Depois de décadas de uso, o tempo marcava seu corpo com camadas de ferrugem, assim como as manchas de senilidade marcam as pessoas... O marrom de vários tons contrastava com a cor prateada de sua “cabeça” plana, conferindo-lhe um ar de respeito, certa beleza.
Como se fosse um tesouro submerso no tempo, sentia-se parte da parede, imóvel, porém atento! Um trabalhador que orgulha-se de sua função, a qual compartilhava com outros colegas; a de sustentar as diversas chaves do Palacete.
Da antiga parede da cozinha, onde havia sido colocado, observava as transformações que o passar dos anos impunham a seus moradores; escutava as ordens da Senhora, as poucas palavras das empregadas, o choro dos recém-nascidos, espiava os beijos curiosos e furtivos dos jovens namorados. Não entendia, muitas vezes, por que havia tristeza e saudade no olhar das pessoas, vestidas com roupas pretas...
As recordações tomavam conta de sua mente, no entanto eram apenas lembranças de acontecimentos que aos poucos foram substituídos por outros... Da Senhora, imaginava, restava um belo e imponente quadro pendurado acima da lareira, o número de empregadas e crianças diminuiu. Podia ouvir os sons da reforma que se aproximava...
Não ficou surpreso quando escutou alguém falar:
_ Tire o prego da parede!
O mesmo martelo que um dia o colocou naquele local, obedecendo à ordem o retira da parede...
Vanice Ferreira
05/10/2009
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