Se eu fosse belo como um dia foi Adão,
serias a mim, intruso no Paraíso, Eva,
a mais bela que me seduziu e pôs na mão
a fruta que abriu o quintal que nos encerra...
Se eu fosse um prisioneiro nas fronteiras da ira
serias a mim, oh verdade, um fato consumado
exposto na vitrine do mundo, corpo numa pira,
jamais de meus pesadelos teria, então, escapado...
Se eu fosse quem vejo pela janela, meu vizinho,
que mudo caminha da casa à rua, baixos seus ombros,
seria eu aquele que grita de noite e se embriaga com vinho,
que vaga pela mulher perdida e sai pela vida, aos tombos...
Se eu fosse quem comanda o exército público e seus cofres,
aquele que assina os documentos que ao povo sofrido oprime,
será que saberia discernir entre o que é bom ou não ao pobre
e, num gesto de grandeza, repartiria amor, que é o mais sublime?
Se eu fosse o que mata sem ao menos dar um motivo aparente,
será que dormiria aquecido na cama apertada entre meus entes,
ouviria a voz do juízo a gritar de noite, dentes pontudos do pesadelo,
ou morreria por ter ceifado vidas, sufocado no meu próprio novelo?
Se eu fosse dotado de versos esculpidos nas oficinas do espírito seria, então, oleiro de tijolos que ergueriam o espírito da raça ao céu,
minh'alma e mente aos pés do amor com prazer eu poria
para levantar, dos olhos dos homens, esse maligno véu...
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