zezé – Meu filho, o papai só está sendo gentil com a moça. Entendeu? Eu respeito a sua mãe.
Mauricinho – Tá legal! Vou fingir que acredito. Afinal, eu não tenho que me meter na sua vida.
Zezé – É isso aí. É assim que se fala, meu garoto.
Mauricinho – Agora tenho que sair... Vai rolar uns lances lá na casa da Cidinha.
Zezé – Cuidado, o pai dela é policial. Ele pode te dar uma dura.
Mauricinho – Este perigo eu não corro. Da fruta que a Cidinha gosta, eu chupo até o caroço. (os dois dão risadas).
Zezé – Cuidado com as drogas! Pega leve meu filho.
Mauricinho – Valeu pela dica, velho.
Zezé – Velho é o cacete!
Mauricinho – Também! Fui!
Zezé – (para a plateia) Se não fosse meu sangue, diria que este garoto é um filho da puta.
Cena 4
(Mauricinho entra em cena com Cidinha)
Mauricinho – Fica a vontade Cidinha... Eu te trouxe aqui em casa só para apresentar a gata que vai morar com a gente.
Cidinha – Ela é realmente bonita?
Mauricinho – Bota bonita nisso. Quando ver, você certamente vai querer dar uns pegas( Mauricinho faz gestos obscenos).
Cidinha - Na moral Mauricinho! Eu sou lésbica, e não homem galinha.
Mauricinho – Mandei mal! Desculpa! É que July é um avião, um DC 10.
Cidinha – Você falou July?
Mauricinho – Você conhece?
Cidinha – July, amiga da Paty?
Mauricinho – A própria!
Cidinha – Claro que conheço... E bem! (solta risadas)
Mauricinho – Você já pegou!
Cidinha – Não!(mais risos) Ele não faz o meu tipo.
Mauricinho – Você disse: Ele?
Cidinha – Sim, July é nome de guerra. A sua “gata” se chama Juvenal.
Mauricinho – Ih! Babou... Quando papai descobrir...
Cidinha – O Zezé está dando em cima da July?
Mauricinho – Sim! Perto dela, ele vira um velho babão.
Cidinha – Você tem que dá um toque nele. É seu pai.
Mauricinho – Eu não. Ele que se vire!
Cidinha – É aí que mora o perigo. Ele se virar... E gostar.
Mauricinho – Você tá de sacanagem. Papai é espada. É um homem casado.
Cidinha – Tem espada que corta dos dois lados. Os casados são os que mais procuram travecos.
Mauricinho – É mesmo? Será porque tem homem casado que sonha ser comido por uma mulher?
Cidinha – Você é bobo! Não é nada disso. Muitos homens têm vontade de ser penetrado. Homens procuram travestis para realizar as suas fantasias mais excêntricas.
Mauricinho – Tô fora. No meu fiofó... Entrada never!
Cidinha – Duvido...
Mauricinho – Esse nosso papo está ficando meio atravessado. Vamos parar!
Cidinha – Homem é tudo igual. Por isso que eu adoro mulheres. O universo feminino é muito mais rico e interessante. (perguntando para as mulheres da plateia) Vocês não concordam?
Mauricinho – Eu também concordo!
Cidinha – Machista mentiroso!
Mauricinho – Vamos mudar o rumo da prosa, senão vai rolar baixaria.
Cidinha – Ok!
Mauricinho – Não dá pra você descolar com seu pai uns papelotes? Vai rolar uma festinha no 69 e eu não quero chegar de cara limpa no APÊ do Jorge.
Cidinha – Cara! Meu pai é policial!... E não traficante.
Mauricinho – Mas o Peixoto, às vezes, faz umas paradinhas sinistras para defender um por fora. Ele está sempre trazendo uma presença pro papai.
Cidinha – É tudo produto da dura que ele dá na bandidagem.
Mauricinho – Apropriação indébita não é crime?
Cidinha – De vagabundo e político, não!
Mauricinho – Você tem razão! Corrupção passiva não é crime
Cidinha – Só que agora, com a implantação das UPPs da Tijuca, tá difícil pro papai defender um extra.
Mauricinho – Que merda! A droga vai ficar mais escassa...
Cidinha – E cara!
Mauricinho – (para a plateia) Coitada da presidente! Agora que a inflação vai disparar.
Cidinha – Pra não cair o nosso padrão de vida, papai está até pensando em se transferir para a Zona Oeste e participar de uma milícia.
Mauricinho – É mesmo?
Cidinha – É! Mas este papo morre aqui
Mauricinho – Tá me estranhando, Cidinha! Nunca tive vocação pra X9.
Cidinha – Foi mal! Agora tenho que ir. Minha peguete está me esperando lá na praça.
Mauricinho – O que está esperando? Mete o pé! A gente se encontra mais tarde pra fumar umzinho.
Cidinha – Demorô!(dá um beijo no rosto de Maurício) Tchau! (e sai de cena)
(em seguida entra em cena Zezé )
Zezé – Já chegou, filhão!
Mauricinho – Já cheguei... Mas já estou saindo.
Zezé – Fique um pouco mais... Vamos bater um papo.
Mauricinho – Não vai dá pra trocar uma ideia, pai. Tenho uma parada para resolver.
Zezé – Você só vive nas paradas, meu filho. Sempre metido em confusão.
Mauricinho – Não é culpa minha... Só dou azar.
Zezé – Azar? Você tem é sorte. Se eu não tivesse um amigão como o Peixoto, você já estaria há muito tempo frequentando o Instituto Padre Severino.
Mauricinho – Qualé velho! Não precisa esculachar.
Zezé – Desculpa filhão... Papai extrapolou.
Mauricinho – Em parte, você tem razão. A gente precisa de um pouco de limite.
Zezé – Eu sei disso filho. Eu e sua mãe não soubemos educar você e a sua irmã.(começa a chorar)
Mauricinho – Chora não, pai... O que importa é que somos uma família, desajustada, porém unida. Cada um faz o que pode. (os dois se abraçam) Eu te amo com todos os seus defeitos.
