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A INCINERADORA
Pablo Treuffar

Cresci numa família pseudonormal
Meus pais não eram permissivos
Ao contrário
Extremistas religiosos
Frequentavam a Igreja Universal
Eu odiava esse ritual
À época, eu não entendia nada.
Não sabia a verdade
A virada da minha vida aconteceu
Três pastores amigos do meu irmão trancaram-me num galpão e me estupraram
Nunca contei pra ninguém
De menina boazinha a monstra em uma tarde
Passei anos chorando em sublimação solitária
Depois, comecei a permitir-me ser agressiva.
Principalmente com meu irmão, a quem culpei por minha tarde de sodomia.
Planejei tudo
Mas depois de matá-lo fiquei meio arrependida
Ele parecia inocente quando arranquei seus olhos
Deve ter morrido sem saber o acontecido naquele galpão
Pois é
Eu não
Sou uma morta viva
E por isso só dei o tiro de misericórdia na nuca dele depois de três dias de tortura
Um dia para cada estuprador
O problema de matar alguém é saber como livrar-se do corpo
Aprendendo a sumir com os restos mortais, matar torna-se corriqueiro.
No caso do meu irmão
Meu primeiro óbito voluntário
Eu o esquartejei e o levei aos pedaços, dia após dia, para a Funerária Incineradora Boa Morte, onde trabalho.
Apesar de ter nojo de homens
Sou amante do dono
Assim fica fácil misturar os pedaços dos meus cadáveres nas incineradoras diárias
Depois é mamão com açúcar
Melzinho na chupeta
Não existe célula que tolere temperatura acima de 1000 graus
Esse calor é suficiente para derreter até a alma de quem sonhava reencarnar
Perdi a conta de quantos mandei pro inferno
Foi por isso que arrumei esse emprego
Para trucidar
Adoro saber que as cinzas entregues às famílias estão juntas com pedaços de outros defuntos
Depois de muitos matarmos, o gosto pelo insano fica apurado.
Fico molhadinha
Voltando à minha família
Em seguida ao sumiço do meu irmão, meus pais pioraram muito.
Oravam dúzias de salmos por dia
Eu não aguentava mais
Comecei a pensar em matá-los
Principalmente depois de ver meu pai e os três pastores algozes da minha felicidade inócua comendo mamãe na matinha
Excessos emocionais geram desarmonia
Não demorou muito
Esquartejei meu pai e o mandei aos pedaços para incineradora
Nesse caso específico, guardei pedacinhos e botei na sopa da minha mãezinha.
Foi lindo vê-la comendo-o
Matei-a logo depois dessa cena
Martelei sua cabeça até seu cérebro virar patê
Requintes de crueldade
Hoje tenho pencas de corpos para incinerar
Quantos mais, eu não sei precisar.
Todos cortadinhos e embalados nos meus freezers
Não tem um dia que eu não queime uma mão
Um pé
Uma cabeça
Ou qualquer outra parte do corpo desumano
As cabeças dão algum trabalho de transportar
Boa bosta
Logo todos estarão em suas urnas sublocadas
Sem coração
Doa quem doer
Eu planto ódio para colher desamor
Quanto aos meus três estupradores
Vou deixá-los vivos até suas filhas crescerem
Depois vou estuprá-las com um pé-de-cabra até a morte diante dos olhos pastorais
Estamos todos fadados de injúria
A morte começa viva
Meu compromisso é sobreviver


Biografia:
PABLO TREUFFAR é carioca, nasceu numa manhã de domingo, no outono de 74. Estudou jornalismo, está Servidor Público, Mas é vagabundo. PUBLICAÇÕES IMPRESSAS: - 1 - (adoençaéadesculpadocaráter - Pablo Treuffar - Eitora Multifoco "2011") - 2 - (Bar do Escritor – antologia - Anarquia Brasileira de Letras - Editora: LGE “2009”) - 3 - (Bar do Escritor – antologia - Edição No 2 Brand - Editora: Kelps “2010”) - 4 - (Bar do Escritor - antologia - Terceira Dose - Editora: Netebooks “2011”) - 5 - Pablo Treuffar pode ser lido em http://www.pablotreuffar.com/
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