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Festa de aniversário
Ricardo Peró Job




Olhou-se longamente no espelho e lamentou a própria imagem. Rosto triste e encovado, olheiras, grandes entradas anunciando uma calvice iminente. Parecia ter bem mais que seus cinqüenta anos, completados naquele dia. Constatou com tristeza que não lembrava em nada o jovem cheio de sonhos, atlético e de longos cabelos de vinte anos atrás. Abriu o tambor do revólver, pra ter certeza de que estava carregado. Botou o cano na boca e engatilhou-o cuidadosamente, para que não disparasse antes da hora.

Raul vivia a pior das solidões. Daquele tipo em que a família, esposa e filhos se fazem presentes na casa, embora não tenham o menor interesse em fazer parte de sua vida. Na qual os amigos não são seus, apenas uma imposição social coordenada pela mulher. Em que os assuntos em pauta se tornam uma rotina, aos quais responde sem vontade, como se fosse um autômato. Onde o sexo, sem variações e cada vez mais raro, tornara-se apenas um costume, um dever a cumprir.
Falava e comia pouco, apenas o necessário para se fazer entender e sobreviver. Os meninos lhe pareciam estranhos e, se não fosse pelo burocrático desinteresse da esposa pelo pelo sexo, duvidaria da paternidade de ambos. O trabalho, numa repartição pública, também não o entusiasmava, apesar do razoável salário. Era considerado um esquisito, um chato pelos colegas e subalternos. O sonho de outrora, quando era um jovem e recém formado bacharel, de prestar concurso para a Promotoria Pública fora abortado pela gravidez da então namorada, atual esposa. Um amigo do pai, na época figurão do município, arrumara-lhe a uma colocação na Prefeitura. Vinte anos depois, ainda conservava o mesmo cargo. O pai, déspota e centralizador, falecera no ano anterior. Para Raul fora um alívio. As visitas mensais ao velho eram verdadeiras seções de tortura. Nelas, o pai fazia questão de lhe lembrar que, apesar de ter-lhe proporcionado todas as oportunidades, tornara-se um zero a esquerda, um fracassado. Da mãe tinha poucas lembranças. Fugira com o advogado da família quando Raul tinha apenas seis anos. Nunca mais tivera notícias dela e seu nome tornou-se proibitório na casa.

O estampido sobressaltou a mulher, que interrompeu a conversa animada que mantinha com os derradeiros convidados da festa. Correu para o banheiro do casal. Os filhos se mantiveram apáticos, não desviando os olhos do aparelho de televisão no qual assistiam a um programa de auditório. As amigas, que acompanharam Marta até o local, recuaram horrorizadas diante da cena. A mulher suspirou fundo, contrariada. Raul, realmente, não tinha senso de oportunidade. Estragara, mais uma vez, a comemoração de seu aniversário.


Biografia:
Ricardo Peró Job, natural de Porto Alegre, RS,residente na Fronteira Oeste do Estado, no município de Uruguaiana é jornalista e articulista do programa Momento 20 da Net. Tem contos publicados em coletâneas e revistas e atualmente é funcionário da Secretaria de Cultura.
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