Zezé – Papai também te ama... Apesar de você ser um vagabundo (risos).
Mauricinho – Obrigado pelo elogio! Papai, antes de vazar, eu quero te dar uma dica: Observa melhor a July. As aparências enganam... Lembra do jogador de futebol que acabou entrando numa furada! Tipo assim... Parece mais não é.
Zezé – Não, boiei!
Mauricinho – Então esquece... Vazei! (Mauricinho sai de cena)
Cena 5
(Zezé encontra-se sentado no sofá lendo o seu jornal e Paty entra novamente mancando)
Paty – Boa noite, papai!
Zezé – Boa noite, filhota! Você ainda está mancando? A sessão de fisioterapia não ajudou?
Paty – Ajudou bastante! Não estou mais sentindo dores na coxa. A dor que estou sentindo agora, não é muscular.
Zezé – Se não é muscular... Foi torção! Acertei?
Paty – Não foi torção... (abanando as partes íntimas)Foi ... foi...
Zezé – (interrompendo a fala de Paty) Não precisa falar... Pelos seus gestos, já deduzi.
Paty - Maldito Viagra!
Zezé – Minha filha, você tem que parar de fazer hora extra.
Paty – O senhor tem razão. Vou reduzir o número de horas extras e aumentar o preço do programa.
Zezé – Mas te aconselho: Antes de aumentar o preço do programa, faça uma pesquisa de mercado. Pelo que eu leio nos classificados, a concorrência aumentou muito este ano.
Paty - É mesmo! E ainda tem as patricinhas que dão de graça.
Zezé – Na Tijuca, já tem mais puteiro que botequim e farmácia.
Paty – Está muito bem informado para um homem casado, senhor José Aparício... Frequentando casa de massagem! Quem diria!
Zezé – Você me respeita! Ainda sou o seu pai.
Paty – Eu só estava brincando... Vou pro meu quarto descansar. Por hoje, expediente fechado!
Zezé – Paty! Já ia me esquecendo... Sua amiga já está acomodada no seu quarto.
Paty – Ih! Vacilei... Esqueci de falar com você e a mamãe. A July pode ficar morando aqui até arranjar um novo lugar pra se encostar?
Zezé – Claro! Achei a sua amiga tão simpática. Onde você a conheceu?
Paty – Fazendo ponto nas proximidades do Copacabana Palace.
Zezé – Vocês trabalham juntas?
Paty – Não pai! A clientela dela é outra... Pai! Numa boa... Posso te fazer uma perguntinha indiscreta?
Zezé – Pode?
Paty – O senhor está interessado na July?
Zezé – A July é sua amiga...
Paty – Bobagem pai! Se o senhor estiver afim dela... Cai dentro!
Zezé – E a sua mãe? Como fica nessa história?
Paty – Mamãe não precisa saber. O que os olhos não vê o coração não sente...
Zezé – Filha, eu tenho que te confessar... Eu estou sentindo uma atração pela July. Mas é só atração física! Eu amo mesmo é a sua mãe.
Paty – Eu sei pai. Os homens que se aproximam da July só querem viver uma fantasia diferente.
Zezé – (empolgado) É isso mesmo! Você não é tão burra como eu pensava.
Paty – Obrigada pelo elogio.
Zezé – Acho que a July também está sentindo atração por mim.
Paty – Beleza! Você vai transar de graça... E olha que o cachê dela é alto. O dobro do meu.
Zezé – É mesmo? Então ela deve ser muito boa no que faz. Deve oferecer algo diferente para os clientes.
Paty – Com certeza! Os homens ficam loucos. Alguns até acabam saindo do armário.
Zezé – Boiei de novo!
Paty – Esquece pai... Não é o seu caso. Agora eu vou descansar. Será que ainda tem pomada para assaduras nessa casa?
Zezé – Tem sim filha. No armário do banheiro.
Paty – Boa noite pai!
Zezé – Boa noite filha! Dorme com Deus. (Paty sai de cena)
(Zezé coloca um cd para tocar. Entra em cena a July e pega o Zezé dançando agarrado com uma almofada)
July – Boa noite!
Zezé – (interrompendo a dança e tentando se recompor) Boa noite July!
July – Não pare, querido... Você dança di-vi-na-men-te!
Zezé – Você acha!
July – Eu já fui bailarino... Quer dizer... Bailarina!
Zezé – Então me dê a honra desta dança... (os dois dançam bem juntinhos)
(Entra em cena Janete e Zezé nem percebe a sua presença)
Janete – Que pouca vergonha é essa na minha casa.
Zezé - Não se altere, mulher! Eu posso explicar.
Janete – Então explique... E sem rodeios!
Zezé – A July é bailarina... Só estava me ensinando uns passos de dança.
July – É verdade Janete. Já trabalhei até com o Carlinhos de Jesus. Seu marido tem vocação para dança... Aprende muito rápido.
Janete – (irônica) Tão rápido que já estavam dançando coladinhos...
Zezé – Janete, dá pra parar com a cena de ciúmes?
Janete – Eu, ciúmes de você? Nem morta! Só quero te lembrar que temos dois filhos morando debaixo do nosso teto. E o senhor, José Aparício da Silva, como chefe de uma tradicional família tijucana, tem que dar bons exemplos para seus filhos.
July – Não querendo interromper, mas interrompendo, eu já estou indo trabalhar. Meus clientes não podem esperar.
Janete – Vá logo... Desinfeta!
July – Barraqueira... Fui! (July sai de cena)
Janete – Além de espaçosa, essa piranha é abusada.
Zezé – Engraçado...
Janete – Engraçado o quê? Eu pareço palhaça?
Zezé – (irônico) Não querida... Engraçado é você tratar a July como piranha e a sua filha como “modelo”.
Janete – Minha filha tem classe... E é meu sangue.
