- Vamos nos casar. - O homem disse, olhando para cima, onde habitava as nuvens que cobriam o casal.
Aquilo não era um anúncio. O pedido já havia sido feito semanas antes, sem muito arrodeio, no apartamento que a mulher havia insistido em alugar para os dois.
Ela notara que de vez em quando o homem soltava uma dessas, contando a si mesmo e para quem estivesse perto que iria se casar. Ela sabia que ele fazia aquilo para tentar se acostumar com a ideia. Não recitava, apenas pensava alto.
- Vamos. - Ela confirmou, olhando de soslaio para os cabelos negros do homem, enquanto ele tinha seu olhar perdido.
Ela não conseguia ficar séria quando se dava conta daquilo; aquele seria o seu homem, para todo o sempre. Aquela pele seria a que ela beijaria no eterno e o mais extasiante era que, mesmo já tendo provado dela incontáveis vezes, decorado o seu gosto e sua textura pelos dedos, a mulher sabia que o mais importante não era degustar uma única vez. Daquele homem, ela nunca se cansaria do paladar, por isso, o queria.
- Quando? - Foi a pergunta da mulher, deixando mostrar a sua ansiedade em pertencer a ele.
De sempre em sempre, o homem declarava que ia se casar, mas nunca havia chegava ali, na etapa que agora a mulher estava tomando para si. Houvera um pedido feito por ele, houvera a sua tentativa de costume. Agora, ela sabia, teria de ter uma data.
- Vinte e Seis de Julho. - Foi o que ele respondeu, tirando a sua atenção das nuvens e cravando no olhar dela.
O homem havia respondido com tanta firmeza e rapidez que a mulher se pegou assustada. Imaginava que ele pensaria mais, até se ver desviado do assunto.
- Ora, por que vinte e seis de julho? - A mulher quis saber, com suas sobrancelhas arqueadas, provocativas.
- Por causa da banda. - O homem respondeu, como se fosse óbvio. - Tem esse nome porque foi criada nesse dia.
Havia uma banda, a que sempre tocava em comemorações da cidade. Não era das melhores e a mulher ainda não conseguia entender a conexão de uma coisa com a outra, portanto, continuou com o questionamento em seu rosto.
- É um dia maravilhoso. Eles não cobram para tocar no dia do aniversário deles. - O homem explicou. - Teremos banda de graça. Nos casaremos dia vinte e seis de julho.
A mulher caiu na gargalhada, percebendo, mais uma vez, que até aquele riso pertencia a ele. Nunca estaria saciada dos momentos junto àquele homem. Diferente do gosto da sua pele, as risadas não tinham como serem decoradas. Cada uma, era nova.
Haveria momentos, muitos, a mulher sabia, que ele a colocaria para rir e ela experimentaria tudo com ardor. Quando aparecessem, durante os anos e anos que passariam juntos, seriam sempre algo completamente inédito. As risadas eram estreias.
Por isso, aquele riso e até mesmo o gosto da sua pele que ela decorara, pertenciam àquele homem. E assim ela queria.
Trinta e sete anos depois, em um vinte e seis de julho, quando já havia completado dezesseis anos da sua vida sem a dele, ela ainda ria ao se lembrar daqueles ápices.
- Veja só. Não o tenho há tanto e continuo a rir. - Dizia para si mesma, ao lembrar-se da banda e da escolha do dia do seu casamento.
Esse riso, mesmo chegando anos após a partida daquele homem, ainda conseguia ser algo completamente novo para ela, como os vários outros que ele um dia a tinha dado. Por isso, ela não se arrependia do vinte e seis de julho em que ela havia dito sim para ter mais daquele homem.
Ele ainda a tinha. Nas grandes e pequenas risadas. Até mesmo no sabor da sua pele, que insistia em não sair da memória da mulher. Na saúde, na pobreza. Até que um dia a morte também a tomasse. Mesmo quando esse dia chegasse, ela ainda sabia, seria só dele.
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