Transtornos Urbanos
Jania Souza
Ando dispersa por tuas ruelas, becos, ruas.
Encontro-me em cada esquina com teu quente hálito de madrugada. Boemia escancarada na calçada.
Sob teus açoites de sóis, derrapo por entre avenidas. Entre um cruzamento e outro, esbarro na beleza ímpar do teu céu de mil cores. Fogo a aquecer cada vez mais meu peito ardente de paixão.
Mas, também, não engano meus sentidos, uma vez que nos mesmos cruzamentos deparo-me invariavelmente com a miséria debruçada na janela de meu peito. Agonizante Cristo derramado na cruz do cruzamento. São jovens, crianças, velhos, por vezes mulheres, evadidos dos guetos, das escolas, das famílias. Buscam, quase sempre, migalhas de centavos. Talvez para enganar a sobrevivência que teima em abandoná-los, ou, é quase certeza, alimentarão a monstruosidade do vício, do álcool, do craque, que roubam seus últimos suspiros.
Realmente tu és contraditória, bela poética por um lado, triste drama no reverso.
Esse teu espírito deslumbrante encanta-me. Continuo a namorar-te incansavelmente sem tentar decifrar teus desencantos.
Tomo tua mão, andarilha, sem destino, carrego-te na aventura do descobrir-se.
Vagamos de bar em bar, onde incautos derramam suas mágoas no copo ou fingem que a alegria vem da embriaguez química.
Nas casas, há famílias que se compreendem, ou tentam chegar a algum lugar comum à felicidade. Mas também há casas com pedaços de pessoas que se amontoam sem qualquer significado.
Essa é a incoerência do ser que te habita. Sem se compreender também não consegue compreender seu estar, seu permanecer, seu relacionar. Permanece caótico nos buracos que invadem as ruas, obstruindo teu doce sussurrar convidativo ao amar, ao poetar, ao espraiar-se na doce areia de teu verde mar.
Vagalumes não iluminam mais tuas noites, dantes deslumbrantes de estrelas. Essas foram roubadas pelas luzes de neon dos edifícios que esconderam o azul e o mais revoltante, apagaram o ocaso apaixonante sobre as águas do rio em que me banhei.
Ah! Mas resta leve felicidade, o canto dos pássaros voltou as tuas árvores e entre tristezas e afagos, pode-se vislumbrar a esperança sempre presente no final do túnel das contradições.
Valsamos entre frevos e cocos pelas avenidas. Outra vez podemos deliciar-nos com os trejeitos fagueiros do teu povo hospitaleiro que teima em não desistir do viver, embora a violência engula a cada dia seus muitos filhos.
Tuas flores perfumam mais o ar e xananas desabrocham teimosamente nos canteiros sorrindo das tuas peraltices que encantam mesmo quando vêm tremendas tempestades e alagam-te cruelmente impedindo nosso romântico trafegar de namorados.
Eh! Minha querida, a urbanidade causa transtornos em teu dia a dia e nós ficamos separadas ante os distúrbios da incompreensão voraz a arregaçar nossas mangas em busca de soluções quase sempre incompreendidas, quase sempre esquecidas toda vez que há uma mudança de gestão governamental, que ignora as realizações anteriores e tenta novas sem qualquer compromisso contigo e com tua população que continua sempre órfão nas mãos de vilões aproveitadores mascarados de ovelhas da salvação. Esse é o grande pecado da credulidade humana.
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Biografia: JANIA SOUZA, potiguar da cidade de Natal, bancária da Caixa, economista, contadora, ativista cultural, poeta, escritora, artista plástica. Sócia Fundadora da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN (SPVA/RN), onde exerceu os cargos de Coordenação Geral; Direção Executiva; Direção de Eventos; atualmente integra o Conselho Fiscal. Organizou as edições da ANTOLOGIA LITERÁRIA da SPVA/RN, volumes 01, 02, 04 e 05, encontra-se a organizar o vol. 06. Participação em várias coletâneas nacionais, inclusive na Komedi e na Nau Literária. Pacifista e voluntária no Projeto Fraldinha, que promove a construção de uma consciência cidadã em crianças a partir dos 04 anos até jovens com mais de 20 através da prática do esporte futebol, xadrez e palestras. Sócia da UBE/RNA; AJEB/RN; Clube dos Escritores de Piracicaba. Afirma que a arma da vida é a leitura. Contato: www.janiasouzaspvarncultural.blogspot.com |