Zezé – Nosso sangue! Eu também participei no processo de produção.
Janete – Será?
Zezé – Não me provoque... Então...
Janete – Então o quê. Vai me bater?
Zezé – Não! Homem que bate em mulher é covarde. Eu vou fazer teste de DNA.
Janete – Asqueroso!
Zezé – Você quem começou.
Janete – Sabe... Desisti de brigar com você. Não quero mais cansar a minha beleza. A partir de hoje, o senhor vai dormir aqui no sofá da sala. E ponto final!
Zezé – Até quando?
Janete – Até essa desqualificada cair fora da nossa casa.
Zezé – (olhando para o sofá) Acho que vou trocar este sofá por outro mais anatômico.
Janete – O que você falou?
Zezé – Nada, só pensei alto.
Janete – Além de velho babão... Esclerosado!
Zezé – Esclerosado vai lá... Velho babão é esculacho. Aí é pegar pesado.
Janete – Chega! Agora, vou me deitar... Hoje o dia foi muito agitado. Boa noite!
Zezé – Não tenho direito nem ao pijaminha.
Janete – Esta noite... Não! Durma de cueca... Velho babão! (Janete sai de cena)
Zezé – (para a plateia) Só pode ser TPM pintando na área... (falando bem alto para Janete escutar do quarto) Boa noite querida! Durma com Deus!... (olhando para a plateia) Ele é o único que consegue aguentar mulher na TPM.
(apagam as luzes)
Cena 6
(Mauricinho se encontra esparramado no sofá escutando funk na maior altura quando Zezé entra abruptamente pela porta da sala)
Zezé – Mauricinho, desliga esse som infernal!
Mauricinho – Qualé pai!
Zezé – Qualé é pato saindo da lagoa! Já falei pra desligar...
Mauricinho – Tá bom! (após desligar o aparelho) Já desliguei... Não sabia que o senhor também não gostava de música.
Zezé – Música?... Eu adoro música. (irônico) Essa merda que tava tocando no último volume é música?
Mauricinho – Da melhor qualidade.
Zezé – (olhando para a plateia) Além de estar perdendo a audição, o desgraçado tem mau gosto.
Mauricinho – (quase gritando) Não escutei o que o senhor falou!
Zezé – Bingo! Surdez comprovada.
Mauricinho – Eu não sou surdo! O senhor que é um velho estressado.
Zezé - Velho é pano de chão! Estressado? ... Com certeza!
Mauricinho – Quem mandou ser professor?
Zezé – (olhando para a plateia) Quem me mandou constituir família...
Mauricinho – Eu não pedi pra vir ao mundo.
Zezé – Eu sei infeliz! Você já ouviu falar em trepada mal dada?
Mauricinho – Para por aqui... Se eu começar a ficar bolado, o senhor vai ter que pagar psicólogo pra me tratar.
Zezé - Com salário de professor?
Mauricinho - Só arranjar mais um colégio pra trabalhar.
Zezé – Impossível meu filho... Ainda não criaram o 4º turno.
Mauricinho – No domingo, o senhor não trabalha...
Zezé – Em sala de aula! Você já viu as pilhas de trabalhos e provas que eu vivo corrigindo no domingo?
Mauricinho – Quer uma dica para aliviar o seu sofrimento?
Zezé – Quero!
Mauricinho – Aplique só prova de múltipla escolha. (fazendo o gesto do X) Marcar cruzinha. Sacou?
Zezé – Saquei!(irônico) Valeu pela dica... Agora, vaza dos meus aposentos. Vá procurar uma coisa útil pra fazer.
Mauricinho – Tá bom! Vou dá um pulo na casa da Cidinha. Tenho uma encomenda pra entregar pra ela.
Zezé – É droga?
Mauricinho - Ih Pai! É um Cd maneiro de funk.
Zezé – Droga lícita!
Mauricinho – É um Cd pirata que comprei do camelô lá da praça.
Zezé – (olhando para a plateia) Então é droga ilícita!
Mauricinho – Que saco! Já vi que hoje a comunicação tá difícil.
Zezé – A nossa comunicação é sempre difícil, meu filho. Falamos dialetos diferentes. Sacou?
Mauricinho – O que é dialeto?
Zezé – Consulte o Aurélio.
Mauricinho - Não vai dá pai. Eu não conheço o cara.
Zezé – Esquece meu filho! Você é caso perdido.
Mauricinho – Agora fui eu que boiei... Pai, Eu queria te dar um toque sobre a July... Mas pensando bem... Vou deixar pra outra hora. Agora, vou meter o pé.
Zezé – Acho bom!... Preciso dormir. Hoje dei 12 aulas para aborrecentes sem limite.
Mauricinho – Vou deixá-lo na paz. Fui!
Zezé – (quando Mauricinho vai saindo de cena o pai grita) Juízo! Não vai se meter em confusão. Hoje ainda é segunda feira.
Mauricinho – (da porta) Eu sei... Não sou vacilão. Tchau pai!
Zezé – Tchau filhão! (falando sozinho) Vou tomar meu banho e depois desmaiar no sofá. Amanhã terei mais um dia de cão. (olhando para cima) Deus criou o homem, porém vacilou ao deixá-lo viver até chegar à adolescência. (as luzes se apagam)
Cena 7
(toca a campainha, Janete entra em cena para atender a porta).
Peixoto – (adentrando e agarrando a Janete) Minha amada Nete! Quanta saudade.
Janete – (empurrando o Peixoto) Ih homem! Já entra me agarrando... Parece cachorro no cio.
Peixoto – Uau! Uau!. Perto de você, estou sempre no cio... Minha cachorrona! Você me interfonou... Aqui estou. (olhando pra plateia) Rimou!
Janete – Cachorrona é a mulher que te abandonou para viver com um Delegado da Federal.
