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O MILHO DE PIPOCA E O PIRUÁ
Marcos Barbosa
Marcos Barbosa





Eu sou uma tonelada de milho de pipoca. Explodi em muitas panelas... Mas, sempre fica um pouco de piruá no fundo das pipoqueiras.
Posso ser também uma fazenda de milho; um contingente; ou até um continente de milho; um planeta cheio de milho de pipoca,,, pipocando... Lembre-se, mais uma vez,,, é bom saber, é bom ter consciência que sempre fica um pouco de piruá no fundo de qualquer pipoqueira.
Como sou milho, pedi ao meu intercessor elemental para me dar a aparência de gente e ser importante para alguém, porque lá no reino vegetal temos uma alma coletiva. É!... temos alma, somos sensíveis e verdadeiramente um por todos e todos por um.
Recebi a concessão de viver essa experiência como aventura e aprendi muito. Descobri que muita gente é infeliz porque vive em função de sua imagem pública e ficam frustrados porque não conseguem atender às expectativas dos familiares ou do grupo referencial ou cultural do qual fazem parte. Alguns conseguem sucesso e se descobrem políticos, uns felizes e outros não. Pra ser mais claro, a maioria dos políticos não são felizes, ou por não conseguirem realizar seus ideais ou porque são corruptos. Também observei pessoas infelizes porque viveram uma vida alienada, uma vida esperada pelos outros. Estes não aprenderam que só se consegue ser feliz separando as próprias expectativas das esperanças e desejos exteriores alimentadas por outras pessoas. Entendi logo que o segredo do sucesso num empreendimento está na coincidência das esperanças do povo com o projeto de vida da pessoa, seja na política, no comércio ou em um projeto cultural.
Foram muitas as minhas explosões e assim que eu passava para a dimensão humana sempre encontrava um pastor, padre ou pai de santo disposto a me guiar no caminho da humanidade. Para me humanizar, ou seja, aumentar a minha sensibilidade humana, tive que passar por várias situações.
O pastor orava, o padre rezava e o pai de santo dançava...
O pastor pedia que o milho virasse um milhão; o padre pedia que dessem toneladas de milho aos pobres e o pai de santo fazia oferendas de pamonha, mingau, cuscuz e tudo o mais que é feito de milho... Nessa última, os pobres se davam bem comendo aquelas iguarias nas encruzilhadas da vida, quando não perdiam a concorrência para algum cachorro “rasga-saco” sucessores dos “vira-latas.” Eu... cá com os meus “milhões” ficava feliz porque estava sendo útil e bem amado.
A minha primeira explosão foi em Camapuã... O pastor orou, o padre rezou, o pai de santo dançou e o meu intercessor elemental aqueceu a pipoqueira e eu explodi,,, assim:
Não sei como começar a contar minha vida. Acho que não é fácil escrever uma autobiografia. Começo pela lembrança mais antiga que trago na memória, ou falando da cidade onde nasci? Vou começar pela lembrança.
— Mãe, a senhora se lembra de um aniversário meu, quando eu ainda era criança de colo e as moças ficavam me disputando? Eu me lembro de uma festa bonita, daquela mesa grande, do bancão de ripas na área lateral e na frente da casa o meu pai tocava um armazém, o "bulicho". A senhora se lembra daquela filha da dona Zú? Uma moça bonita que mais tarde veio a ser minha professora?
— Mas não é possível, aquele foi o seu aniversário de um ano!
— Devia ser mesmo, porque eu era levinho e as meninas me tomavam das mãos umas das outras com uma facilidade tremenda. Lembro-me das pessoas comendo bolo e tomando guaraná. A festa toda ficou levemente registrada em minha memória. A parte mais emocionante era a alegria das meninas que conseguiam me pegar... desta sempre me recordo com detalhes, dos elogios, tipo "que menino lindo ! "ou "Ai que gracinha!".
Cresci num ambiente alegre, feliz, mas de muito fanatismo religioso. Minha mãe era da Igreja Batista, trabalhava e cantava o dia todo. Íamos todos os domingos pela manhã à Escola Dominical. Sentia medo da Igreja católica, até mais ou menos aos 10 anos de idade. A pregação do Pastor Manhães contra a idolatria era aterrorizante e deixava na mente dos fiéis e principalmente das crianças uma imagem muito negativa da Santa Igreja Católica. A impressão que ficava em minha mente infantil era a de que ali reinava o Satanás e aqueles ídolos eram os demônios. Nos anos 50 e 60, os templos católicos ainda eram cheios de imagens de santos. Em Camapuã a situação não era diferente de outras cidades de Mato Grosso, que agora é do Sul. A única igreja católica que tínhamos lá, me botava medo.
A primeira vez que eu botei meus pés dentro de uma Igreja Católica foi no casamento de meu irmão mais velho, por parte de pai, o Marcílio. Fui,,, contrariado,,, porque eu queria que o casamento do meu irmão fosse na minha igreja. Meu irmão e sua noiva Neusa eram católicos e, em respeito à tradição, a presença de toda a família era obrigatória. Então, minha mãe foi se aconselhar com o pastor.
