Uns preferem escutar o silêncio, outros quebrá-lo. Poucos – como Ricardo Flaitt – se candidatam a domesticador de silêncios.
Ricardo converte silêncios desde o tempo em que “caramujo não jazia pra música” e “a vida se tocava por aboios de cigarras”. Aliás, o poeta também se apresenta como “convertidor” de silêncios, tendo convertido recentemente dois “em ária”.
Para nossa alegria, contudo, Ricardo Flaitt é mais que domesticador e convertidor de silêncios. Ele é poeta no sentido mais solene da palavra, pois traz consigo as mãos cheias de calos e a boca repleta de canções. De sorte que, a um só tempo, experimenta linguagens e aponta caminhos.
Porque o poeta – o bom poeta, meninos e meninas – é senhor do seu tempo e espaço. Seu tempo é politizado e sua morada, a linguagem.
E Ricardo Flaitt poetiza e vaticina como ninguém. Ele brinca com as palavras experimental, lúdica e inventivamente, como poucos da nossa tradição poética – João Cabral e Manoel de Barros, por exemplo – ousaram fazer.
Ao ler “O Domesticador de Silêncios” – que recebi autografado via postal, pelo que sou muito grato a RF –, fui levado a evocar também a prosa mineira e universal de Guimarães Rosa. Porque os bons – os muito bons – são universais. Encantando sertões ou domesticando silêncios.
Desconfio que, para se tornar domesticador ou convertidor de silêncios, Ricardo tenha feito um intensivão de sindicalismo de humanidades. Anos a fio falando/escutando as massas. Séculos auscultando camaradagens.
Deu no que deu: um exímio domesticador de silêncios, um poeta sensível aos ecos da linguagem e antenado com os ais dos seus semelhantes.
Enfim, Ricardo Flaitt é um artista completo capaz de maravilhas como esta:
“Eu imitava os olhos de Duchamp
Fazendo rodas de bicicletas sobre bancos nos pensamentos
Meus olhos armavam alçapões pras coisas
E deixavam dicionários pra arvoramentos de sementes.
Eu forjava punhados de terra com engrenagens
E roubava o céu das palavras de Lorca
Pra dar noção de espaço e tempo às moscas e trenas.
E moscas e trenas trocaram centímetros e distâncias
Por infinitâncias no céu dendemim.”
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