Sempre fora aficionado por super-heróis. O gosto pelo desenho e o consumo desenfreado de gibis durante a infância e a adolescência, levaram-no naturalmente a tentar o ofício de quadrinista. Apesar de talentoso, porém, nunca teve uma boa oportunidade. Procurava estúdios de grandes editoras, na esperança de desenhar histórias mesmo que para personagens alheios, infantis, estrangeiros ou nacionais. Mandava seus trabalhos para revistas, autores, desenhistas, mas nunca teve uma resposta. Esforço inútil.
Certo dia, conseguiu um emprego. Operador de telemarketing. Não era o que queria, mas lhe propiciava a sobrevivência e o máximo de lazer que se permitia, que era o de comprar gibis, de vez em quando. Além disso, entre um e outro desaforo de clientes, sempre conseguia rabiscar alguma coisa. E não abandonou seu sonho. Tinha a idéia fixa de criar e publicar seu próprio personagem, mas sem grandes pretensões. Um só personagem. Nem precisava fazer tanto sucesso. Mas tinha que ser um super-herói. E tinha que ser brasileiro. E é aí que residia o problema. Não conseguia imaginar um super-homem voando junto ao Cristo Redentor, entrando no Complexo do Alemão e capturando traficantes ou um homem morcego se balançando pelos prédios de São Paulo e esbofeteando menores viciados em crack na Praça da Sé.
Certo dia, assistindo ao noticiário da noite pela televisão, teve a idéia. Seu herói seria um matador, um justiceiro. Não era a favor da pena de morte, nem nunca gostou muito daqueles mascarados violentos que cometiam barbaridades atrozes e sanguinolentas contra os meliantes (sempre preferiu os heróis mais ingênuos, daqueles de capa e sunga coloridas, que no máximo congelavam os incautos com um sopro de ar frio). Mas para os criminosos que ele concebera, nem um outro infortúnio seria aceitável. Para esses delinqüentes em especial, a única pena possível seria o extermínio completo e irrestrito, pois a justiça comum não lhes era suficiente. Gostava particularmente dos métodos utilizados pelo seu herói, com uma pitada de humor negro, em que a arma utilizada para o morticínio sempre simbolizava (às vezes de maneira nada sutil) o crime perpetrado pelo bandido da vez. Seria um sucesso total.
Esboçou páginas e páginas, criou um visual elegante para seu herói, com um airoso terno azul marinho, para que ele pudesse ter acesso ao abastado meio freqüentado por seus alvos. Começou a se dedicar tanto ao projeto, que abandonou o emprego. Ficava dias inteiros trancado no seu quarto e sala, riscando, esboçando as aventuras de seu paladino, criando roteiros e diálogos. Após alguns meses e, esgotadas suas últimas economias, levou seu projeto a uma pequena editora. Não gostaram da idéia. Disseram que super-heróis eram coisa muito batida. Não havia verossimilhança. Ninguém leria aquilo. Abatido, resolveu, largar de vez os quadrinhos. Mas não abandonou a idéia de seu super-herói. Ela ainda podia ser colocada em prática. Suas façanhas ainda poderiam ser lidas por aí.
Alguns dias depois, as manchetes dos jornais anunciavam o assassinato misterioso, com uma tijolada na cabeça, de um ex-prefeito de uma cidade do interior, envolvido em denúncias de superfaturamento de obras públicas. Testemunhas afirmaram ter visto no local do crime, uma figura misteriosa, toda vestida de azul marinho, que sumiu sem deixar vestígios.
Este era só o aquecimento. Os super-vilões ainda estavam soltos por aí.
|