Eu no tapete
E ela na vassoura.
Convencidos de que o sonho
Apenas começava,
Ou nos campos e colinas,
Ao vento festejando,
Ou até que a superfície,
Esperta e atrevida,
Contivesse um conteúdo
Incerto e palpitando à frágil luz:
Eu no tapete...
E ela na vassoura
Equilibrada em um dos braços,
De modo a confrontar-me
Com tão hábil maestria,
Angélica e antiga,
Dando aos ares suas asas;
Daria a outros,
Chifres meus;
Diretos em mim mesmo,
Um grande bonachão,
Avaliando o que perdera,
Fazendo-me cair,
Perfeitamente acostumado
Com estes itens:
Ela na vassoura,
E eu no carpete,
Abertos precipícios do mistério,
Os abismos
Fazendo pontaria (obscura) e nem pareço
Voando qual um foguete: Há um dos dois,
Louco de raiva...
E, este, dissimula as cornucópias sobre a testa
Enrugada,
Enquanto voam:
O Surfista Prateado
E a Maga Patalójika,
Confessos dois turistas,
Por entre correntezas
De ar frio da cidade,
Muitíssimo,
(MAS) muitíssimo mal vistos pelos olhos
Do povo,
Impossível duvidar,
Abomináveis
Os únicos no pântano em que moram
Sem escolha,
Talvez desconcertante vocação,
Mais por esporte
Que por sorte
Mesmo
— Vez em quando — criam asas:
Soltam
Enxames
E,
Qual mau sonho,
Sobrevoam
(Pesadelo
De filme em Hollywood),
Sobrancelhas eriçadas,
OU...
DEI CALOTE E ELA ME AMEAÇA??
— O combinado!
Cinquenta reais,
Dez,
Quinze minutos!
Vem voando
Atrás de mim (de mim!),
Muito irritada: me dá tiros
E traz seus gigolôs,
Metralhadoras,
Escopetas,
Bazucas apontadas;
Não alcançam,
Entretanto NEM
— Por nada! —
Este matuto,
Este astuto pau-de-arara!
E é ela de corpete e eu na estrada,
Apavorado.
Olhava e (re) olhava, olhava em torno, era possível
Estava vindo a hora de pespegar uma passagem
De ida
A outro mundo
Num bom terno (de defunto),
Ser esta a odisseia que lhes conto?
E tão certo o
Que conto e como conto, estou aqui,
Por ter achado
Saída.
É o que possuo de esperteza: vi a loja
Dos árabes, entrei e escondi-me entre cortinas,
Paisagem — vendedor de bugigangas e tapetes,
Fingindo ser BEM turco, e agachado sob um bonito,
Azul, que lá restava, mas ouvi, (ai!), a voz dela:
Senhor! Este tapete azul... pode levantá-lo?
Há sob ele um canalha.
Masculino, eu olhava
A exata posição subversiva do destino
Movendo-me no pó, devidamente ajoelhado (...)
E então tantos perigos conhecidos já passados
Viriam desaguar naquele instante — e, longamente
Linchado junto a um poste da rua, eu iria
Ficar obsoleto e os perfeitos idiotas
Querendo confusão?
Maliciosos os bandidos:
Mas uma novidade (!)
Totalmente inesperada,
Foi quando avistei bem ao meu lado,
Meia chance
Concreta, o objeto empoeirado levitando
Num canto de universo, três desejos e então — salvo!
A lâmpada dos místicos sufis, que um dervixe
Deixou cair ali enquanto o mundo
Rodopiava!
Girando para a esquerda, um só pedido não é pouco,
Esperto, muito esperto, eu nem queria (os) três desejos:
Somente morram todos! Meu pedido é só esse
— No caso, contratando a franquia mais completa!
Oh, gênio metafísico, entretanto, ameaçou-me!
“Um novo pensamento como este e com tal ódio
E irá ser revertido (em tudo) contra si, cem raios
Estéticos e enfáticos. ”
“Bandidos não se matam! ”
“Perante nossa Lei contrária ao corte de cabeças
De monstros (favorável, entretanto, aos abortos) ”,
Lunático, pensei — sem indagar para mim mesmo —
Por que eu próprio ouvia vagamente,
Inteiramente,
Tantas vozes ao meu lado e eu conversava
Com as vozes
(Que por vezes escondiam multidões silenciosas)?
— Então, zás!
Atingido por um raio de magia
E quando olhei estava no céu,
Tão suavemente
Voando em um tapete de desenhos complicados,
Que dava arrepios afastar-me,
Ou desviar-me:
Esperto, muito esperto encaminhei, mais um pedido
Enquanto imaginava impedir me acompanharem...
Nenhum outro tapete que restasse conseguisse
Voar, literalmente conduzir meus inimigos...
Contudo, eu esqueci na loja a lâmpada
E ainda
Sobravam dois desejos aceitáveis: num relance
Foi que a vi nas mãos frias da fria malvadinha,
E como não houvesse mais tapetes disponíveis
Na loja, unicamente uma vassoura...
Ei-la ao meu lado!
Voando lado a lado pelo céu! Próximos da lua,
Estamos de pé!
Ela é tão bonita, dedo em riste;
Doutor, não foi assim nada!
Que nada! Essa safada não existe!
Me deu calote, isso sim! Setenta reais, vinte
Minutos e no fim não durou nada, eu no capacho
E ela na escada, dando adeus (solertemente);
Soturno, suspirado, um adeus que fere a alma
Aos prantos frente à vida, nos tropeços do futuro,
Caminhos que nos levam à dor.
Dor que se renova
Negando a quem pretenda o céu; e, perde mais ainda
A terra e foge feito baratinhas por debaixo
Do armário.
Muito tempo se passou depois de morto
(Fingindo-se de morto), até voltarem, mesma treva
E mesma dor?
Não!
Criam asas, saem pestanejando
Nos céus qual borboletas, os que sabem qual maneira
Melhor de voar.
— Saem?
— Sim, doutor, saem! Realidade
São coisas milimétricas, e embora não ainda
Consiga demonstrar, há muito estudo — os profetas!
Os que voam, é claro:
Eu estendido em um tapete,
Coberto de matéria bem pastosa, vulgarmente
Notada entre os do povo como fezes e a enfermeira
Zombando: a vassoura nas mãos firmes me espancando.
Às vezes a enfermeira surge e limpa a mim e a meu quarto,
Às vezes a enfermeira só me bate, com vassouras,
Penicos, violetas e jasmins (e outras flores)
Ou panos de chão sujos, embebidos em urina
Que amigos planejaram (em silêncio) a minha morte —
Na lama, as toalhas bem cagadas são meu prêmio:
Que nada!
As toalhas desfiadas são meu forte!
Doutor! Eu fui levado a me tornar um alfaiate
De ternos de fiapos desfiados de toalhas,
Fiapos de flanela, descobri que nos tapetes
Segredos se revelam. Rá, rá, rá! E rá, rá, rá!
Não sabem, percebi quanta alegria dá — voar,
Ou pelo bem ou pelo mal — cruzar toda a cidade.
Mas isso sempre deixa a enfermeira incomodada...
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