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A má amada
Rogério Rodrigues da Silva

Resumo:
o desabafo do narrador diante a cruel rotina de sempre se deparar com Dona Flora. Uma mulher que só reclama da vida e calunia o patrão. Cansado das lamúrias, Edu decide desviar o seu trajeto de D. Flora, o que ele menos espera é que não será tão fácil tirá-la do seu caminho. Será um preço muito alto. Comédia, classificação livre. Conto que serviu de adaptação à peça teatral, cuja leva o mesmo nome da obra.

Não há outra resposta. D. Flora realmente era uma mulher muita rancorosa. A ela nada estava bom, em tudo arrumava defeito. Exceto o patrão. Naquele, não é que não encontrava defeito; para ser sincero era ele o erro em pessoa. Ainda mais por ter parado na vida dela. O pior de tudo, seus rancores já estavam se infiltrando na minha vida. Também com ela buzinando nos meus ouvidos o ano todo, sua voz parecia ter dominado a minha mente. Era impossível ficarmos um dia sem nos ver. Não que eu não gostasse de sua companhia, mas o destino era tão cruel, pois o dia em que eu ousava a me esconder dela, o destino nos surpreendia e isso, quando na maioria das vezes, eu não sonhava com ela. Cruz credo! Mas era verdade!
Era assim a minha vida desde que a conheci. Meus amigos eram a fonte do descarrego todas às vezes que eu precisava fazer algum desabafo das maluquices de D. Flora! Desabafo que muitas vezes eu percebia o quanto eles jamais desejariam um dia conhecê-la. Afinal, o que para mim era um sufoco, em saber que no dia seguinte iríamos nos encontrar, para os meus amigos, era um desespero, uma grande sacanagem do destino, de um dia junto a mim, encontrá-la e dali adiante terem eles a consciência desse meu tormento.
D. Flora era uma mulher insuportável, o dia em que ela não abria a boca para falar mal do patrão, era capaz de no dia seguinte amanhecer doente.
Eu, com minha pouca sabedoria que Deus havia me dado, procurava o máximo que podia correr dela. Tinha vezes que eu pegava, ou melhor, procurava pegar a condução atrasado ou mais cedo, só para não a encontrar. Mas o destino persistia em ser cruel comigo, pois sempre nas minhas tentativas, D. Flora estava presente nas mesmas conduções.
Tinha dias em que eu procurava apelar para o destino, escondido atrás de uma árvore aguardava até que meus olhos presenciavam ela tomando a condução, deixando o ponto de ônibus, no qual, em poucos instantes teria eu que utilizá-lo para ir ao trabalho. E olha que eu conseguia! Porém, já no meio do trajeto, o destino que acostumava ser cruel comigo, mais uma vez impiedosamente me apunhalava pelas costas. A condução que eu estava viria a socorrer os passageiros da linha anterior, que teria passado minutos antes da minha condução.Aquilo era fatal. Aquilo detonava o meu dia. E para se agravar, havia dias que pegávamos a mesma condução com uma moça de bela aparência, mas muito atrevida. Diante dos olhares de D. Flora, ela era uma santa; mas, por detrás, vivia imitando-a para mim.Com receio de alvoroçar a fúria de D. Flora, eu nunca a dedurei, apesar de sempre a minha intenção era de causar o que se passava por minha mente, junto à D. Flora a enchê-la de bofetadas.
Diante de tudo aquilo que há anos acontecia comigo, e eu nas minhas fragilidades, sempre desabafando aos meus amigos, conselhos era o que não me faltavam, volta e meia, ouvia que eu precisaria ser franco com D. Flora. Tudo bem!Força e vontade era o que não faltava, mas diante das apreensões que ela sempre me causava, nunca tive coragem de realizar aquele velho desejo. Pois, sempre que pintava o velho desejo, em leoa ela se transformava, por mais que eu nunca a barrei em seus desabafos.
O tempo ia passando. Foram seis anos dentro daquela rotina que aparentavam mais a um massacre de Hitler. Porém, o dia em que resolvi enfrentar esse pepino de cabeça erguida, algo nos surpreendeu...Era uma manhã fria. Eu e D. Flora como de costume havíamos pegado a mesma condução. Com as palavras já ensaiadas na ponta língua para soltar a ela, D. Flora me dá um toque:
— Fique esperto! Aquele pilantra está mal intencionado. – sussurrava ela, enquanto andávamos pela mesma calçada a poucos metros de distância do tal suspeito.