Peixoto – Não precisa me esculachar... Só de pensar que ainda tenho que dar pensão para aquela vadia, começa a despontar uma dor de cabeça. (começa coçar a testa fazendo alusão ao chifre que levou da mulher)
Janete – Mas aquela vadia que te chifrou é a mãe da sua filha.
Peixoto – Pobre da Cidinha! Ela não merece a mãe que tem.
Janete – (falando olhando para a plateia) Nem o pai!... Apesar de lésbica, a Cidinha é uma boa menina.
Peixoto – Minha filha não é lésbica!
Janete - É sim! E foi ela que ensinou a minha Paty a lamber tapete e colocar a aranha pra brigar.
Peixoto – Boiei!
Janete – Esquece Peixoto... Eu não quero remexer o seu passado e nem discutir sobre a opção sexual da sua filha. Eu te chamei aqui porque preciso urgente de sua ajuda.
Peixoto – (malicioso) E eu estou aqui pra te ajudar... Hoje vamos fazer amor bem gostoso... Minha amada amante. (volta a agarrar a Janete)
Janete – Calma, homem! (olhando para a virilha do Peixoto) Abaixe o facho! É outro tipo de ajuda que eu quero agora.
Peixoto – (para a plateia) Acho que vou ficar na mão novamente. Literalmente falando. (voltado para Janete) Que merda o Mauricinho aprontou desta vez?
Janete – Mauricinho?...Nenhuma!... O problema é com o Zezé.
Peixoto – Com o Zezé? O que ele aprontou?... Não fala!... Deixe-me adivinhar... Zezé pirou e encheu um aluno de porrada... Bem que meu amigo falou que um dia ia cometer uma loucura em sala de aula. Acertei?
Janete – Você também tá fumando maconha?... Viajou!...Não é nada disso! O Zezé está enfeitiçado pela amiga de Paty. Ele deixou aquela periguete morar aqui em casa... E com a conivência dos nossos filhos.
Peixoto – E o que eu posso fazer?
Janete – Use da sua autoridade e coloque esta vagabunda, que está se achando, pra fora da minha casa.
Peixoto – Janete, quem tá fumando muito baseado é você... Pirou?!... Eu não sou juiz para despejar ninguém. A minha função é dar sacode em vagabundo.
Janete – Mas você não é autoridade?
Peixoto - Teoricamente, sim! Mas na sua casa, autoridade é você e o seu marido. Vocês, de comum acordo, é que têm que colocar a periguete pra rua.
Janete – Se depender do meu marido, quem vai pra rua, serei eu.
Peixoto – Ela é “modelo” como a sua filha?
Janete – Não! Ela é piranha mesmo.
Peixoto – (olhando para a plateia) É só questão de semântica! Mas deixa pra lá... Nete, o que eu posso fazer é verificar se a amiguinha da Paty tem algum antecedente criminal. Aí sim, se ela estiver devendo, eu poderei colocá-la em cana. Você sabe... Muitas putas mexem com drogas. .Elas têm que... (gesto obsceno) Só para sustentar o vício e o cafetão.
Janete – Não é o caso da minha filha!
Peixoto – Evidente! Sua filha não é puta... Paty não é uma “modelo”?...
Janete - Modelo que ainda não decolou. Um dia ainda vou ver minha filha na capa de Caras.
Peixoto – (olhando para a plateia) Mas fácil será vê-la na capa de revista masculina.
Janete – Você acha que a minha Paty tem chance de posar um dia para a Playboy?
Peixoto – Não acho nada. Não me comprometa! Mas voltando... Qual o nome da sua hóspede?
Janete – July!
Peixoto – Nete, acorda! July é o nome de guerra. Quase toda puta tem pseudônimo. Eu preciso saber o nome completo da periguete.
Janete – Não sei! Se ela tiver devendo, você acha que ela vai dizer o seu nome verdadeiro?
Peixoto – Obvio que não! Mas você tem como descobrir o nome dela. É só pegar a identidade quando ela der mole com a bolsa.
Janete – Peixoto, você é brilhante! A piranha saiu pra caminhar e não levou bolsa e nem documentos, portanto...
Peixoto – É só ir até o quarto e pegar a bolsa da periguete.
Janete – Elementar, meu caro inspetor. Aguarde-me! Já volto. (Janete sai de cena e Peixoto fica na sala bisbilhotando as coisas)
(Janete volta do quarto com a bolsa de July na mão)
Janete – Está aqui. Tive que ter muito cuidado para não acordar a Paty.
Peixoto – Abre logo essa bolsa!
Janete – Eu não, o policial aqui é você. Eu não quero ser processada. Tome!
Peixoto - (abre a bolsa e vai tirando as coisas de dentro e falando) Celular... Batom... Camisinha... KY... Xilocaina... Mel... Chupeta... Chupeta?...(olhando para a plateia) Dá pra fantasiar legal... Ah! Achei... Carteira de Identidade.
Janete – Qual o nome da periguete? Fale logo!
Peixoto – A identidade não é dela... Deve ser de um cliente que se chama Juvenal Barbosa... Natural do Rio Grande do Sul.
Janete – (toma a carteira da mão de Peixoto). É mesmo! Mas não é de nenhum cliente.
Peixoto – Não?
Janete - Não! Deve ser do pai ou do irmão dela.
Peixoto – Como você pode afirmar isto com convicção?
Janete - O homem da foto é parecidíssimo com ela. (entrega a carteira novamente para o Peixoto)
Peixoto – (examinando a carteira) É do irmão. Veja a data de nascimento (passa a carteira para Janete)
Janete – É mesmo. E deve ser irmão gêmeo. É a cara da July.
Peixoto – O que ela estaria fazendo com a identidade do irmão na carteira?
Janete – Sei lá... O inspetor de polícia é você.
Peixoto – Vou anotar os dados da identidade para puxar a ficha deste tal de Juvenal Barbosa.
Janete – Você é um amor.
