Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
CHORO
Tânia Du Bois


     É preciso ter a paciência do tempo, quando abro a porta e tenho a visão que se choca com meu espanto no choro de uma pessoa. Fico ao lado da porta, imaginando ouvir o choro em desordenados sons no repassar a mágoa do instante ao revelar em fio de voz o sofrimento e a dor transferida d’alma como ferramenta de consolo. Segundo Mia Couto, “Triste é escolher entre o mau e o pior. Entre a realidade e o sonho, qual deles preferir?...”.
     Quem chora tem sua hora de dúvida, de dor, do medo como explicação do valor do tempo, onde palavras soam a verdade em reforço da própria vida. No mundo só se aprende a verdade quando há a súbita perda do sentido na ausência do descaso. Pois não se sonha sem a lembrança que aconchega as imagens dos retratos no tempo, tal em Lima Coelho, “Na imaginação / Em teus mares / Naveguei / Nas ondas da emoção / Aportei / Nas palmas / De tuas mãos / Chorei...”.
     Atravessamos os atalhos do tempo, os degraus das razões do choro com a leveza do conforto, porque guardamos, entendemos e ratificamos a infância e a morte como páginas mal rabiscadas no poema triste que em cada palavra represa as lágrimas, como demonstra Lúcio Lins, “Não tenho horizontes / tenho sonhos à vela // e a tempestade da história...”.
     Quando choramos o tempo vivido, sentimos a estranheza que não sai da memória, de tal modo que não sabemos exatamente como sentimos o coração. Momento em que a vida só se torna suportável porque os pensamentos “conversam” com os sentimentos. A tristeza se instala quando não encontramos o passado e inexiste o tempo das impressões das carícias no lusco fusco do por do sol e com ele a saudade.
     Semeamos luzes com a paciência que sentimos nos nós do tempo, ao redesenhar as longas tardes em que o tempo grita por respostas e começamos um desses prantos que revelam a indecifrável tristeza que estremece a visão do horizonte. Nas palavras de Cacaso, “... Ó realidade, / há séculos eu te procuro! / Nas regiões do dia e da noite / sou lâmina que respira...”.
     O choro desarruma a alma, desfaz a verdade e revela a emoção em que nos flagramos com o sentimento que inviabiliza o tempo dos encantamentos. Espantamos-nos com o tempo iluminado apenas pelo silêncio na voz alterada da tristeza e com o olhar ausentado da vida.
     De um momento para outro, o choro se torna sombra ao redescobrir o sofrimento no enfrentar, abrir a porta do tempo e sentir a luz que nos impede de atravessar o cinzento mundo.
     


Biografia:
Pedagoga. Articulista e cronista. Textos publicados em sites e blogs.Participante e colaboradora do Projeto Passo Fundo. Autora dos livros: Amantes nas Entrelinhas, O Exercício das Vozes, Autópsia do Invisível, Comércio de Ilusões, O Eco dos Objetos - cabides da memória , Arte em Movimento, Vidas Desamarradas, Entrelaços,Eles em Diferentes Dias e A Linguagem da Diferença.
Número de vezes que este texto foi lido: 61639


Outros títulos do mesmo autor

Artigos MÃES: o espaço das palavras Tânia Du Bois
Artigos DESCOBERTA FANTÁSTICA Tânia Du Bois
Resenhas DE ONDE VÊM AS IDEIAS? Tânia Du Bois
Artigos PORTINARI, entre traços Tânia Du Bois
Artigos NA MOLDURA DA JANELA : A COR DA FLOR Tânia Du Bois
Artigos NÚMEROS RECONTADOS Tânia Du Bois
Artigos Tempo: A MELHOR MEDIDA É A DA POESIA Tânia Du Bois
Artigos MULHER Tânia Du Bois
Artigos de pó em palavra: COADOR Tânia Du Bois
Artigos “Será Que Ele É?” Tânia Du Bois

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 311 até 320 de um total de 340.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Triste olhar - Maria Luiza da Rosa Lima 61848 Visitas
O Nome que é Sobre Todo Nome - Silvio Dutra 61847 Visitas
Horizonte - Ivone Boechat 61847 Visitas
eu sei quem sou - 61846 Visitas
Ao Norte das Estrelas - José Ernesto Kappel 61846 Visitas
A DERROTA - MARCO AURÉLIO BICALHO DE ABREU CHAGAS 61846 Visitas
Mocidade vence Carnaval em São Paulo em 2024 - Vander Roberto 61845 Visitas
A virtude e Deus em Espinosa  - Giulio Romeo 61845 Visitas
A invisibilidade dos motoboys - Alexandre Triches 61845 Visitas
John Lennon no céu com diamantes - Nelson Marzullo Tangerini 61845 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última