Eu, sem querer engolir as palavras às quais já havia passado à noite anterior se preparando para falar-lhe, num resmungo só respondi um “Anran”.Mas ela com um olhar de leoa sobre o indivíduo, ao resmungo prosseguia:
— Se ele ousar em relar a mão na minha bolsa, eu acabo com a raça dele.
No entanto, nos passos continuávamos, algo que o indivíduo também. Nossos encontros aconteceram.... Ao desespero fiquei, pois, diante do que eu ali presenciava, as palavras que eu havia passado à noite preparando-me para falar, sumiram, sem o desejo realizar.Mas, os berros que por ali se escutavam eram fatais, até as redondezas paravam e se aglomeravam para ver:
— Ai! Ai! – gemia o mau elemento de tanta dor.
— Tome safado! – enfurecia-se D. Flora, atacando-o com várias bolsadas, logo que o havia lançado ao chão, através de uma rasteira com as pernas. — Não vim ao mundo para apanhar de marmanjo!
Era o que ela contestava sempre que o mau elemento, mesmo caído no chão, procurava se defender, segurando as mãos dela. A ela, poderia parecer que ele estava lutando, mas para quem avistava de fora, dava para perceber que não era nada daquilo. Ele, na realidade, procurava apenas escapar de suas garras. Garras parecidas com as de uma leoa.Alvoroço somente interferido com a chegada do camburão da polícia.
D. Flora mesmo longe de ser a vítima daquela circunstância, procurou-se defender como pôde, já que pelo levantamento da polícia, sua vítima tinha passagem criminal.
Por fim, D. Flora e o “mau elemento” foram levados à delegacia. Já eu, por estar a sua companhia, também não me faltou convite para acompanhá-los. Convite não, lugar no camburão, pois, ninguém me ofereceu um passeio na viatura. Com empurrões, junto ao “mau elemento” fui conduzido à delegacia. Uma turnê que durou quase duas horas na delegacia. Meu tempo de permanência por ali acabou. O de D. Flora com o “mau elemento” também. Porém, como já havia avisado ao meu serviço que chegaria atrasado naquele dia, saí aliviado dali, sem denegrir a minha imagem.
Entretanto, cansado das neuroses de D. Flora, decidi a partir daquele dia não pegar mais condução. Comprei uma bicicleta com bons meses sem a ver.
Diante de toda aquela situação em que já havia passado, meses sema vê-la, era a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida, até que...Já com D. Flora longe dos meus problemas, por quase seis meses, caminhava eu sossegado pela ciclovia com destino ao trabalho, quando de repente, uma brusca freada eu ouço próximo a minha bike. Assustado, me desequilibrei, caindo no chão, melhor, esticando-me no chão. Naquela hora, pensei que tivesse me chocado bruscamente com o tal veículo; já estando mal de saúde,sem esforço, procurei não me levantar até que conseguisse sentir o meu corpo saudável. Realmente eram dores, possivelmente impacto da queda ao chão. Devagarzinho dei uma leve manhosa levantada com a cabeça, cena que chamou a atenção da pessoa que estava mais próxima de mim:
— Calma aí! Eu ti conheço. – alegava a voz, a mesma que aparentava se aproximar de mim. E estava mesmo, aliás, mesmo com minha visão ruim, pude enxergar seja lá quem fosse, num coquinho aproximar-se do meu rosto. — Você é...
— Cruz credo! – horrorizava-me aos pensamentos, reconhecendo aquela voz. — A senhora está enganada.
— Não estou não. – insistia ela, me levantando, logo procurando socorrer a minha bicicleta.
Leoa, como eu a conhecia, procurei não a contrariar. Dei de inocente,insinuando alguns gemidos e procurando me levantar, chegando até a bicicleta.
— Você não está bem. – concluía ela, recusando a me passar a bicicleta.
— Estou sim.
— Não está não. Quer ver? - afrontava ela, dando uma cutucada de leve em um dos meus braços. — Nem parece que caiu da bike. Parece mais que foi jogado do décimo nono andar.
— É que estou um pouco assustado.
— Sei. Vem cá! – ordenava ela, me puxando cuidadosamente até o veículo. — Entra aqui. Eu te levo ao serviço.
