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Segunda-feira, Eixão, Tia do 19. e o Sr. TX.
Letícia Máximo

21:40, Palmas, segunda-feira, 30 de setembro de 2013
Lá vamos nós mais uma vez, aproveitando o horário de intervalo da aula para praticar.




Dormi pouco ontem a noite e tive que acordar cedo, logo, passaria o dia inteiro de mau humor. Decidida a me tornar uma pessoa melhor, prometi a mim mesma que o dia seria produtivo e que não assustaria ninguém com minha possível cara de bunda, nem agrediria alguém com uma palavra de desafeto.

A manhã foi tranqüila, distribui sorrisos para os motoristas de ônibus e
quase explodi voltando para casa, uma mulher não quis me dar passagem quando havia chegado minha hora de descer:

- Com licença moça, deixa eu só dar uma passadinha aqui - Dei um sorrisinho amarelo, não consegui ser mais simpática que isso. Estava quente de mais e o ônibus lotado de mais.

Ela fez pouco caso, quedou-se inerte. Senti vontade de dá-lhe uma voadora no meio dos peitos para que saísse da minha frente, mas respirei fundo fui distribuindo pedidos de desculpas, me espremendo meio às mochilas e sacolas que insistiam em ocupar o pouco espaço que ainda restava dentro do Eixão no meio dia. Quem é Palmense sabe do que estou falando, se não, pelo menos ouviu falar e certamente está sentindo pena de mim.

Finalmente saí.

Nunca entendi os trajetos dos transportes coletivos aqui em Palmas, tenho que pegar dois ônibus para voltar para minha casa que fica há três quadras da faculdade. Parece absurdo, eu bem que poderia pegar semente um, caminhar pouca coisa e chegar ao destino final, mas preferi evitar a fadiga hoje.

Cheguei na Estação, uma espécie de purgatório um lugar por onde a maioria dos usuários do transporte coletivo da capital tem que passar para saber se vão para o céu ou inferno. Todos os ônibus da cidade passam por lá.

Comi uma saladinha de fruta deliciosa feita pela “Tia do 19”, uma senhorinha muito limpinha que vende salada de fruta (óbvio), refrigerante e água, no ponto onde pego o “19”. Sim, te a linha do 19, 18, 16... por aí vai.

Quer ir à Avenida JK? Pegue o “18 JK” , cuidado com o “18 NS – 04” ele vai para o sentido oposto.

Voltando à minha espera, não demora muito chega o meu ônibus, logo que entro dentro dele me deparo co um senhorzinho moreno, arrumadinho, muito simpático por sinal, sorrindo para mim. Adoro senhorzinhos e senhorinhas, acho um pecado muito grande não dar atenção à eles. Olha que difícil deve ser, estar ali mas ninguém o perceber, ou dar-lhe um bom dia, nem perguntar se está bem.

Acredito que o que emanamos ao mundo um dia nos é dado de volta, e sim, tenho muito medo de que quando estiver gagá, ninguém retribua os meus sorrisos, mesmo que esteja banguela, feliz será aquele que conseguir enxergar alem da minha   gengiva sem dentes.

Sentei-me reto com ele, nas poltronas do outro lado era assento preferencial admito, mas o ônibus estava vazio. Olhei para o lado buscando um olhar de volta, quem sabe ele quisesse conversar, eu iria ouvi-lo. Não obtive sucesso.

Adiante, outro velhinho entrou no ônibus, este falante, sentou-se ao meu lado, pena que faltavam apenas mais três pontos para que eu pudesse descer. Não poderia ouvi-lo muito, se este quisesse conversar um pouco.

Tinha estatura mediana, estava com uma pasta e alguns papéis dentro dela, de calça cinza e camisa branca, ambas devidamente bem passadas, um cinto preto envolvia-lhe a cintura. Lembro do seu rosto, mas ainda sinto dificuldade em descrever traços físicos. Tinha um sorriso encantador, deveras.

- E ai?! Esta trabalhando aqui de novo?

Iniciou o diálogo o velhinho que não quis papo comigo.

- Sim, o destino me trouxe de volta a Palmas. Meus rins pararam quando completei 60 anos e agora estou fazendo hemodiálise.

Disse ele mostrando o braço com algumas marcas para o amigo.

- Sabe como é, sou do Piauí e me acostumei a beber pouca água. Os meus rins pararam porque bebia pouca água.

Intervi nesse momento.

- O senhor é do Piauí?

- Sim, de Guadalupe.

- Que bacana, meu pai é de Jerumenha. – Dei um sorriso empolgado, gosto de encontrar conterrâneos, mesmo sendo Tocantinense de nascença tenho um pezinho no nordeste – O senhor não pensa em voltar?

- Sim, mas minha mulher não quer, sofreu muito lá. Morou lá numa época muito difícil, tinha que ir buscar água muito longe.
Não quis prolongar no lado triste da história.

- Conhece algum Raimundo Rocha por lá?

- Sim, tinha umas terras beirando o Rio Gurguéia. – Ele conhecia mesmo o meu avô paterno - Fui nascido e criado na beira do rio Gurguéia.

- Eu morei dois anos em Floriano.

Ele deu uma longa risada.

- Cidade muito boa.

- Ah, eu também acho!

Ele mais uma vez rindo disse:

- Tem muitas mulheres!!!

Embarquei na brincadeira e sorri também. Ele explicou o por quê da maioria feminina.

- Os homens foram embora para São Paulo em busca de recurso, e as mulheres ficaram lá. Até hoje tenho umas primas tudo “moça véa”, não casa mais não minha filha, não tem homem pra elas.

A risada foi geral. Avistei o ponto em que iria descer.

- Qual o nome do Senhor?

- TX.

- TX?

- É, um T e um X.

- Então tá seu TX, estou indo, fica com Deus, foi um prazer conhecer o senhor.

Levantando ele me solta essa:

- Mas e você minha filha, é casada?

- Não senhor, sou estudante.

Saí acenando um tchauzinho, rindo da situação. Não sei qual o nexo entre o casamento e o estudo. Pensando bem, ambos se unem assim como os nubentes, mas essa relação jamais pode ser desfeita. Nunca haverá a possibilidade de partilha dos bens adquiridos na constância da união.

Mesmo casada com os estudos, estou interessada em flertar com os brotos da cidade. Não quero virar “moça véa”, “sendeira”, uma mulher sozinha e banguela numa casa com 500 gatos pretos e que quase nunca vê a luz do dia. Amanhã mesmo partirei para São Paulo, lugar para o qual, segundo o Senhor TX, todos os homens foram em busca de melhores condições de vida.

Desejem-me sorte.


Biografia:
Tocantinense, 20 e poucos anos de sonho, de sangue e de América do Sul.
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Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Segunda-feira, Eixão, Tia do 19. e o Sr. TX. Letícia Máximo


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