Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Os animais de Polifemo
Henrique Daniel

Resumo:
A aventura de um homem dentro de si mesmo

Com as vistas turvas não só pela miopia mas por uma membrana que recobria meus olhos eu via tudo pixealizado, embaçado, como se as coisas estivessem muito próximas a ponto de tornar inexequível a ação de enxergar. Sentia-me como o gigante Polifemo com o olho perfurado pela estaca do valente guerreiro Ulisses. Sendo assim não conseguia coordenar meu rebanho de pensamentos, deixando-os soltos em folhas avulsas. Alguns fugiam de minha caverna e nunca mais voltavam; se perdiam na volta pra casa; eram raptados por pessoas que se aproveitavam de minha insensibilidade.
   Percebendo que estava sem nenhuma ovelha me senti traído pelos que diziam ser meus amigos mas que usurpavam meu rebanho até extingui-lo. Decidi então guardar-me para uma longa hibernação. Rolei a pedra que tampava minha toca e fui para o fundo úmido e esquálido. Ali estava só, nas trevas, porém sem o medo que me cingira outrora na tenra infância.
Com a perca da visão tive a chance de abrir as portas da percepção e então notar as coisas como nunca antes. Enquanto estava ali submergido no Aquífero Guarani de mim mesmo, pude conhecer seres que nunca haviam sido fitados antes. Alguns tinham a aparência assustadora, outros eram amigáveis e até entendiam meus devaneios.
   Me senti em casa como nunca havia sentido antes, até o dia em que um dos animais falando numa língua que só eu e ele conhecíamos disse-me que o mundo precisava conhecer a verdade sobre as espécies que se escondiam naquele recinto, essa era minha missão. Rolei a pedra que não era removida à algum tempo.
   Enquanto estava ensimesmado perdi a noção de tempo, aliás dentro do aquífero ele corria de modo diferente do que lá fora. Assim que o primeiro raio solar penetrou a caverna senti um cheiro acre, diferente do que fôra o orvalho dos campos de pastagem e algo me dizia que os que outrora me atacaram com sua rapinagem estavam mortos a tempos, sobrevivi a varias guerras, conhecia o cheiro de morte.
   Estava com a percepção aguçada e isso de algum modo me fez sentir que minha barba havia esbranquiçado, o vento a esvoaçava, eu a senti tocar os meus joelhos. Lembrei-me da adolescência, quando quis ver minha barba crescer a ponto de poder usa-la como laço para o rebanho, mas de que me adiantava tê-la e não vê-la? Irônico?
   Alguns segundos após abrir a toca ouvi o barulho de cascos que feriam o solo da caverna, como quando se liberta os animais para pastar. De súbito entendi que a existência dos seres agora não limitava-se tão somente ao meu interior, haviam saído para tomar os lares vazios, criar forma e vida, pois a minha havia se esgotado.


Biografia:
Número de vezes que este texto foi lido: 52820


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Os animais de Polifemo Henrique Daniel


Publicações de número 1 até 1 de um total de 1.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
OS ANIMAIS E A SABEDORIA POPULAR - Orlando Batista dos Santos 53853 Visitas
O Cônego ou Metafísica do Estilo - Machado de Assis 53839 Visitas
FLORES E ESPINHOS - Tércio Sthal 53836 Visitas
Mulher de Amor - José Ernesto Kappel 53827 Visitas
O estranho morador da casa 7 - Condorcet Aranha 53820 Visitas
Insônia - Luiz Edmundo Alves 53816 Visitas
Escuridão - Anitteli Poestista 53810 Visitas
Faça alguém feliz - 53778 Visitas
Canção - valmir viana 53777 Visitas
IHV (IHU) e ISVA (ISUA) - Gileno Correia dos Santos 53754 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última