A corrupção é apenas ironia. A verdade é que o Brasil também é fila. Tem fila para tudo, até fila para entrar na fila.
A fila começa de manhã. Acorda-se com fila para ir ao banheiro. Os olhos mal se abriram e a fila para tomar banho, escovar os dentes. Fila para tomar café, escovar os dentes e fila para o ônibus.
O ônibus é papa-fila que fica na fila. Fila de transeuntes, de passageiros, de trocadores, de carros, de motoristas. Fila para entrar e sair da fila. Fila até para sair do ônibus.
Ao trabalho, fila para o cartão-ponto. Fila para sentar-se à mesa, conectar-se à internet, ajustar os papéis sobre a mesa, afinal, as mesas são postas em filas.
O almoço é outra fila. Fila para quem vai almoçar primeiro. A comida esfria-se em fila da recém-colocada até a última a ser retirada. Fila para sentar-se, para levantar-se do refeitório. Fila até para palitar os dentes.
Fila para retornar ao trabalho, para falar com o chefe ranzinza que fica escolhendo quem atender na fila ou quem entrará na fila da demissão ou da promoção.
Fila até para ir embora, cartão-ponto, ônibus, em casa para jantar e tomar banho. Ufa! A fila do dia acabou... E começa a fila do sono...
Fila, fila e fila. Fila no Brasil é questão de moral social. Até para morrer tem fila no cemitério municipal. Fila no banco, fila no supermercado, fila na quitanda do seu Zé da esquina. Fila nos hospitais, nas praças, na banca de jornal do seu Rômulo.
A fila é a única ironia que se dá para brincar. Brincar de poesia, de soneto, de cântaros. Fila faz parte da vida do brasileiro que, além da corrupção para receber a mascada, que é fila, tem o dom da espera, da parcimônia. Até quando a fila será fila para tudo neste Brasil de fila? Não se sabe, porquanto, entre na fila...
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