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Um banquete
(Perdão, Platão)
Alexandru Solomon

Resumo:
A diferença de taxas e o prejuízo resultante são meros detalhes. Este ano, por exemplo, representam mais do que a generosa Bolsa Família.

A cena se desenrola num restaurante de São Paulo. Os comensais, em número de três, debatem acaloradamente – ou nem tanto – a atual conjuntura brasileira. Estão presentes: Lucy, que conseguiu uma autorização especial do CIL (Centro de Integração da Lucy – para aqueles que acabam de chegar, Lucy é aquela nossa ancestral, que resolveu visitar-nos, mercê de um trabalho árduo para o qual contribuiu uma plêiade de cientistas) para participar da ágape, este escriba e um amigo, cujo nome não será declinado. Um pouco intimidada pelo ambiente com o qual não estava acostumada, Lucy guarda um obsequioso silêncio. O amigo, cujo zelo por preservar o anonimato será respeitado, resolve interromper a tediosa tarefa de devorar a entrada e decide monologar:
– Só há duas explicações para as acusações trocadas pelas candidatas à Presidência, quanto a ser a oponente a ‘candidata dos banqueiros’. Descartando a hipótese de elas não terem preparo suficiente – o que seria lamentável, mas nem de todo improvável – resta a hipótese de ambas se valerem do fato de pelo menos 90% do eleitorado padecer de uma total falta de conhecimento. Isso não é novidade. O preconceito é anterior à publicação do livro de Gustavo Barroso, Brasil colônia de banqueiros, da década de 30 do século passado. É indiscutível o ranço medieval dessas ideias. É tão cômodo demonizar banqueiros, escondendo a incompetência ou a má-fé dos governantes. É tão fácil praticar esse tipo de terrorismo... e rende Ibope.
Enquanto a mercadoria for batatas, vergalhões ou petróleo, os ganhos são admissíveis. Quando a mercadoria for dinheiro, tudo muda. Há séculos de obscurantismo por trás disso.
Lucy arregalou os olhos, sinal de espanto e de interesse.
– Então, a Presidenta resolveu chutar o pau da barraca, como dizem vocês.
– Pior, ou igual, ela se vale do tal preconceito enraizado na população, para expor à execração a concorrente que ameaça o projeto petista de perpetuação no poder. Tudo na linha da tal subserviência imaginária aos ricos e poderosos que querem o mal pelo mal. Note que ela bate na candidata que a ameaça, não ataca o mocinho das Alterosas, pelo menos, ao atacá-lo, não usa esse clichezão.
Nisso apareceu o garçom , trazendo o repasto frugal. Os três estão fazendo regime.
Arrisquei uma pergunta, mesmo sabendo que alguns maldosos poderiam ver nisso um crime eleitoral:
– Meu amigo, em quem pretende votar – sei que o voto é secreto e que sua intenção de voto poderá se alterar.
A resposta veio de imediato.
– Votarei na Dilma que tirou milhões da miséria e fez do Brasil um país como nunca antes se viu.
Entreolhamo-nos, e assim que ele se afastou, sugeri privá-lo da gorjeta, plenamente dispensável, já que habitantes do Brasil-maravilha não precisariam dessa insignificância. De nada adiantaria falar em crescimento anêmico do PIB e nos truques contábeis absolutamente ridículos, da equipeconômica (perdão Elio Gaspari) já que para os desinformados aquilo nada representa e para quem entende minimamente do assunto o engodo não funciona.
Após sorver um gole da capitosa bebida que encomendara, meu amigo prosseguiu:
– Merece apoio a ideia, bandeira de extremistas, de auditar a dívida interna. Assim, será possível descobrir, por exemplo, o quanto o Tesouro teve de se endividar pagando juros à taxa Selic para injetar no BNDES, que por sua vez financia a juros que representam algo como a metade disso, prática elegantemente apelidada de anticíclica. Dessa maneira há caras de peroba que afirmam que a dívida líquida não aumenta, já que a cada real colocado no BNDES corresponderá um real aplicado num financiamento virtuoso. A diferença de taxas e o prejuízo resultante são meros detalhes. Este ano, por exemplo, representam mais do que a generosa Bolsa Família.
– Essa é uma novidade? – quis saber Lucy.
