O ato de escrever, como quase todas as práticas que o ser humano conquistou em seu incessante processo evolutivo-cultural, também acompanhou e acompanha o desenvolvimento tecnológico da humanidade. A utilização de pedras, o bico de pena de várias aves, os bastões, o lápis, a pena de metal, canetas tinteiro e esferográfica, as máquinas de escrever manuais e elétricas, o computador e outros apetrechos destinados à grafia, através dos tempos, dão a tônica dessa eterna procura da praticidade em face de um ato tão antigo e tão imprescindível. Me vejo (desculpem-me os puristas da língua) impelido a escrever sobre o tema, em parte por falta de assunto neste momento, em parte porque tenho em minha frente meu “note-book” (bem que eu gostaria de encontrar uma palavra em português que o substituísse, mas qual?) no exato momento em que vejo uma infinidade de nuvens bem abaixo de mim, um céu incrivelmente azul que se perde na linha do horizonte e o comandante informando que estamos voando a 11.500 metros de altitude. De fato, creio ser esta a primeira vez que ouso rascunhar uma pequena crônica, se é que posso assim chamar estas linhas, nas alturas em que me encontro, literalmente.
Vou dedilhando estas teclas silenciosas, minhas companheiras e instrumentos de trabalho nos últimos anos e a mente vai se povoando de antigas recordações e de práticas que a tecnologia me fez abdicar. Vejo-me de calças curtas, suspensório de couro, lâmina de barbear fazendo ponta no lápis John Fáber número 2, meu primeiro instrumento de escrever. O segundo, na verdade, eu detestava, mas minha professora da segunda série do primário, Dona Cecília, insistia que deveríamos aprender a escrever manuseando uma caneta de madeira com uma grande pena metálica, que introduzíamos num pequeno vidro de tinta colocado num buraco que havia nas carteiras escolares daqueles tempos. Assim, além de levar para a escola a tal caneta, eu ainda tinha que transportar o vidro de tinta e um mata-borrão. O pior, minhas unhas e dedos ficavam invariavelmente impregnados de azul. Posteriormente, a ato de escrever ficou bem mais fácil, quando ganhei um dos meus acalentados desejos de consumo, uma caneta tinteiro. Ainda não era a caneta dos meus sonhos, a famosa Parker 51, objeto precioso que eu só via nas propagandas das revistas Cruzeiro e Seleções, mas, de qualquer maneira, uma canetinha bem popular nos meios escolares de então, a Sterbook, com sua pena rosqueada e removível. Depois, as máquinas de escrever invadiram meu cotidiano gráfico e passaram a disputar com as canetas-tinteiro e as esferográficas a prática do ato que mais iria caracterizar minha vida profissional – o escrever. A IBM elétrica, modelo 72, com suas esferas removíveis e corretores e que há uns trinta anos me acompanha (Que máquina boa!), atualmente parece estar um tanto triste e enciumada com sua quase nenhuma utilização, principalmente depois da invasão dos computadores.
Agora, as nuvens no horizonte estão parecidas com milhares de carneirinhos brancos e no momento em que eu fazia algumas projeções futuristas sobre o milenar ato de escrever, a voz um tanto monótona da comissária determina que os aparelhos eletrônicos devem ser desligados, pois o avião está iniciando suas manobras de descida. Vou interromper esses escritos, que demandam algumas fases e alguns minutos, tais como, sair dos programas, desligar, fechar e guardar o “note book”. Não é tão fácil como fechar uma Parker 51.
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