Perdoe-me pelo homem baleado na calçada;
eu, que pensei ser justo, de alma elevada,
também provoquei o tiro, a explosão,
fui eu que também estendi a mão
e puxei o gatilho,
o fiz por fazer-me neutro
nesta noite de fogos sem artifícios...
Quando me calo mesmo sabendo
que minha voz fará diferença,
decreto, como fosse uma sentença,
a humilhação de tantos e a morte de outros
por deixar que o poder caia
nas mãos de insanos e loucos...
Perdoe-me por ter lido tantos livros
e tê-los guardado no alto da estante,
não tê-los levado cá dentro, comigo,
não tê-los vivido como um Cervantes,
apenas degustado poesia
como fosse comida de todo dia...
Perdoem-me os que morrem para que eu viva,
os que tombam para que eu siga,
os que se transformam em tristes funerais,
prometo mudar, prometo ouvir os pássaros,
os rios que cantam, o grito dos animais,
os que anunciam a tragédia em negros tons,
quero, de hoje em diante, escutar os sons
que enchem as ruas, de vida, de pulsação,
mais que isso, preciso ouvir, de novo,
o bater inquieto deste meu coração...
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