– Não, caro primata, não tem o mérito da originalidade. É a volta de uma prática nociva, a tal Conta movimento do Banco do Brasil.
– Sei lá o que era isso.
– Não se preocupe, nem o garçom sabe. Vamos voltar ao nosso papo. A dívida interna é financiada não por banqueiros e sim, na sua maior parte por pessoas físicas e jurídicas. A dívida não está nas mãos dos insaciáveis banqueiros. Os nossos abutres são investidores.
Outro gole, um estalar de língua, e meu amigo prosseguiu:
– E não pensem que falhas conceituais partem de personagens insignificantes. Até o fim da vida o ex vice José Alencar dirigia vitupérios aos juros altos – dos quais as suas empresas se beneficiaram na ponta aplicadora. O grande Ulysses Guimarães achava que, pelo montante de juros já pagos, a dívida pública estaria quitada, até ouvir do professor Delfim Netto que se assim fosse, inquilinos poderiam reivindicar a posse dos imóveis.
Lucy fazia esforços visíveis para acompanhar a conversa. Tamborilava sobre a mesa, sinal de extrema atenção. Finalmente arriscou:
- Mas os juros precisam ser altos?
– A dosimetria dos juros já faz parte do lado artesanal da gestão. Adianto que não é obra de sádicos desalmados.
O BC poderia praticar juros menores, caso não houvesse o descontrole das despesas do governo, sendo a prática dos juros altos a única ferramenta para tentar domar a inflação, já que a indisciplina fiscal, que não precisa ser demonstrada, atua no sentido oposto. Enfim, apertar o acelerador e o breque pode render um cavalo de pau!
– Mas a dívida sobre a qual se paga juros não é a dívida líquida, não? – perguntou Lucy. É a dívida sólida?
– Quase isso. Chama-se dívida bruta. O montante de juros pagos é muito grande. Para diminui-lo é preciso economizar. Por isso fala-se em superávit primário, que é a economia – ou diferença entre receita e despesa – que o governo faz para abater dos juros. O ideal seria ter superávit nominal, ou seja, essa economia estaria cobrindo o montante de juros e sobraria algo para amortiza o principal. Estamos muito longe disso. Até recorremos (recorremos? Não! Quem recorreu foi a turma do ‘nunca antes’) a alguns artifícios, como por exemplo, considerar alguns investimentos tão virtuosos que seu valor nem precisa ser deduzido do tal superávit.
– Ah, então gasta-se mas não levamos em conta? Lucy já preenchia os requisitos suficientes para integrara a atual equipe econômica.
– Exato. Há muita filosofia por trás disso. Há quem ache válido.
– Mas isso não diminui os juros – Lucy tinha poucas ideias, porém, fixas.
– E quem teria a paciência para dar ouvidos a essas noções elementares e dedicar alguns instantes à analise? Os eleitores? A Moody´s? – concluiu meu amigo.
Lucy arriscou um trocadilho:
– A Moody´s não é Surdis.
– Para concluir, nunca vi peça publicitária mais mentirosa do que a obra ‘Santânica’ falando sobre a independência do Banco Central – quatro executivos brincando e a seguir, na mesa do trabalhador uma comida que some. É uma obra prima de má-fé, bem na linha do ”eles” – os perversos ‘eles’– que querem promover o arrocho e o desemprego. Est modus in rebus. Há limites que a decência impõe à engabelação.
O garçom trouxe a conta.
Do alto da erudição recém-adquirida, Lucy perguntou:
– Vamos voltar à pergunta: – Em quem pretende voltar?
– Sabe estou em dúvida entre a Dilma e o Fidelix.
Assim que ele se afastou, decidimos por unanimidade que ele merecia a gorjeta.


Biografia:
Alexandru Solomon, empresário, escritor. Formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar`, ´Um Triângulo de Bermudas`, ´O Desmonte de Vênus` ´Plataforma G` (Ed. Totalidade), ´Bucareste` e ´A luta continua` (Ed. Letraviva). Livrarias: Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Cultura (www.livrariacultura.com.br), Loyola (www.livrarialoyola.com.br), Letraviva (www.letraviva.com.br). | E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br

Este texto é administrado por: Celso Fernandes
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