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Desculpa
Dei-te tudo o que tinha e não tinha
José Silveirinha

Resumo:
Monólogo

Desculpa
Não tive outra maneira de te fazer nascer
Tive de criar uma cadeia de morte e renascimento
De amor e sofrimento
De reencarnações
De vida após vida
Para que pudesses um dia nascer e ver a luz do Sol
o azul do Céu
e o azul do Mar

Desculpa, perdoa-me, te peço
Sou o teu Criador
Dei-te a Vida
A Vida
A Vida
para que pudesses compreender a Realidade
Para que pudesses interpretar os segredos da existência
Para que pudesses contemplar a beleza do nascer do Sol
A beleza das nuvens a voar pelo Céu
O sabor das gotas da chuva a cairem na tua pele

Dei-te a Vida
Mas não o podia ter feito de outra maneira
Tinha de te fazer sofrer dia a dia
Tinha de te fazer saber que a qualquer momento podes morrer
Caso contrário nunca poderias dar o devido valor a nada

Olha para mim
Olha bem para mim
Consegues ver-me?
Não?
Sou demasiado irradiante?
Procuras ver-me no Sol?
Estás enganado.

Eu estou fora de tudo o que existe.
Estou no outro lado da Existência e da não-Existência.
Estou na dimensão em que não existe nem tempo nem espaço.

Queres saber como sou?
Como me sinto?
Como me sinto?...

Tem piedade de mim, Homem,
Criei-te para teres piedade de mim, teu Criador.

Sou o ser mais abjecto de todos,
Sou aquele ser que te criou, e no entanto sou aquele ser que te destruiu...
Não tens pena de mim ?
Não tens piedade de mim?

Não quero que tenhas piedade de mim.
Sou um naco de nada e de tudo.
Sou e não sou.
Sou um verme, uma bactéria, um protão, um pouco de escuro, e se olhares para fora de mim, verás que estou rodeado de breu, breu, um breu sem fim, um frio sem fim...
Criei o Universo e o teu Mundo e todos os Mundos para que pudesses desfrutar os prazeres da Vida, apesar de teres de atravessar os perigos da Vida... até à Morte.
Pois é, tens de matar para comer...
Tens de matar para te manteres vivo.
Não há outro remédio.
Desculpa, não consegui descobrir melhor solução do que esta para te propiciar a oportunidade de interpretares a beleza do Real, e da Vida.
Se te tivesse feito eterno, sem necessidade de matares para comer, a tua vida não teria o sabor, não teria a cor, não teria a emoção do voo e da liberdade, da coragem, e da luta...
Serias como eu, um ser sem destino, perdido na imensidão do Nada e do Tudo.
Não chores, mortal, não tenhas pena de mim , sou eterno, tenho todas as riquezas, tenho todos os poderes, só não tenho um, o único poder que gostaria de ter....
O poder de me matar.
Não tenhas pena de mim, mortal... Dei-te tudo o que podia, dei-te aquilo que eu próprio não tenho: a Vida e a Morte.
Não chores, mortal, não chores, não tenhas piedade de mim, mortal.
Um dia vais morrer, e tudo terminará para ti, mas enquanto viveste foste tu, integralmente tu, foste livre de fazeres o que bem quiseste, na tua redoma de vidro, na tua insuficiência...
Dei-te o poder da inteligência para poderes libertar-te,
voar voar voar
Até que me possas dizer:
- Já não preciso de ti,
E eu te direi, - Homem, mortal, já não precisas de mim, já não precisas de mim, deixo-te ir em liberdade para sempre, Homem, sê livre e sê feliz....
O que eu não fui, não sou, nem serei...

17.03.2014

Texto extraído do livro
A Realidade e a Estrela Perdida
publicado em Mar Azul
www.josesilveirinha.com


Biografia:
No Princípio era o Verbo. Por favor ler biografia em www.josesilveirinha.com
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Teatro Desculpa José Silveirinha


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