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Castanho escuro
Pandora Agabo

— Eu estou apaixonada.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Como você sabe dessa vez?
— A minha barriga.
— O que tem ela?
— Fica quente toda vez que ele está por perto.
— Quente? Engraçado, as pessoas geralmente falam de “frio na barriga”.
— Não, a minha fica quente. E a minha cabeça parece uma garrafa de água com gás agitada.
— Como assim?
— Ela fica borbulhando bem nessa região das têmporas e daí vem aqui pra trás, chegando até a nuca, o que, inclusive, atrapalha a minha audição, porque deixa o meu ouvido tampado. E o meu peito...
— Já sei: fica disparado por causa do seu coração.
— Também. E treme... Muito. Eu só espero que ninguém perceba, até porque eu coloco meus ombros pra frente pra disfarçar a minha tremura.
— Me fale sobre ele, quero saber se toda essa sua reação faz sentido.
— Ah... Ele é um bom rapaz.
— Disso eu sei. Você já me contou diversas vezes. “Inteligente, engraçado e educado”.
— Então?
— Fale sobre a aparência dele.
— Mas...
— Confia.
— Tudo bem. Hum... Ele é mais alto que eu.
— Uhum.
— Os cabelos dele são curtos, num corte... Normal.
— Sei.
— A pele dele é... É como a pele de qualquer outro jovem, não sei explicar direito.
— Ta certo.
— Ele tem a boca bem macia.
— Como você sabe?
— Ei! Não precisa me julgar, ta certo?
— Tudo bem, eu só fiquei surpreso. É que você não tinha me contado essa parte.
— Ah! A pele dele é sempre tão quente...
— E nem essa.
— E os olhos dele são castanhos...
— Estávamos indo bem até aqui.
— Desculpa, mas é que não tem como fazer uma boa descrição se não for desse jeito.
— Não peça desculpas, a culpa não é sua. Mas continue.
— Então, são castanhos, assim como os cabelos dele; castanho escuro... Ai, tem certeza que você quer que eu continue?
— Pode continuar.
— Por que você ta rindo?
— É que essas palavras não significam nada pra mim. “Castanho”, “escuro”.
— Então por que insiste que eu continue te contando como ele é?
— É que eu gosto de tentar imaginar.
— Qual é a cor da sua imaginação?
— Não tem como eu saber, eu só enxerguei uma a vida inteira.
— Você sempre foi assim?
— Desde que eu me lembro.
— Eu sempre tive pra mim que os cegos enxergam tudo em preto.
— Não sei os outros, mas eu não enxergo nada.
— Como esse “nada” se parece?
— Pare de falar por alguns instantes.
— ...
— É assim que se parece. Só que para os olhos.
— Por que você fica se torturando? Me fazendo contar sobre como as pessoas ou as coisas são?
— Não é tortura. Isso pode soar estranho, mas é assim que eu enxergo.


Este texto é administrado por: Sabrina Queiroz
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