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O SANTO SEPULCRO
O encontro
JANIA MARIA SOUZA DA SILVA

Resumo:
Em uma viagem turística de peregrinação à Terra Santa, Isaura encontra a força da sua fé

Sob nuvens douradas e fofas, verdadeiros castelos encantados, o gigantesco pássaro metálico parecia plainar. Os passageiros em seus acentos carregavam consigo mil e uma histórias de vida. Alegrias e sofrimentos, lápis do coração no abrir cada linha de emoção. Naquele momento deliciavam-se com suas possibilidades. Dentre os ocupantes, Isaura rememorava aquele inexplicável e constrangedor momento. Tão transformador em sua totalidade. Olhos fechados. Pensativa. Repassava o filme grafado a fogo na tela da alma.
***

O sussurro do vento imaginário sem palmeiras, sem nuvens, sem qualquer fio de água alucinava os olhos negros perscrutadores da seca e árida paisagem. O ar volátil encarregava-se de sugar o líquido de algum corpo desavisado, que se aventurasse no solitário e tão mansamente selvagem cenário bíblico.
Sol escaldante. Dentro do ônibus de luxo, o ar condicionado refrescava o teimoso calor. Oásis de quatro rodas em tempos contemporâneos. Fora, a areia bege das montanhas do deserto ostentava uma impressionante serenidade milenar.
Saíram logo cedo do hotel em Belém. Dirigiam-se a Jerusalém. As músicas religiosas e orações sucediam-se no grupo. Era uma peregrinação à Terra Santa. Embarcaram em Natal até Roma, onde pegaram o voo para Tel Aviv. A nova, mas tão misteriosa capital israelita. Além do contato com os agentes da aduaneira migração, o aeroporto foi impactante. Cartão de visita das surpresas despetaladas a cada encruzilhada percorrida na estrada palmilhada por Cristo há quase três mil anos. Moderno contrasta fortemente com energia desprendida dos prédios, da geografia e da cultura que dormita sobre as quentes areias áridas de Judá em leve frescor advindo da lembrança que sopra do Rio Jordão. E sepulta-se na rica salinidade mineral do Mar Morto. Início e fim. Vida e morte encontram-se sem qualquer constrangimento. Lei universal da retroalimentação.
Atravessaram as muralhas da separação. O veículo seguiu e rasgou o ventre daquele belo solo inóspito. Enfim, aportaram na Porta dos Leões. Monte Sião. Santuário de Deus.
Por entre as ruelas da fortaleza da cidadela de Jerusalém, a história era discorrida pela Via Crucis. Lá no fundo à direita, repousava a arqueologia dos tanques das águas dos anjos, onde milagres aconteciam quando eles as moviam. Paralíticos, cegos e surdos aguardaram ansiosamente a oportunidade. Supõe-se que logo adiante, a Virgem nasceu e cresceu ao lado de Joaquim e Santana. Chega-se ao pátio da edificação romana. Local em que o Homem foi julgado e trocado. Segue-se cada estação. O mercador palestino varre os pés da jovem do grupo que passa e olha sem nada entender após o pórtico de Verônica. Ela não sabe que ele lhe rouba a sorte. Velho costume da região desconhecido dos ocidentais. O grupo circunda a entrada central e encontra os guardiões etíopes em sua humildade e pobreza sob o castigo do astro rei. Eternos adoradores! Cumprem a missão que lhes coube pelas antigas tradições legadas pela Rainha de Sabá.
Os fervorosos peregrinos turistas continuam a seguir no caminho da “Paixão”. Logo em seguida, entram em uma porta estreita para encontrar mais um etíope. Isaura decepciona-se acreditando já ter visto tudo. Segue os companheiros de viagem. Lá longe ou talvez tão perto, não identifica ao certo, sinos tocam numa ensurdecedora badalada, enquanto vozes elevam-se aos céus e o sol, mais uma vez, cega-a no topo da escada. Para. Passado e presente misturam-se em sua lucidez. Em êxtase, conclui: “- Chegamos ao Santo Sepulcro!”.
Inexplicavelmente caminha por entre os companheiros. Entra pela enorme porta que a atrai magneticamente. Divisa uma amplitude. Fotografa. Fotografa. Fotografa. É ofuscada por enorme luz envolvente. Entrega-se hipnoticamente. Sua mente é apossada pelo vazio. Ela não mais existe. Não divisa mais nada. Está no meio de uma grande, enorme e poderosa luz que enche todo o espaço do teto as paredes laterais em um profundo abraço. Não consegue divisar mais a pintura da abóbada que fotografava. Não parece pisar mais o chão. Só há luz. Realidade apaga-se. Funde-se ou confunde-se com sonho. As lágrimas descontroladas desaguam de sua alma. Uma dor sem qualquer razão invade todo seu ser. Uma profunda dor que apazigua. Parece que levita ou flutua entre luzes incandescentes, milhares, que a ofuscam. Bem longe ouve um sussurro. Ainda em lágrimas com a máquina fotográfica entre os dedos começa a retornar ao chão em que seus pés estão fincados. Não consegue identificar o chamado. Mas é um norte. Seu desespero é tão gritante, que incomoda todos no átrio do Santo Sepulcro. Simplesmente não percebe. Encontra-se mergulhada na profundidade da eternidade em tão curto momento.
- Temos que subir os degraus – ouve a jovem a sussurrar-lhe apontando para o local que ela não divisa.
As lágrimas continuam a rolar por suas faces e ela arrasta-se literalmente pelos degraus que a levam ao local da crucificação vencendo todas as dores e sofrimentos plantados no Gólgota e regados com o sangue do Cordeiro. Enfim, Isaura chega ao altar da salvação.
Ao atingir o topo escuro do pequeno espaço, lotado pelos companheiros de viagem, ainda com a mente incoerente, divisa uma luz e desvia-se, atraída, para ela. Cai prostrada defronte a imagem simbólica plantada no teto central na dura rocha. Essa sua atitude quase gera um conflito religioso, pois essa parte do templo é destinada à adoração dos fieis da Igreja Ortodoxa e não aos da sua Igreja Católica Romana. Área logo à direita, após a subida íngreme e dolorosa em que esteve. Os seguidores do Mestre dividiram suas palavras e rasgaram seu manto. A sua frente, a mulher toda coberta por véu e roupas árabes pretas com duas crianças levanta-se e afasta-se silenciosamente.
Para Isaura, apenas a essência ficou de um Sermão na Montanha que purifica com Pão e Vinho os pecados do mundo desde a Ressureição.
A guia turística orienta os peregrinos em fila a passarem por trás da imagem e enfiar a mão no local onde a verdadeira cruz fora fincada.
Esse foi o real momento de contato com a mão invisível aos olhos que reconforta o espírito. Saiu dali totalmente transformada.
Sem saber, foi revigorada para continuar sua jornada.
Levanta-se relutante daquele lugar e segue passo a passo sem olhar mais para trás. Não há despedida. Agora, desfrutar a alegria da vida. O Espírito vive.

