O médico me disse: você esta com Poesia.
Não se sabe se genético ou se adquirido ao longo da vida.
Não se tem nenhuma manifestação física aparente,
nada que denuncie sua condição interior.
Foi detectada uma certa arritmia de alma,
um descompasso sonhativo provindo desta mesma sensação,
fatos que comprovam a moléstia chamada Poesia.
A medicina não tem nenhum caso descrito,
provavelmente você é o primeiro,
teremos que iniciar os estudos,
se assim o desejar e aceitar...
. . .
Sendo assim, gostaria que descrevesse o que sente
quando a Poesia se manifesta...
. . .
Bem, doutor, o silêncio fala,
a fala cala, ardem-me os olhos, estica-me o cérebro,
tenho pés que alcançam vastos continentes,
nascem-me orelhas de lobo,
escuto o falar distante,
babo, gemo, tremo,
voo, desvoo,
como ovo com gergelim,
salto parapeitos e caio em abismos profundos,
invento fonemas, invento mundos,
repleto de sentenças caio na ordem do dia,
escrevo sem letras, transmuto poesias,
passo a passo, passo o dia a rir de mim...
. . .
Bem...
. . .
Finjo, doutor, ah como finjo,
subo no palco das coisas que imperam neste mundo,
atuo como um perfeito vagabundo,
dias desses me apaixonei por uma violeta,
linda, rara, quase perfeita,
a coloquei no vaso sanguíneo,
sou, doutor, um destes meninos
que se arvoram destemidos,
tenho maçãs no rosto, olhos de vidro,
finjo, doutor, ah como finjo,
neste momento, agora,
não estou aqui, estou lá fora,
em cada músculo do vento,
sou a favor de abolir o tempo,
busco uma nova revolução,
finjo, doutor, ah como finjo,
menos o amor no coração...
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