A segunda-feira começara fria e chuvosa, trazendo uma continuidade do que fora o final de semana. Entretanto isso não passava de uma figura que a alma daquela jovem desenha em seu caminho. A porta da loja onde trabalhava iria se abrir e o seu mundo seria trocado, ele vestiria o sorriso da necessidade.
Ao seu lado uma companheira, pobre, esquecida das favelas, de olhos jabuticabas e sorriso cativante. Gentil pessoa amarrada nos arames farpados de uma sociedade viril e escura.
O som de chaves e uma tosse intencional, um arrastar de calçado seguido de uma sombra chegando. Estatura média, corpo redondo, grande óculos e um cabelo loiro ruim, mas caro em seus cremes. Chegara a dona do local, a senhora do destino de tantos pequenos sonhos e necessidades de sobreviver. Autoridade composta de arrogância e vaidades.
A luz bem fraca escondia em partes rostos assustados, a voz rouca e fria clamava por ações a serem realizadas. Os anéis de ouro brilhavam ao contar do dinheiro, o perfume importado trazia náuseas às duas jovens.
Com um sorriso amarelo escutou a jovem do sorriso cativante seu nome ser gritado com deboche da sala de reunião. Com as pernas trêmulas arrastou-se ao limbo, como se todos os pecados do mundo fosse seu corpo e sua alma a pagar. A outra jovem fingiu não ver, agarrou-se ao serviço com pavor do que aconteceria, segurou um aperto no peito ao sentir a porta se fechar. Seus olhos lutavam para olhar, mas seu coração tremia de medo.
O tempo congelou ao entrar na sala, tudo parecia parado, fora do lugar. No canto um vaso com flores coloridas, uma janela aberta que trazia o barulho dos automóveis e pessoas falando. No centro uma mesa de seis cadeiras, de vidro, perfeitamente arrumada com algo no centro que não soube o que seria, talvez uma estátua. A senhora estava ao canto, em um computador com muitos papeis em mãos, com folhas marcadas em muitos trechos. Os óculos pareciam querer cair a qualquer custo, sempre amparados pelas mãos gordas daquela mulher.
Os olhos se encontraram e o pavor da jovem cresceu de forma incontrolável. A senhora desviando o olhar para as folhas fez-lhe um sinal com a mão que se aproximasse, assim o fazendo a jovem, que se sentou em uma cadeira ao lado da mulher a pedido da mesma. Os joelhos tremiam, o rosto e as mãos suavam frio. O coração disparado.
Do lado de fora o tempo corria, os ponteiros não mediam esforços para que cada hora parecesse menor. Os clientes vinham aos poucos, a jovem pouco conseguia atender. As mãos trêmulas quase não digitam as contas corretas.
A porta abriu-se lentamente, expondo a luz branca da sala, a senhora saiu apressada, arrumando a bolsa e os cabelos. A jovem veio depois, lentamente, com a boca meio aberta, fechando atrás de si a porta. Caminhou como se fosse a um sacrifício, passo por passo. Entrou na cozinha e sentou-se em uma das cadeiras e abaixou a cabeça sobre a mesa. Chorou.
A outra jovem acabara um atendimento mal feito, correra até a menina e parara na porta, calada, engasgada com o que sentira naquele momento. A jovem ergueu a cabeça, lágrimas correndo pelos olhos, levantou-se cuidadosamente e caminhou até a outra, que perdia o chão naqueles segundos, sem respirar, branca e gelada, como se visse a morte. Viu a boca da jovem se mover e palavras saíram dela, sem sentido, apenas barulho até então. Mas voltou a realidade, intrigada com o que achara que ouvira. Sim, dizia a outra, eu fui contratada definitivamente para trabalhar com você.
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