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Abaixo a lingerie!
´´Floresce o preconceito.``
Alexandru Solomon

Resumo:
A SPM descarrilou em nome do ‘politicamente correto’. O próximo passo será, quem sabe, insurgir-se contra a Lisistrata de Aristófanes, e sua greve do sexo – se bem que uma ‘ala progressista’ possa encontrar méritos na apologia da greve. Bem, em 400 a.c não havia greve.

Céus, o que fui escrever! Os caçadores de segundos sentidos – normalmente, aqueles que nem o primeiro conseguem identificar – devem estar indignados. Um pouco de calma!
Tudo começou com o comercial da HOPE. Se não houvesse tanto alarido, confesso que provavelmente não teria assistido a essa famosa propaganda. Agora, o mal está feito, graças ao YouTube sei tudo! Em resumo, para aqueles que ainda não sabem, e morrem de curiosidade, trata-se de três peças publicitárias – confesso envergonhado que só vi uma. Numa, Gisele Bündchen aparece primeiro vestindo roupas ‘normais’, avisando um interlocutor oculto – mesmo se aparecesse, suspeito que não mereceria o mais distraído dos olhares – que acabou de bater o carro. Reprovando essa estratégia, a agência publicitária apresenta a alternativa ‘correta’. Gisele aparece com o ‘uniforme ‘ da grife e dá a mesma informação. Essa é a maneira recomendável de acordo com o anúncio.
Em suma, uma mensagem bem-humorada.
Certo?
Errado! Pelo menos é o que pensa a SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres, ligada à Presidência da República. De acordo com o Estadão, a Secretaria alega ter recebido “reclamações de indignação” (sic). Parece que existem diversos tipos de reclamações, sendo as de indignação as mais poderosas. A Secretaria enviou ofícios – ao Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), solicitando a suspensão da propaganda, bem como a companhia, manifestando seu repúdio.
Na visão da SPM esses comerciais reforçam “o estereótipo da mulher como objeto sexual do marido e ignoramos avanços alcançados”.
A SPM descarrilou em nome do ‘politicamente correto’. O próximo passo será, quem sabe, insurgir-se contra a Lisistrata de Aristófanes, e sua greve do sexo – se bem que uma ‘ala progressista’ possa encontrar méritos na apologia da greve. Bem, em 400 a.c não havia greve. É de conhecimento de todo leitor do opúsculo que revela ao mundo que “os menino pega os peixe”, que o nome deriva de uma praça de Paris – Place de Gréve –, de cuja existência Aristófanes, salvo grotesco anacronismo, não tinha a mais vaga idéia.
Por que essa digressão? Voltemos à Lisistrata. Na comédia homônima, ela e algumas amigas, atenienses, espartanas, beócias etc., insurgem-se contra a guerra, e para demover seus maridos dessa empreitada insensata, decidem negar-lhes ‘seus favores’, como se dizia uns séculos atrás, cultuando um doce eufemismo. Não bastasse isso, Lisistrata convenceu as amigas a desfilar com roupas transparentes e... melhor não prosseguir na enumeração dos detalhes. Caramba! Há mais de dois mil anos estratégias iguais à da Hope eram colocadas em prática. O que fazer? Banir também essa peça “para desconstruir práticas e pensamentos sexistas”. Naquela peça encontramos uma frase que mostra que houve falhas em “orientar, fiscalizar e controlar” o autor. Diz ele, por intermédio de uma das personagens: “Quando não estão pensando em um homem é porque estão pensando em vários”. Um horror! E mutatis mutandis, isso estaria acontecendo também com os sátiros desejosos de aplacar sua concupiscência. Aristófanes não rebaixou a mulher, apenas ressaltou um trunfo, cuja validade ainda não expirou. Até o PROCON concorda.
Assediados que somos por peças de humor grosseiro, na programação televisiva, deparar-nos com esse tipo de crítica não leva a nada.
A situação descrita é cômica. Se não consegue provocar o riso, ao menos fez sorrir inúmeras pessoas, menos aquelas acometidas da tal indignação. O homem é um animal que sabe rir, sustenta Bergson, citando outros filósofos. Apesar de ele ter se doutorado pela Universidade de Paris e não por Sciences Po, vale dar-lhe um crédito. O que provoca o riso são exatamente cenas insólitas como essas que tanto incomodaram a SPM.
Decerto seria deselegante, para não dizer injurioso, aludir a essa iniciativa como sendo originada por pessoas “de evolução intelectual prejudicada” – para ficar no terreno do politicamente correto. Como não estou pretendendo ser acusado de injúria, mesmo que isso possa ajudar na promoção dos meus livros, melhor moderar os termos e optar por caracterizar essa iniciativa, como tendo partido de pessoas desprovidas de senso de humor.
Acredito piamente que uma peça bem-humorada não fere o status conquistados pelas mulheres. Todos sabem que na última sessão da ONU o discurso inaugural foi proferido por uma mulher. A ninguém ocorreria imaginar Madame Curie de calcinha e sutiã. E mesmo se alguma mente pervertida se deixasse seduzir por essa imagem, não seria a partir disso que a lingerie da Hope estouraria em vendas.
É lamentável que haja desperdício de energia e oratória por parte de um órgão ligado à Presidência da República, procurando intenções malévolas naquelas propagandas. Sem contar que o efeito provável será o contrário. A audiência vai ‘bombar’.


Biografia:
Alexandru Solomon, empresário, escritor. Formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar`, ´Um Triângulo de Bermudas`, ´O Desmonte de Vênus` (Ed. Totalidade), ´Bucareste` e ´Plataforma G` (Ed. Letraviva). Livrarias: Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Cultura (www.livrariacultura.com.br), Loyola (www.livrarialoyola.com.br), Letraviva (www.letraviva.com.br). | E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br

Este texto é administrado por: Celso Fernandes
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