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Ali estava ele, um senhor, um trabalhador cujo dias de luta para sobreviver talvez não tenham sidos reconhecidos. Estava ali, diante de um dilema de todos os dias, sob um sol forte cuja sombra lhe chamava do outro lado, mas estava paralisado, boquiaberto diante do seu obstáculo: uma escadaria.
Ouvira em outros tempos sobre acessibilidade, sobre os direitos de ir e vir de qualquer cidadão, das leis e promessas dos políticos que talvez não se aplicasse a sua categoria ou simplesmente se esqueceram desse detalhe enorme.
Sabia também das tecnologias, dos artefatos inventados para ajudar na locomoção dos necessitados, dos aplausos do público diante das noticias de direitos iguais, do respeito prometido nas construções das obras e estradas.
Lembrou-se de quando era jovem, da viagem de avião, das escadas rolantes, da correria do povo, do corredor apertado do avião, das poltronas coladas. As aeromoças lindas e sorridentes dando-lhes boa vinda. Olhou para suas pernas, um par de rodas em uma cadeira e colocou-se no passado. O cartaz dizia bem vindo a todos, mas talvez não fosse ele parte de todos, pois como subiria a escada rolante? Não havia acesso como rampas ou elevadores. Humilhar seus direitos no colo de um estranho que o colocaria nos braços?
Indignado levantaria sua voz, quase inaudível, sem que alguém o escutasse, pobre senhor. O velho está delirando, diriam. Dali iria a um bar, com o sonho de voar entalhado na garganta, rouca agora pelo protesto anterior. As calçadas cresceram aos seus olhos como precipícios, com um mar de automóveis vorazes lá embaixo. Desistiu. Não atravessaria mais, apenas iria à padaria do mesmo lado, cuja porta estreita e barras para ajudar no acesso o impediam de entrar. Fora levado aos fundos para passar, mas esquecido no balcão alto que ele não alcançava. Voltou faminto e cheio com o descaso.
De volta ao seu tempo um cartaz chamava o público para um jogo do time do seu coração, no estádio municipal, mas lembrou-se dos tempos de jogador, que mesmo jovem era difícil ir às arquibancadas. Fingiu não se importar com isso.
Já não queria mais a sombra, com o corpo todo molhado de suor virou-se para ir embora, pegaria o ônibus para chegar mais rápido em casa. No ponto aguardou pacientemente próximos a jovens falantes, a senhores mal humorados, donas de casa apressadas e crianças que choravam. Ao lado uma gravida, de pé, cuja barriga parecia querer estourar, olhando para os jovens sentados com desprezo. O ônibus chegou e a correria para entrar aconteceu, ficando a gravida e ele para trás. Entrou ela com dificuldade e novamente ficou de pé por causa dos jovens e senhores. Ele ficou ali olhando para o motorista que mexeu os ombros como se não pudesse fazer nada para que o senhor entrasse escada acima. Fechou as portas e foi embora o deixando ali no vazio. Olhou para os prédios e para as pessoas, fixou-se em suas mãos castigadas pelo tempo e as colocou nos olhos enxugando as lágrimas.
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