Sem força alguma, eu a obedeci. Enquanto ela assim que me colocava no carro, fechava a porta traseira com uma agilidade colocando minha bicicleta no porta-malas. E alguns segundos, colocando o carro em movimento. Com o carro em movimentos, D. Flora não se inibia, pegava a falar. Primeiro me apresentou a moça que estava em nossa companhia, logo me surpreendi, pois, a moça era a tal folgada que vivia imitando D. Flora, no ônibus, para mim. Moça desinibida, por ali, fez de conta que não me conhecia, era como se acabássemos de nos conhecer.
— Olha isso! – interferia D. Flora em nossos momentos, exibindo a mão esquerda e num dos dedos o anel de compromisso.
Experiente dos últimos meses que a conheci, não disse mais nada do que um simples “Anram”.
— Vou me casar! – deslumbrava-se D. Flora, enquanto a outra soltava um sorriso sombrio.
— Mas eu nem sabia que a senhora estava namorando! – apelava eu, enquanto a irônica, ria novamente.
— E quem disse que você precisava saber? Filho, eu não nasci para viver sozinha.
— Desculpe!
— Não precisa se desculpar. Apenas adivinhe com quem vou me casar...
Sentindo-me numa saia justa, apelei para um sorriso forçado, alegando:
— Desculpe! Não faço a menor ideia.
Saturada da minha falta de imaginação, mas empolgada para soltar de vez o babado, logo dizia:
— Sabe aquele manezão do meu ex-patrão? Pois nós vamos nos casar. Inclusive estava a sua procura para que em companhia "dessa aí", serem os padrinhos do meu casório.
— Eu?! – estremeci, surpreendido com o convite.
— Por que não? Conhece bem a minha história.
— Também acho. – intrometia a moça, maliciosamente piscando um dos olhos.
Na verdade eu não queria, pois, não sabia que mudanças havia tido D. Flora nos últimos meses. Fora,que o meu santo não batia com o da moça!
Meses se passaram, era um sábado ensolarado. O salão onde aguardávamos os noivos, estava lindo. E bota lindo naquilo!
Bem, mais linda estava a fingida, quer dizer, a Mônica, era esse o nome dela. Sua presença no casamento estava deslumbrante. Vários suspiros conseguiu arrancar de mim, incrementado com o batuque do coração. Não sei bem, se era amor; poderia ser paixão. A única coisa que sei é que eu já estava passando dos meus limites de tanta deslumbração que Mônica trazia aos meus olhos. Não sei se Mônica havia percebido, mas justo naquele dia, ela havia me tratado diferente, nem uma ironia da parte dela sobre D. Flora eu ganhei. D. Flora? Ela nem parecia ter existido por àquelas horas.Conversamos bastante. Nossa! Que Mônica interessante eu pude conhecer! Não sei não, mas ela aparentava sentir algo a mais por mim! Era o que eu enxergava nos olhos dela.Nossa conversa estava tão boa, que eu me entreguei de vez. Lógico, cometendo um vacilo. Esquecendo de convidá-la para se sentar. Algo que partiu dela. Eu? Eu procurei atender na mesma hora. Mas por incrível que pareça, a noiva apareceu, digo, D. Flora apareceu. Ela na entrada do salão. Já o ex-patrão, digo, o noivo, próximo ao altar; onde o destino lhes uniria para sempre.Nossa! Pela maneira que o noivo a recebia, D. Flora parecia nunca ter falado a verdade sobre ele. Ele era completamente diferente de suas calúnias. Bem, deveria ser pelo amor ainda não correspondido.
A cerimônia prosseguiu. Os pombinhos se casaram. A hora do buquê também chegou, arrastando a maior parte das mulheres que por ali estavam para a disputa de quem o pegaria. Lógico, Mônica foi junto.
O lance do buquê foi em contagem regressiva até três. Mônica foi a que pegou. Diante dos que já haviam presenciado aquela cena, Mônica foi correndo mostrar para mim. Dei de surpreendido, afinal, fora o momento a dois dos noivos, o lance do buquê é a próxima atração do casamento que ninguém fica de fora. É o que vira assunto no casamento. Depois daquele dia, “D. Flora” nunca mais a vi. Parece que junto ao outro, vivem lá em outro canto da cidade. Já a Mônica, estamos aqui juntinhos, para esta história contar...


Biografia:
Professor da rede pública de ensino de São José dos Campos/SP. Primeiro livro publicado em 2010. Atualmente está no seu décimo primeiro livro. Onde lançará o segundo agora em novembro de 2019. Romancista, poeta, cronista, roteirista e professor.
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Contos A má amada Rogério Rodrigues da Silva
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Publicações de número 1 até 4 de um total de 4.


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