— Irmã Amélia, a senhora e seus filhos não se ajoelhem diante dos ídolos. Nem acompanhem as rezas.
Não me lembro bem a ordem que muitas coisas aconteceram em minha infância. Fiz tudo que tinha direito como criança. Peguei sarampo, desobedeci às recomendações de minha mãe e enfiei as mãos numa bacia de água da chuva. Já devia ter de dois a três anos de idade, mas a curiosidade foi maior e paguei caro pela desobediência, porque o sarampo "recolheu". Meu corpo ficou todo coberto de feridas, até dentro da boca estouravam aquelas bolhas doloridas. Doía o corpo todo e não tinha forças para nada. Minha comida era papinha ou bananas amassadas com um garfo. Recebia tudo na boca, pelas mãos carinhosas de minha mãe. Com muito custo sarei e voltei à vida alegre de criança.
Certo dia, meu pai estava viajando e ouvi minha mãe reclamar da falta de dinheiro. Pensei em segredo que poderia ganhar dinheiro para ajudar em casa e fui pedir ajuda para minha avó Zulmira:
— Vó... Eu quero trabalhar, a senhora compra uma caixa de engraxate pra mim?
— Mas você é muito pequeno...
— Sou não...
E citei os meninos, alguns primos, que já trabalhavam, alguns inclusive menores que eu.
— Vc só tem tamanho, mas é mais novo que todos eles.
— Mas eu dou conta de carregar uma caixa de engraxate e sei engraxar um sapato.
— Então tá bom. Mas eu não vou te dar a caixa. Desta vez, já que está querendo ser um hominho então já começa criando responsabilidade para aprender a fazer negócio e ter compromisso. Vou te emprestar o dinheiro para comprar as tiras de flanela, as latas de graxa, e as escovas. A caixa você vai encomendar lá no Saulo marceneiro.
— Eu já falei com o “Seu Saulo.” Ele falou assim : “Eu poderia te dar esta caixa de presente por consideração ao seu pai. Já fiz muito negócio com o “Seu Marçal”, mas como você quer trabalhar, dá mais sorte iniciar pagando...” Vó... ele disse que vai fazer um preço bom pra mim.
Resumindo, convenci minha vó e negociei com o marceneiro que me deu prazo sem estipular data... “assim que eu juntasse o dinheiro”... Ao ficar pronto o meu instrumento de trabalho corri na Vó Zulmira com a caixa nas costas e peguei o dinheiro emprestado para comprar os utensílios de engraxate. Na primeira semana, já paguei a dívida com os meus financiadores, o que foi motivo de orgulho para eles e comentário geral na família.
Pipoquei! Explodi! Fui um sucesso... Estudava de manhã, trabalhava à tarde, engraxando os sapatos e ouvindo conversa de gente grande. Convivia com comerciantes, fazendeiros e políticos nas ruas de Camapuã, região que antes de se emancipar foi descrita pelo escritor Visconde de Taunay no livro Inocência.
— Mãe ... Quem é o meu padrinho?
— Ora essa guri! Evangélico não tem padrinho.
— Mas eu queria ter, todos os meus amigos e primos têm, por que eu não posso?
— Então é o Dr. Hugo. Você nasceu nas mãos dele e também foi ele quem escolheu teu nome, pode considerá-lo como seu padrinho.
Fiquei feliz com a escolha do padrinho. Só faltava saber se seria reconhecido. O Dr. Hugo Pereira do Vale, médico em Campo Grande e expedicionário da II guerra, com frequência engraxava suas botas comigo e pagava sempre em dobro o que eu pedia. Fiquei esperando a passagem semanal dele por Camapuã, rumo à sua fazenda. No dia esperado, lá vem ele...Desceu do carro e dirigiu-se à calçada do comércio onde eu fazia ponto.
— Vai engraxar as botas Dr. Hugo?
— Sim... Eu só engraxo aqui, Marco Aurélio.
Ato contínuo sentou-se numa das cadeiras deixadas pelos comerciantes na calçada.
— Minha mãe me disse que o Senhor é meu padrinho porque escolheu meu nome na hora que eu nasci. Eu ainda não sou batizado mas na minha igreja não tem padrinho de batismo.
— Não tinha pensado nisso... Então sou seu padrinho por aposição de nome. Dê recomendações à minha comadre Amélia e ao compadre Marçal, estendendo, sorrindo, a maior nota que costumava chegar às minhas mãos – acrescentando – é pra você comprar uns livros.
— Obrigado padrinho!
Disse todo sorridente enquanto ele se despedia dos homens que assistiam a cena e dirigindo-se ao carro tocou para a fazenda.


Biografia:
Marcos Barbosa é jornalista, escritor e poeta, membro e Secretário da Academia Aguaslindense de Letras. Tem três livretos publicados e participação numa coletânea da Aletras. Os textos de Marcos Barbosa estão publicados em vários blogs, sites,,, e nos jornais impressos, desde 1970.
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Poesias A COBRA QUE QUERIA CANTAR Marcos Barbosa
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Contos O MILHO DE PIPOCA E O PIRUÁ Marcos Barbosa


Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


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