Começou com um pequeno ponto preto no peito, em meio aos pêlos. Tentei espremer, achando que era um cravo. Logo ficou maior e maior. Quando atingiu o tamanho de uma bola de gude procurei um médico. Parecia que tinha um que alguma coisa tentava sair de dentro de meu peito. Apele se espichava, mas não arrebentava. O médico não sabia o que era, também não parecia muito preocupado em saber. Receitou uma pomada para inflamação e me dispensou. O negócio continuava a crescer e me começava a me incomodar. Não conseguia mais dormir de bruços, sempre usava casacos grandes que não deixavam aparecer aquele calombo. Cada vez crescia mais. Não demorou para notar três rachaduras na parte de cima. Tentei seguir minha rotina, mas cada dia ficava mais difícil.
Certo dia ao acordar deparei com a cena mais horripilante da minha vida. As rachaduras não eram rachaduras e sim dois olhos negros e uma boca. O caroço era na verdade uma cabeça que se iniciava a sair do meu peito. Achei que estava sonhando que estava em algum conto de Philip K. Dick, pulei da cama e corri pelo apartamento. Fui para na cozinha, uma faca de churrasco na mão enquanto a outra segurava a pequena cabeça. Passei a faca e um pequeno corte se abriu logo abaixo da boca. Senti dor, foi então que percebi que não estava sonhando. O pequeno rosto se deformava, tentando expressar alguma dor enquanto um sangue marrom escuro saía daquilo que seria sua garganta. Fechou os olhos e assim ficou. Corri pela casa desesperado não sei se pelo fato de um irmão xifópago ter nascido tardiamente ou por ter cometido um suposto assassinato. Ou talvez um suicídio, já que muito sangue eu estava perdendo. Eu? De quem era o sangue? Em todo caso, me senti fraco e tonto não se pela cena ou por talvez estar perdendo sangue. Fui até o banheiro pegar uma toalha para estancar o sangue. Coloquei-a em volta da pequena cabeça que continuava com seus olhos fechados. Sentei-me na privada e ali fiquei, por várias horas tentando arranjar uma explicação para o que acontecia e nenhuma explicação razoável vinha a minha cabeça. A toalha já estava encharcada de sangue. Tirei e vi novamente aquela cabeça pendurada em mim. Assim não podia ficar, mas o que teria de fazer? Decidi terminar o que começava. Fui até o armário da sala e peguei uma garrafa de vodca. Tinha visto isso nos filmes. Bebi um grande gole e derramei o resto sobre meu peito. Segurei firmemente a faca e comecei a cortar a pequena cabeça. Doía muito, mas minha vontade era maior. Não sei se por querer ver aquele troço longe de mim o mais rápido possível ou talvez por uma curiosidade mórbida. Terminei de cortar e a cabeça caiu ao chão com um baque surdo. Ficou uma ferida muito grande no meu peito que logo eu comecei a cuidar. A cabeça continuava ali onde eu havia deixado. Adiei o máximo que pude ter de confrontá-la de novo, mas algo tinha de ser feito. Reuni minha coragem e fui até ela e por alguns instantes fiquei admirando-a. O que teria acontecido realmente? Deixei as dúvidas de lado, providências tinham de serem tomadas. Com um bolo de papel higiênico pequei-a e joguei em um saco plástico e depois em outro e em outro e em outro. Uma pequena sepultura de plástico para aquilo.
A cicatrização da ferida do peito foi rápida, tenho uma boa coagulação. Em menos de um mês já estava fechado e logo outro ponto preto se anunciou. Não mexi em nada, não espremi, não apertei nada e mesmo assim ele cresceu mais rápido que o outro. O susto foi pouco diferente, talvez lá fundo no meu íntimo sabia o que aconteceria. O procedimento foi o mesmo, talvez um pouco mais doloroso já que a boa faca que eu tinha usado antes havia sido jogada fora. Mesma quantidade de sacos plásticos, mesmo destino. Se aconteceram duas vezes, é óbvio que acontecerão outras vezes. Preparei-me melhor. Comprei os devidos instrumentos necessários como se fosse fazer uma pequena cirurgia e me preparei para o que era certo. E foi.
Adotei como uma rotina: a cada quinze dias, uma decapitação. Depois dez dias, cinco. Não demorou muito para que eu precisasse fazer isso todos os dias, como se fizesse a barba. Fazia no banho, já acostumado com a dor e com mais agilidade. Já até pensei em tirar umas férias e deixar crescer aquilo para ver o que aconteceria. Mas o que me preocupa no momento são esses dois pontos pretos debaixo dos olhos. Talvez precise mudar meu pedido na farmácia. Qual remédio para dormir mais eficaz?
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Biografia: Escritor em nível de formação desde 2000. Estudioso de Borges e partidário deste mestre, tenta, em vão, escrever obras de literatura fantástica na linha borgiana. Além da influência platina, apresenta uma personalidade heterônima, postando contos com outros nomes. Atividades complementares como professor de literatura e técnico em perícias criminais. |