Peixoto – Então agora... Que tal a gente bater uma bolinha? (parte para cima de Janete)
Janete – Aqui não! Não quero ser pega novamente pela Paty. Vamos pro meu quarto. O Zezé só chegará depois das oito da noite. Hoje ele dá aula em Duque de Caxias.
Peixoto – Demorô! (os dois saem de cena, agarradinhos).
( Paty entra em cena)
Paty – Mamãe!... July!... Onde foi parar este povo. (Paty escuta gemidos vindos do quarto dos pais). (falando olhando para a plateia) Têm gente trepando no quarto dos fundos! E não é papai com mamãe e nem Mauricinho com uma peguete. Papai tá ralando no colégio e Mauricinho só chega da balada depois das nove da manhã... Ih!... Só pode ser o Peixoto dando uma dura na mamãe. Coitado do papai... Daqui a pouco ele não vai mais conseguir passar pela porta da sala. A galhada não vai deixar.
(Mauricinho entra em cena)
Mauricinho – Fala mana! Acordada de madrugada?
Paty – Já passa das nove?
Mauricinho – Sei lá!
Paty - O seu relógio parou de funcionar? (Paty olha para o braço de Mauricinho).
Mauricinho – (tentando esconder o braço) Parou!
Paty – Meu irmão, cadê o relógio que te dei de presente na semana passada? Não vai me dizer que o trocou por drogas?
Mauricinho – Claro que não minha irmã. Fiz rolo. Troquei-o por um celular de última geração.
Paty – Menos mal!
Mauricinho – Mana, vou deitar. O efeito do energético já está passando.
Paty – Vai logo!
Mauricinho – (escuta gemidos) Mana, quem está trepando no quarto da mamãe? É a July com algum cliente?
Paty – Sim! Mas deixa de ser curioso e vai dormir.
Mauricinho – Acho que vou até lá dar uma olhadinha pelo buraco da fechadura. Tô curioso. Nunca vi, ao vivo e a cores, uma transa de travesti.
Paty – Não se atreva! Eu te mato... Mas antes eu te capo!
Mauricinho – Tá bom! Vou pro meu quarto deitar...
Paty – Vá logo garoto! Antes que mamãe chegue da rua e te dê aquele esporro básico.
Mauricinho – Não me apresse. Tô indo... O estresse do papai tá contaminando todo mundo desta casa.
Paty – (gritando) Mauricinho!
Mauricinho – Fui! (Mauricinho sai de cena)
Paty – (falando sozinha) O que a gente não faz por uma mãe adúltera!
(Janete escuta o grito de Paty e entra em cena)
Janete – Já acordou minha filha?
Paty – Acordei! Mas a senhora estava tão entretida, que nem percebeu.
Janete – Eu estava ocupada...
Paty – Deu pra escutar.
(entra em cena Peixoto afivelando o cinto)
Peixoto – Bom dia Paty!
Janete - Minha filha, não é nada disso que você está pensando. O Peixoto só está aqui para me prestar um favor.
Paty – Eu sei!... (irônica) E que favor! Peixoto é tão bonzinho...
Peixoto – Eu estou aqui, de fato, para ajudar a sua mãe. Ela quer colocar para fora de casa a tal de July.
Janete – Peixoto! Cale a boca!
Paty – Colocar a July pra fora? Mamãe, a senhora quer jogar a minha melhor amiga na rua?
Janete – Filha, eu posso explicar.
Paty – Não quero ouvir explicações. Se a minha amiga sair, eu também saio. E ponto final! (Paty sai correndo pela porta da sala).
Janete – (fuzilando o Peixoto com o olhar) Viu o que você me arrumou, seu... seu... Linguarudo!
Peixoto – Desculpa Nete! Saiu sem querer. Não fiz por mal. (ajoelhado aos pés de Janete) Me perdoa!
Janete – Levanta, homem! Não seja ridículo... Coloque a bolsa da periguete de volta no quarto, em cima da penteadeira, que eu vou atrás da Paty. (olhando para a plateia) Minha filha quando fica magoada é capaz de dá de graça para qualquer homem que encontrar pela frente. Fui!
(Janete sai de cena e logo em seguida, entra Cidinha pela porta aberta da sala)
Cidinha – (falando sozinha) Porta aberta... Ninguém em casa... Vou deixar o cd do Mauricinho aqui e volto outra hora... (neste momento Peixoto retorna à sala).
Peixoto – Oi minha filha!
Cidinha – Oi pai!... Uma perguntinha: O que o senhor veio fazer na casa do Zezé a esta hora da manhã?
Peixoto – A Janete me chamou. Ela está com um probleminha.
Cidinha – Com o Mauricinho, novamente!
Peixoto – Não, com a Paty.
Cidinha – Com a Paty?
Peixoto – Na verdade, com a amiga da Paty?
Cidinha – O senhor quer dizer: Amigo!
Peixoto – Não filha. Amiga mesmo. Uma tal de July. Você conhece?
Cidinha – Bem! Mas ela é ele.
Peixoto – Menina! Não me confunda a cabeça. O que você quer dizer.
Cidinha – Quero dizer que July não é bem uma mulher. Ela é fake!
Peixoto – Traduza minha filha.
Cidinha – Fazendo uma analogia... July é um Rolex fabricado na China, Captou?
Peixoto – Captei! A periguete é uma falsa mulher! Um travesti!
Cidinha – (balançando a cabeça) Positivo e operante!
Peixoto – A Nete está com ciúmes de um travesti... (Peixoto solta um estrondosa gargalhada). Coitada! Ela foi enganada!
Cidinha – Eu tenho pena é do Zezé. Ele está caidão pela July.
Peixoto – Não sabia que o meu amigão tinha tesão por travesti.
Cidinha – Ele também não sabe que July é Juvenal.
Peixoto – Então a identidade que peguei na bolsa da July não é do irmão.
Cidinha – Pai! Que coisa feia. É crime mexer na bolsa de uma mulher sem a sua autorização.
Peixoto – Mas July não é mulher... É um traveco!
Cidinha – Não importa... O senhor errou!
