Tenho a impressão de que ouço o barulho
que vem de fora enquanto escrevo
com as pontas dos dedos,
enquanto martelo o singelo
teclado negro,
enquanto bebo das palavras
o néctar indivisível,
chá das cinco,
sopa de outono,
suco de verão...
Pensei ter ouvido alguém dizer a alguém
que depois vai ao supermercado,
que acabou o gás,
as bolachas,
precisa de pasta de dente,
precisa ver gente,
talvez não seja caso de compra,
talvez de depressão...
Encontro ruídos vindo
de lugares distantes,
meninos com suas pipas,
o homem que vende pamonha,
passos apressados,
cães ao longe latem,
o avião que não perdeu a hora,
o barulho da vida, múltiplo,
cada coisa servindo de motivo
para que os homens sigam
e não parem e pensem,
cada coisa e seu mistério,
cada dia um barulho diferente,
cada dia um dia diferente,
a música do ocaso,
o olhar do acaso
busca encontrar a poesia
que se esconde debaixo das folhas
da mangueira,
nova estação...
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