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LADY LAURA
Eduardo Borsato



          “Fazemos trabalhos de amarração vodu. O que é um boneco vodu e seus efeitos e um totem usado em vários rituais vuduístas de tradições e aparentemente um inocente objeto, que por meio do ritual apropriado e certo procedimento se torna altamente efetivo para capturar a alma de uma pessoa e a obrigando a nos dar tudo que queremos amor dinheiro sexo fidelidade não importa qual seja o seu problema o vodu resolve. Somos especialistas em amarrações amorosas fazemos e desfazemos qualquer tipo de trabalho espiritual consultas com hora marcada através de búzios ou cartas ciganas telefones de contato
77-58933-9725 BRASIL.
Bruxo Reginaldo e Mãe Marta.”

PARA UM PARTO NORMAL
     “O marido deve correr atrás da mulher batendo-lhe com um chinelo ou sapato velho no traseiro (nádegas). A surra sim-bólica deve ser aplicada por todos os cômodos da casa. O mari-do, no momento em que dá a chinelada, deve dizer: –Mulher, corre, apanha, eu te bato. E a mulher deve responder: –Valei-me minha Nossa Senhora, para que eu tenha um bom parto.

PARA DESENGASGAR ENGASGADO COM ESPINHA DE PEIXE
     “Enrole no pescoço da pessoa um cinto virgem–mas, por favor, tenha o cuidado de não apertá-lo. Recita-se então:
     Homem bom e mulher má,   
        casa varrida,
        esteira rota.   
        Senhor São Brás disse   
        a seu moço que subisse   
        ou que descesse   
        a espinha do pescoço.
     
     Em seguida, desenrole o cinto, que deve ser pendurado no primeiro galho da árvore mais próxima, de dentro ou de fora da casa.”
     
AS ALMAS
     E assim se ergueram os edifícios e as casas do Campo Grande e o povo nelas habitou. E das casas e dos edifícios jor-rou o ódio, que caiu em cinzas e fogo sobre o povo. Reunidos, tentaram ganhar os céus, mas as bestas os cercaram. Caíram sob suas patas o choro e o grito das criancinhas, bolas de sangue cobriram a aurora. Madame Olivia entreabriu as venezianas do sobradinho na Rua Albertina, gritou “ai, ai” três vezes, voltou para o leito, para os braços fartos de Neuzinha, que ronronou: “Poxa, amor! Cansadinha não? Eu tô morta. Minha pombinha tá até ardendo”, enquanto no apartamento ao lado Lili, a bruxa, atendia uma cliente. Tinha poderes, bruxa Lili: antevia, nas madrugadas, o dia vindouro; no dia vindouro a noite a seguir e, nela, os vagos vagidos, os grossos gemidos.
     A cliente:     
     –De prazer ou de dor?
     –Não sei ainda. Só sei que...
     Calou-se. Nas cartas tinha entrevisto sua própria morte.
     
     Neuzinha se virou para Olívia:
     –Se lembra, amor?
     –Do quê?
     –Lili.
     –A bruxa?
     –Faz dez anos. Hoje.
     –Já?
     –Ficou à morte.
     –Desenganada.
     –Os médicos davam horas.
     –No máximo.
     –Pois foi aí... foi aí...
     Neuzinha se emocionou, suspirou fundo, revirou os olhi-nhos, apertou a mão de Olivia, fizeram o relato:
     Neuzinha:
     –Era meia noite. Em ponto. Chovia pra burro.
     Olívia:
     –De repente, a gente começou a ouvir uma música maravilhosa.
     –Tão doce... ai... como era...
     –Lady Laura. Do Rei. O Roberto.
     –Aí ela começou a se mexer na cama.
     –A gente quase morreu de susto.
     –Mais ainda quando ela começou a se erguer.
     –A música era tão forte que a gente quase não enxergava mais nada.
     –Foi aí... foi aí...
     –Que ela pegou o pescoço da enfermeira. Negona forte.
     –Ela chupou pela carótida a alma da negona.
     –Que caiu dura, mortinha da silva.
     E Lili, rediviva, uma linda princesa de conto de fadas, limpando as gotinhas de sangue do rico vestido de filó azul tur-quesa esvoaçante, dos caninos perfeitos, branquíssimos, num suspiro puxado do mais fundo do peito:
     –Ai, agora vou viver mais dez anos assim, linda, jovem e virgem.
     Olívia, num espanto:
     –Virgem também?
     Neuzinha:
     –E depois?
     Lili sorriu, piscou os grandes olhos verde azulados:
     –Vou ouvir de novo Lady Laura, vou roubar outra alma, vou viver mais dez anos.
     A figura de Lili se esfumou. Breve pausa. Então Olívia, trêmula:
     –Peraí... peraí...
     –Que foi?
     –Você disse que hoje faz dez anos...
     –Faz.
     –E ela tá com uma cliente...
     –Vi entrar.
     –E ela tá um caco...
     –Acabadona.
     –E a música que a gente tá ouvindo? Não é a Lady Lau-ra?
     Pausa bravíssima. As duas, em pânico:
     –Ai, meu Deus! Ai, meu Deus do céu!

