Rolezinho
Personagens:
Anselmo: É cabo da PM que faz policiamento na comunidade.
Cerqueira: Comandante da UPP da comunidade.
Cidinha: Presidenta da Associação dos Moradores do Morro da Carambola.
Cena única
Cabo Anselmo entra na sala do Coronel Cerqueira anunciando a presença da presidente da associação de moradores.
Anselmo: Com licença, coronel Cerqueira.
Cerqueira: Fala cabo Anselmo! O que você deseja?
Anselmo: Eu nada! É a presidenta da associação que quer falar com o senhor.
Cerqueira: Que babaquice é esta de presidenta?
Anselmo: É assim que ela gosta de ser chamado, senhor.
Cerqueira: (pra plateia) A Dilma fez escola. Está bem! (irônico) O que a presidenta deseja falar comigo.
Anselmo: Sei não coronel. Só sei que a mulher tá muito aflita pra falar com o senhor.
Cerqueira: Será que algum dos nossos homens esculachou algum vagabundo aqui da fave... Quero dizer: Comunidade.
Anselmo: Acho que não coronel! Pelo menos não escutei nenhum pipoco. Acho que por enquanto tá tudo na paz.
Cerqueira: (irônico) A presidenta está só ou veio acompanhada de sua comitiva?
Anselmo: Ela está sozinha.
Cerqueira: Então manda entrar a presidenta do Morro da Carambola.
Anselmo: É pra já! (batendo continência) Com sua licença coronel.
Cerqueira: Vai logo cabo. Não tenho muito tempo a perder com esta gente.
Cidinha: Coronel...
Cerqueira: Sérgio Cerqueira, comandante interino da UPP da comunidade do Morro da Carambola.
Cidinha: Maria Aparecida da Silva, presidenta eleita da associação dos moradores do Carambola... Mas pode me chamar de Cidinha, coronel.
Cerqueira: O que eu devo a honra da visita.
Cidinha: Além de coronel, o senhor é candidato a deputado?
Cerqueira: Não, por quê?
Cidinha: Porque o senhor tá falando que nem político caçador de voto.
Cerqueira: Deus me livre! Sou policial, porém honesto. Mas me diga: Em que posso atendê-la?
Cidinha: Eu venho aqui em nome da comunidade fazer uma solicitação.
Cerqueira: Se eu puder atender...
Cidinha: O senhor tem que acabar com o tal de rolezinho aqui na comunidade.
Cerqueira: Rolezinho?
Cidinha: Sim senhor. O povo daqui está muito aperriado. Depois que foi implantado a UPP, este povo do asfalto invadiu a nossa comunidade. Outro dia, um verdadeiro comboio passou por aqui falando ingrês e argentino, assustando todo mundo.
Cerqueira: A senhora quer dizer inglês e espanhol.
Cidinha: Não! Argentino mesmo... Um deles tava até com a camisa da seleção argentina... Escrito Maradona. E o sujeito, além de argentino, era abusado. O senhor não vai acreditar coronel... O gringo pegou meu menino no colo, sem minha autorização, só para tirar retrato. Parecia até politico em campanha eleitoral. Com aquela boca cheia de dentes, rindo do nada. Sou faltou dá beijinho na testa do garoto.
Cerqueira: Interprete como um gesto de carinho.
Cidinha: Carinho nada! Ele quis é aparecer lá pras branconas dele. Tirar foto segurando criança pobre e agarrado na bunda de uma mulatona, pra eles é... É... Ejótico! Eita palavrinha difícil de sair da boca.
Cerqueira: A senhora está exagerando...
Cidinha: Tô não, na terra dos gringos deve ter falta de pobre e de bunda.
Cequeira: (olhando embasbacado para a bunda da Cidinha) E aqui tá sobrando.
Cidinha: (irônica) O senhor tem toda razão. O que não falta aqui na comunidade é bundão. Todo dia chega um de farda.
Cerqueira: O que a senhora quis insinuar?
Cidinha: Nada coronel! Só tô aqui para pedir pro senhor acabar com o rolezinho.
Cerqueira: Eu entendo a aflição da senhora...
Cidinha: Minha só não! É de toda a comunidade do Carambola. Antigamente o povo do asfalto só subia o morro pra fazer um social na boca de fumo, ou em época de eleição, pra arrebanhar votos.
Cerqueira: Mas com a UPP esta realidade mudou.
Cidinha: Mudou sim. Agora tem o tal rolezinho. E o pior é que essa gente, além de assustar os moradores, não consome nada aqui no morro. Até a água mineral, eles trazem lá do asfalto.
Cerqueira: Ok! Eu entendo. Mas eu não posso fazer nada. O direito de ir e vir de todos cidadãos está garantido na Constituição.
Cidinha: Só não esta garantido no Shopping. Não é mesmo?
Cerqueira: Por acaso, a senhora está insinuando que a polícia faz descriminação?
Cidinha: (irônica) Imagina... Quem sou eu pra falar mal da polícia. O povo da imprensa que é malicioso. Fala tudo quanto é tipo de bobagem.
Cerqueira: São todos influenciados por boçais que defendem direitos humanos pra bandidagem.
Cidinha: (desconversando)Coronel, deixando os bandidos de lado... Não dá pro senhor, pelo menos minimizar o problema.
Cerqueira: Qual a sugestão da senhora para gente (gesto de entre aspas) “minimizar” o problema? Dona Cidinha!
Cidinha: Barrando, pelo menos, os rolezinhos da ostentação.
Cerqueira: A senhora pode explicar melhor?
Cidinha: Proibir de subir o morro todo pessoal vestido de roupa de grife, calçado de marca, perfume importado. Enfim... Barrar os limpinhos e cheirosos. É possível?
Cerqueira: Possível e justa. Consultarei os meus superiores e assim que obter resposta, entrarei em contato com a senhora.
Cidinha: Eu agradeço em nome da nossa sofrida comunidade que não suporta mais humilhação.
Cerqueira: E eu que agradeço em nome da corporação a sua compreensão. Faremos tudo que for possível para ajudar a comunidade.
Cidinha: Obrigada pela atenção! Mas antes de ir , eu posso fazer só uma perguntinha? É só pra matar minha curiosidade.
Cerqueira: Pode sim, dona Maria Aparecida.
Cidinha: Coronel Cerqueira... (olhando para o pulso do coronel) Este Rolex de ouro , enfeitando o seu pulso, é ...
Cerqueira: ( cobrindo o relógio com a mão) Do Paraguai!
Cidinha: (saindo de cena falando pra plateia) Eu jurava que era original.
Cerqueira: (gritando) Cabo Anselmo!!!
Fim
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