Com pupilas gastas de assistir ao sofrimento,
Cansados da evidente podridão,
Mantinha sua persistente convicção
De que deus ainda habitava no firmamento.
Sonhavam com vidas futuras,
Com glórias para os bons entes,
Infernal dor para os indecentes
E um conserto para suas almas impuras.
Quando subiram ao lar dos imortais
Encontraram mais uma vez escuridão
E, no vácuo, a mais profunda solidão,
Mas nenhuma esperança para seus ideais.
Esperavam encontrar ajuda celestial,
Seres puros de improvável benevolência,
Ao invés, deram de cara com a ciência
E a indiferente regência da lei universal.
Seus deuses se transformaram em formações rochosas
Que apenas se importavam com a fria gravidade,
Presas pela força da central divindade,
Que não passava de nuvens gasosas.
Teria ele nunca sido?
Ou, ao presenciar a extensão da maldade,
Reconhecer nossa real crueldade,
Teria desesperadamente fugido?
Afinal, se és em todo luga
Ficaria claro as intenções desse sujeito,
Imbuído de infinito preconceito,
E a opção única seria nos abandonar.
A vergonha o teria repelido deste plano?
Ou teria se sentido ameaçado
Pelo nosso progresso desenfreado
E abandonado, aqui, teu maior engano?
Como fostes poderoso e incrível
Ao criar essa pavorosa criatura,
Que ao fim, chegou à sua altura,
Apenas para enxergar seu rosto invisível.
Deve até hoje seu erro reconhecer,
Ter o peso a crescer-te na consciência,
E adoecer pela incompetência
De ter criado tão defeituoso ser.
Uso-lhe de eterna inspiração,
pego-lhe de exemplo irônico,
Pois jamais serei como este ser icônico
Que abandonou sua criação.
No final, provarei-me diferente,
Mostrarei-me infinitamente persistente,
Muito além de um servo temente,
O substituto de um pai ausente.
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