                    ***
     
     Pretensões à eternidade, através da apreensão ou dação de almas, não é, ao contrário do que talvez se possa cogitar, prática incomum nas sociedades cabralinas ou pré-cabralinas. Nas grutas do alto Purus, foram encontradas inscrições rupestres que atestam tal prática entre os indivíduos dos troncos linguísticos aruák, jê e arawá, no período datado entre os séculos XII e XIII a.C. Da mesma forma na baixa Mesopotâmia, de conformidade com os depoimentos de Sir Charles Levington e outros, acerca dos vestígios encontrados ao longo dos sítios arqueológicos à margem dos rios Escamandro e Estige, já em meados da era paleozoica. Relatos elucidativos foram também colhidos entre os indivíduos das populações ribeirinhas. Entre eles, era comum a história do rei zulu que mantinha em seu séquito numeroso contingente de escravos etíopes eunucos, púberes e impúberes, com a única finalidade de se apossar de suas almas. Os escravos eram castrados aos dez anos de idade, cegados do olho esquerdo aos quinze, do direito aos dezenove. Aos vinte e dois, tinham as almas transferidas para garrafinhas de Coca-Cola diet e passavam à condição de zumbis até aos vinte e cinco. Tinham então a carótida cortada e os corpos jogados aos crocodilos do Nilo. O rei foi morto numa emboscada armada pelos guerreiros de uma tribo rival. Tinha cento e oitenta e cinco anos. As garrafas de Coca-Cola não foram localizadas.

                  ***
     
     E a notícia das almas aprisionadas chegou ao Campo Grande. E com ela o desejo de imortalidade. E todos se lança-ram em busca das garrafas que aprisionavam as almas. As crianças, puxadas pelas mães; os velhos tropeçando no passado; as donzelas acariciando sonhos futuros; os jovens açulando ventos, sobre todos a mão direita do Senhor, a mão esquerda de Satanás.
     Cavucaram toda a praça central e depois as ruas de um lado e do outro do viaduto. E sucedeu que dias e dias se passa-ram e eles nada encontrassem. Como insistissem, sempre com o mesmo resultado, muitos começaram a desacoroçoar. E para que todos não esmorecessem de vez, reuniram-se em assembleia e concluíram que se ouvissem juntos Lady Laura a música lhes daria a inspiração necessária e encontrariam enfim o lugar que tanto buscavam. Naquele e nos seguintes dias, por todo o Campo Grande soou a melodia, ensurdecendo os pardais, emudecendo as cotovias. Foi então que houve um grande estrondo e espessa fumaça cobriu a praça. De dentro dela surgiu o rei zulu e seu séquito de eunucos. E ficaram olhando para o povo e o povo ficou olhando para eles. Então outro estrondo se deu, outro buraco se abriu e dentro dele apareceram as garrafinhas. E o rei e seu séquito as pegaram e uma nuvem surgiu e os levou.
     E o povo todo ficou olhando enquanto eles subiam e subiam e sumiam e sumiam bem alto lá no céu. Então dos olhos do povo desceu uma lágrima. Bela como a aurora, mas fugidia como as fugidias princesas com as quais sonhamos em nossos mais secretos sonhos.




Biografia:
Escritor não tem currículo nem biografia. Escritor tem talento, texto, amor, ódio e muita hipocrisia. contato@eduardo.borsato.nom.br
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Contos O reencarnado Eduardo Borsato

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