Peixoto – Não me incrimine! Quem pegou a bolsa foi a Janete.
Cidinha – Mas com a sua conivência...
Peixoto – Tá bom minha filha. O seu papai errou... Vamos pra nossa casa, porque a chapa aqui vai esquentar.
Cidinha – O senhor tem razão. Vamos! Depois eu falo com o Mauricinho. (os dois saem pela porta da sala)
Cena 8
(Janete se encontra sentada no sofá, apreensiva, olhando para o seu relógio)
Janete – (falando sozinho) Por onde será que anda a minha filha? Já passou da hora do almoço. Se alguma coisa acontecer com a minha Paty, eu vou morrer de remorso.
(Paty entra pela porta da sala chorando)
Janete – Minha Filha! Venha conversar com a mamãe. Eu preciso te pedir desculpas.
(Paty senta na poltrona e olha para mãe com expressão de raiva)
Paty – Eu não esperava isso da senhora. Buscar a ajuda do Peixoto para colocar a July na rua.
Janete – Reconheço... filha! Eu errei feio.
Paty – Eu liguei pro papai e contei tudo.
Janete - Você pirou, minha filha? Seu pai não vai me perdoar jamais. E também o Peixoto... O seu melhor amigo.
Paty – Que se dane o Peixoto! Papai não precisa de um amigo que vive dando prazer para a mulher dele.
Janete – Minha filha, não fale assim com a sua mãe. (Janete começa a chorar)
Paty – (amolecendo) Mãe, eu não tenho nada contra o seu relacionamento com o Peixoto. Eu sei que o seu casamento com o papai é uma farsa... Neste lar, todos nós vivemos só de aparência.
Janete – Não é verdade filha!
Paty – É sim mãe!... July é a única pessoa sincera e verdadeira que pisou nesta casa.
Janete – Minha filha, eu não vivo bem com o seu pai, mas bem lá no fundo eu ainda gosto dele. Não quero perdê-lo. Eu fiz tudo por ciúmes.
Paty – Ciúmes de um transexual?
Janete – (impactada) Repete minha filha! Acho que não ouvi direito.
Paty – Ouviu sim! Não me diga que a senhora pensou que July fosse mulher?
Janete - Não só eu... Seu pai também!
Paty – Zezé?... Um homem vivido! Não acredito!
Janete – Pode acreditar minha filha... Se pai caiu de quatro pela July.
Paty – Quem poderia imaginar... Papai vivia fazendo gozação de um jogador de futebol que levou travestis para um motel.
Janete – Filha! A July é uma imitação perfeita de mulher. Parece até que foi fabricada na China.
Paty – Agora babou!
Janete – Seu pai está mesmo apaixonado pela July?
Paty – Sei não. A senhora que está falando.
Janete – Que situação hilária. Eu quero ver a cara do seu pai quando descobrir que July é Juvenal. (Janete solta uma gargalhada)
Paty – A senhora é cruel. Eu tenho medo da reação do papai. Ele pode cometer uma loucura, quando estiver com July e, na hora H, descobrir que ela é bem dotada... (fazendo gesto obsceno) A senhora sabe...
Janete – July não é operada?
Paty – Não! Se ela fizer operação para mudança de sexo, perde os clientes.
Janete – Por quê?
Paty – Se liga mamãe! A maioria dos homens que procuram travestis não é para... (faz gesto obsceno) E sim para (faz gesto obsceno novamente)... Sacou?
Janete – (embasbacada) Saquei minha filha! Você se expressa muito bem através de gestos.
Paty – Obrigada!
Janete – Vou ligar pro seu pai. Agora!
Paty – Não vai não! Vamos esperar ele voltar do trabalho. A amiga é minha... Portanto, sou eu que tenho que desfazer o mal entendido.
Janete – Acho que o seu pai vai botar a July na rua.
Paty – Será mãe?
Janete – Seu pai, além de estressado, é machão. E orgulho de macho ferido...
Paty – Seja o que Deus quiser!
Janete – Vamos sair pra almoçar? Eu estou morrendo de fome.
Paty – Eu também... Pode deixar que eu pago o almoço. Aproveitei, enquanto estava na rua, fiz um programinha básico de duzentos reais, tipo fast food.
Janete – Graças a Deus! Desta vez você não deixou de cobrar o seu cachê.
Paty – É ruim não cobrar! Na crise atual, quem rala de graça é burro. Sexo sem amor e paixão... Só com grana na mão!
Janete – Essa é a minha menina! Vamos! Durante o almoço, a gente discute como abordar o Zezé.
Paty – Tá bom! Vamos mamãe! (as duas saem de cena)
Cena 9
(Zezé entre em cena gritando o nome da mulher)
Zezé – Janete! Aparece mulher! Precisamos conversar...
(Mauricinho entra em cena ainda com cara de sono)
Mauricinho – Qualé velho! Gritando deste jeito, o senhor vai acordar toda a população da Tijuca.
Zezé – Que se danem os tijucanos! Onde está sua mãe?
Mauricinho – Sei lá pai... Acabei de acordar com seus gritos. Ela deve ter saído pra almoçar.
Zezé - Hoje a sua mãe me paga. Ela passou dos limites.
Mauricinho – Calma, pai! O senhor está muito nervoso. Vou até a cozinha pegar um lexotan.
Zezé – Esquece o lexotan... Já estou me acalmando.
Mauricinho – O senhor não deveria estar dando aula?
Zezé – Deveria! Pela primeira vez você usou o verbo no tempo certo.
Mauricinho – Ih! A parada com a mamãe é séria. Vai rolar separação?
Zezé – Deixa de falar besteira garoto. Você anda fumando muita maconha. A nossa família pode ser desajustada, mais ainda é uma tradicional família tijucana. Você nunca ouviu a frase: Até que a morte os separem!
Mauricinho – O senhor pretende matar a mamãe?!
Zezé – Não! O meu instinto assassino ainda não desabrochou.