                                                         ***

Realmente, agora carrega lembranças grafadas a fogo. Foram momentos de muita emoção com a inexplicável energia da fé que move montanhas.
Reclina para o lado a cabeça e deixa-se embalar em um mar de serenidade em um sonho tranquilo que a conduz de volta a sua casa. Enfim está em paz consigo e com o mundo.


Biografia:
JANIA SOUZA, potiguar da cidade de Natal, bancária da Caixa, economista, contadora, ativista cultural, poeta, escritora, artista plástica. Sócia Fundadora da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN (SPVA/RN), onde exerceu os cargos de Coordenação Geral; Direção Executiva; Direção de Eventos; atualmente integra o Conselho Fiscal. Organizou as edições da ANTOLOGIA LITERÁRIA da SPVA/RN, volumes 01, 02, 04 e 05, encontra-se a organizar o vol. 06. Participação em várias coletâneas nacionais, inclusive na Komedi e na Nau Literária. Pacifista e voluntária no Projeto Fraldinha, que promove a construção de uma consciência cidadã em crianças a partir dos 04 anos até jovens com mais de 20 através da prática do esporte futebol, xadrez e palestras. Sócia da UBE/RNA; AJEB/RN; Clube dos Escritores de Piracicaba. Afirma que a arma da vida é a leitura. Contato: www.janiasouzaspvarncultural.blogspot.com
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