Carvalho finalmente realizara o sonho de infância; concluiu com louvor o Curso de Formação para Sargento do Exército, depois de quase um ano exaustivo e de muita dedicação e saudades da família.
Após o encerramento da cerimônia, olhou para o lado esquerdo do púlpito e contemplou seus pais que não podiam conter-se de tanta felicidade e orgulho de ver seu filho caçula dando continuidade ao legado da família; sim, assim como seu avô, seu pai e seu irmão mais velho, Carvalho seguia os mesmos passos na Instituição que escolhera como sua segunda família.
Parabenizou alguns colegas e dirigiu-se para perto de seus familiares:
- Parabéns meu filho!
- Obrigado mãe! – respondeu ele abraçando e beijando a face de sua mãe;
- O Verde-Oliva ficou bem em você! – disse seu pai apertando-lhe a mão;
- Não tão bem quanto ficava no senhor! – os dois sorriram. Sua irmã segurou em sua cintura e apertou-lhe com um forte abraço;
- Já sabe para onde vão te mandar? – perguntou seu pai;
- Eles falaram que há uma defasagem de pessoal lá pro lado do Mato Grosso do Sul, acho que é... (buscou na lembrança o nome), Combra, Fronta...
- Coimbra?
- Isso! – respondeu ele ao pai, confirmando o nome!
- Justamente para lá, meu filho? Não há como pedir para ir para outro lugar?
- Acredito que não! Essa decisão já veio de Brasília e nem o nosso Comandante, pode opinar ou distribuir o pessoal dessa turma. Todos nós já fomos direcionados, de acordo com a decisão de Brasília!
Carvalho pode perceber a expressão de preocupação e desgosto na face de seu pai, assim que soube o local de seu destino. Não entendeu a razão para aquela situação e resolveu esclarecer o motivo:
- Algum problema pai? O que é que tem nesse lugar, é ruim para servir, é muito longe?
- É tudo isso, mas a minha preocupação é outra!
- O senhor está me deixando assustado!
- Vamos sentar um pouco naquele banco! – seu pai apontou em direção à um banco de madeira pintado de verde, que ficava debaixo de uma grande amendoeira no meio da praça no local em que acabara de acontecer a formatura. Pediu para que a esposa e a filha fossem buscar alguma coisa para eles beberem e seguiu com o filho:
- Eu nunca contei isso a ninguém, nem mesmo para sua mãe. – começou ele assim que se acomodaram no banco – Seu avô, eu e seu falecido irmão, servimos no Forte Coimbra!
- Eu achava que meu avô serviu aqui no Rio de Janeiro antes e depois de voltar da Segunda Guerra, e que o senhor, só tinha servido fora do Rio lá em Recife!
- Não! E também seu irmão, não serviu somente em Brasília;
- Serviu também nesse Forte Coimbra?
- Sim, e foi lá também que ele faleceu!
- Mas o senhor e a minha mãe sempre disseram que ele tinha sofrido um acidente quando vinha de Brasília para o Rio!?
- Foi o que contei para você e sua mãe e ela acredita nessa versão até hoje, e por favor, que permaneça assim!
- Mas o que é que tem finalmente nesse lugar? Até agora o senhor não me disse nada sobre esse lugar e nem porque escondeu da gente que o senhor, meu avô e meu irmão tinham servido nesse tal Forte?
Antônio olhou para baixo e suspirou fundo, a lembrança do passado lhe perturbara de certa forma a alma e lhe fez estremecer o corpo, não conseguia controlar as mãos que tremiam sem parar. Carvalho lhe segurou as mãos e pode sentir como estavam molhadas de suor. Esperou que seu pai se acalmasse e retomasse o rumo da conversa:
- Depois que seu avô voltou da Guerra, ele já não era mais o mesmo! Eu tinha apenas cinco anos mas me lembro da expressão morta e vazia em seu olhar. Às vezes, ele parecia que conversava com alguém no meio da noite e por muitas vezes sua avó, o encontrou com a arma na mão parado na porta do meu quarto, olhando para a minha cama enquanto eu dormia!
- Ele ficou com trauma após a Guerra? – perguntou Carvalho;
- A maioria que sobrevive a uma Guerra, fica com algum tipo de trauma. Mas seu avô, não era trauma que ele tinha, parecia uma espécie de remorso, de culpa...
- Como assim?
- Ele vivia pelos cantos sempre pedindo perdão, que ele não teve culpa, que teve medo de voltar e que ele iria dar um funeral digno de um herói para “ele”!
- Ele quem?
- Um amigo!
- O senhor sempre me disse que meu avô foi um grande herói da Segunda Guerra e por esta razão eu sempre quis servir ao Exército, e agora está me dizendo que ele não passava de um maluco?
- Em momento algum eu mencionei que seu avô era maluco! – esbravejou ele para o filho;
- Até agora não estou entendendo esta sua preocupação comigo, em relação ao local para onde estou sendo designado?
- Você vai entender! – ele fez um gesto para que Carvalho se calasse pois, sua esposa retornava com duas latas de refrigerantes nas mãos.
EMANNUEL ISAC
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