Mauricinho – Ufa! Ainda bem.
Zezé – Agora que estou mais calmo... Faça-me um favor, Mauricinho.
Mauricinho – Sim, pai!
Zezé – Vá até o apartamento do Peixoto e peça aquele canalha para vir até aqui.
Mauricinho – Eu ouvi direito? O senhor chamou o seu melhor amigo de canalha?
Zezé – Amigo da onça... A sua mãe, com apoio daquele bandido, planeja jogar a Paty na rua.
Mauricinho – Porra! O seu amigo de infância é um tremendo traíra!
Zezé – Ex-amigo! Agora vai... Mas fique por lá batendo papo com a Cidinha. Eu quero ficar sozinho, cara a cara, com aquele safado.
Mauricinho – Ok, velho! Mas cuidado... Não dá para confiar em policial. Ainda mais policial corrupto.
Zezé – O Peixoto é um policial cagão. Só se garante com uma arma na mão.
Mauricinho – Então vou pedir para ele subir desarmado.
Zezé – Valeu filho!
Mauricinho – Fui! (sai de cena)
( Zezé se dirige até o bar e coloca uma dose de uísque nacional no copo e manda pra dentro em uma única golada)
Zezé – (para a plateia) Só estou bebendo para criar coragem e arrebentar a cara daquele inspetor de merda.
(toca a campainha e Zezé corre para abri-la)
Peixoto – Amigão! Quanto tempo!
Zezé – Uma eternidade!
Peixoto – Você está bem?
Zezé – Estou ótimo! Puto... Mas ótimo.
Peixoto – Não parece... Você não deveria estar dando aula? Hoje não é terça?
Zezé – Sim! Mas resolvi dispensar os alunos e voltar mais cedo para ter uma conversa não tão amigável com um cretino.
Peixoto – Você está estranho... Se abre comigo, eu sou o seu melhor amigo.
Zezé – Amigo? Não me faça rir.
Peixoto – Zezé. O que está acontecendo?
Zezé – Sacanagem da grossa!...Inspetor Cláudio Peixoto... Você e Janete...
Peixoto – Eu e a sua mulher?
Zezé – Não se faça de sonso. A Paty já me bateu tudo pelo celular. Seu canalha!
Peixoto – Calma, amigão! A culpa não é minha. A sua mulher que se ofereceu pro meu lado. Você sabe... A Nete ainda é um mulherão... Carente, porque você não dá mais no couro...
Zezé – (ainda sem não entender direito) Janete carente? Não dou no couro? O que você quer dizer?
Peixoto – Não me entenda mal... Eu não tô te chamando de broxa. Eu sei que é o estresse... Eu só transo com a Nete para ela não sair por aí dando pra um desconhecido qualquer.
Zezé – Deixe-me entender... Você está comendo a minha mulher por solidariedade ao amigo.
Peixoto – Você não é burro!
Zezé – Só sou corno! Peixoto! Só para matar a minha curiosidade... Desde quando você pega a minha mulher?
Peixoto – Desde quando a minha mulher me traiu e foi morar com o aquele filho da puta.
Zezé – A sua mulher te traiu com o delegado da Federal há mais de 18 anos. O Mauricinho nem tinha nascido... Vou fazer um exame de DNA no garoto.
Peixoto – Não tem necessidade. Sempre transei com a Nete de camisinha. Você acha que ia dar mole? Já pago pensão...
Zezé – Impressionante! 18 anos me botando chifre com a maior naturalidade. E eu, babaca, não desconfiando de nada.
Peixoto – Ih! É mesmo... O tempo passa rápido.
Zezé – (olhando para a plateia) Acabei de descobrir que sou um corno veterano.
Peixoto – É, amigo... Mas sou solidário com você. (se aproxima de Zezé para abraçá-lo)
Zezé - (interrompendo a fala de Peixoto) Se afaste de mim! Eu te mato! Não sou mais seu amigo... Agora virei seu inimigo!
(toca a campainha)
Peixoto – (para a plateia) Salvo pelo gongo!
Zezé – Repete o que você falou!
Peixoto – Que dia longo... (desconversando) A campainha tocou... Você não vai atender?
(Zezé para a discussão para abrir a porta)
July – Quanta demora pra abrir uma porta.
Zezé – Desculpe-me, querida. Eu estava distraído.
July – (olhando para o Peixoto) Você não vai me apresentar...
Peixoto – Zezé é muito distraído... (embasbacado) Liga não! Meu nome é Cláudio Peixoto. Muito prazer!
July – O prazer é meu... O meu nome é July. Eu sou a amiga da Paty.
Peixoto – E eu amigo de infância do Zezé. Nascemos e fomos criados aqui na Tijuca.
Zezé – Na verdade, o inspetor Cláudio Peixoto é um ex-amigo e amante da minha esposa.
July – Detesto policial canalha! Principalmente aquele que vive chifrando o amigo em sua própria casa.
Peixoto – Quem te contou que eu transo com a Nete dentro da casa do Zezé?
July – Ninguém, seu otário! Joguei verde e colhi maduro.
Zezé – Eu deveria matar a Janete e este desgraçado... Mas não vale a pena... Chifre se paga com chifre!
July – É isso aí, querido! Pra que sujar as mãos de sangue...
Zezé – July, quanto você quer pra transar comigo agora.
July – Eu só cobro de clientes. Pra você o programa é 0800.
Peixoto – Mas Zezé...
Zezé – Calado!
Peixoto – Só queria dizer que...
Zezé – Peixoto, se abrir a sua boca novamente, quebro todos os seus dentes.
Peixoto – Calei!
Zezé – Querida, vamos pro meu quarto... Não! Vamos para o quarto da Paty. Ainda me resta um pouco de caráter e decência. Afinal, eu sou tijucano de nascença.
(Zezé arrasta July para o quarto e deixa Peixoto falando sozinho na sala)
Peixoto – (olhando para cima) O Senhor está de prova... Eu tentei alertar... Vou cair fora antes que o caldo entorne de vez.
(Janete e Paty entram em cena antes que Peixoto vá embora)
Janete – Peixoto, o que você está fazendo aqui?
Peixoto – Seu marido que me chamou.
Janete – Zezé? O que ele está fazendo em casa às quatro da tarde?
Peixoto – O que ele está fazendo, eu não sei. Ele arrastou a July para o quarto da Paty com intenção de... (gesto obsceno).
Janete – Eu não acredito!... (Janete desmaia)
Paty – Mamãe! Peixoto me ajuda.
Peixoto – Vou até à cozinha pegar um copo de água fria.
(enquanto Peixoto vai até a cozinha, Paty fica tentando reanimar a mãe)
Paty – Acorda mãezinha! Agora não é hora para a senhora ficar desmaiada.
(Peixoto volta da cozinha e joga água na cara da Janete)
Janete – Ai meu Deus! Tô me afogando.
Paty – Tá não, mãe... A senhora só desmaiou.
Janete - (grita) Zezé!
Peixoto – Calma Nete! (olhando para Paty) Você é a culpada... Fofoqueira!
Paty – Fofoqueira não! Só alertei papai da sacanagem que você e mamãe iam fazer com a July.
Peixoto – (com cara de panaca) Você não falou para o Zezé que eu ando pegando a sua mãe?
Paty – Não! Eu sou burra, mas não sou louca.
Peixoto – Ih! Falei demais.
Paty – Peixe otário...
Janete – (completando a frase) Morre pela boca.
Peixoto – Eu pensei...
Paty e Janete – Cala boca!
(Mauricinho com Cidinha entra em cena)
Cidinha – Papai, você está bem?
Peixoto – Por enquanto...
Janete – Meu filho! Está para acontecer uma tragédia na nossa família.
Mauricinho – Já sei! Papai vai matar o Peixoto.
Paty – Pior! O Peixoto, a mamãe e... ainda vai sobrar para inocente da July.
Janete – Mauricinho você precisa agir rápido. Seu pai está com a July no quarto da Paty.
Mauricinho – Fazendo o quê?
Paty – Eu sou burra... Mas meu irmão, você conseguiu me superar.
Mauricinho – Não entendi?
Janete – Vou ser explicita meu filho... Seu pai levou a July para o quarto da Paty para... (faz gesto obsceno)
Mauricinho – Entendi! Só não sei por que o povo dessa casa pegou a mania de fazer gestos ao invés de falar.
Cidinha – Dificuldade em verbalizar!
Janete – Meu filho, eu acabo de te escalar para ir até lá no quarto da sua irmã e buscar o seu pai... Antes que ele se depare com os atributos de July. Você sabe... (gesto obsceno)
Paty – Não, mãe! Quem vai lá sou eu. O quarto é meu e July é minha amiga.
(Paty quando está se dirigindo pro quarto, escuta um grito do Zezé e retorna)
Paty – Tarde demais... Papai acabou de descobrir os atributos. (gesto obsceno).
(July começa a soltar uns gemidos)
Cidinha – Alguém faça alguma coisa! Zezé está matando a July.
Janete – Peixoto, o policial aqui é você.
Peixoto – Mas se eu for até lá, ele também vai me matar.
Janete – Frouxo!
Mauricinho – Mamãe, deixa comigo. Eu vou salvar a July. (sai em direção ao quarto)
Janete – (orgulhosa) Este é o meu garoto!
(Mauricinho retorna)
Todos – E aí!
Mauricinho – Não pude fazer nada... (suspense) A porta está trancada.
(silêncio no quarto)
Paty – Pelo menos a July parou de gemer.
Mauricinho – Já deve estar morta.
Cidinha – Agora o Zezé vai esquartejar o corpo e colocar os pedaços dentro da mala da própria July para ser desovado no lixão de Gramacho.
Peixoto – Minha filha, você anda assistindo muito filme de terror açougue.
(Zezé começa a gemer)
Paty – Estranho! Agora é papai que está gemendo.
Janete – Tá sim. Eu conheço estes gemidos... Mauricinho! Volte lá e espie pela fechadura.
Mauricinho – Deixa comigo... (olhando para a plateia com um olho fechado) Buraco de fechadura é a minha especialidade... (e sai novamente em direção ao quarto)
Cidinha – Zezé deve estar gemendo de arrependimento...
Paty – Cidinha, estes gemidos não são de arrependimento.
Cidinha – Como você sabe?
Peixoto – Paty é descolada, filha. Tem muita experiência (faz gesto obsceno olhando para a plateia)
Janete - Respeite pelo menos a minha filha!
Paty – Ih mãe! Peixoto tem razão... Já sou cascudona.
Janete – Esta juventude de hoje... A culpa é da internet.
(Mauricinho retorna)
Todos – (novamente) E aí!
Mauricinho – Não deu pra ver nada. Têm um pano vermelho pendurado na maçaneta.
Paty – É a minha calcinha... Os homens adoram o vermelho.
Mauricinho – (repara o silêncio no quarto) Papai parou de gemer.
Cidinha – O homem infartou!
Paty – Papai não é cardíaco...
Mauricinho – Só é estressado!
Janete – Tem razão filho... O que será que houve?
(Zezé retorna do quarto de mãos dadas com July)
Zezé – Não ouve nada...
Todos – Nada?
Zezé – (continuando) Que interesse a vocês... Eu quero comunicar que a partir de hoje a July é membro efetivo da família Silva.
(todos parabenizam July, abraçando-a efusivamente)
Paty – Legal! A partir de hoje, ganhei uma nova irmã.
Mauricinho – Eu também!
Janete - Seja bem vinda ao seu novo lar... Minha filha!
Zezé – (olhando para a plateia) O importante na nossa sociedade é manter as aparências. Afinal...
Todos – Somos uma FAMÍLIA!... FAMÍLIA?
FIM
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