Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Assim falava Chatathustra
A crônica do Alexandru Solomon
Alexandru Solomon

Resumo:
O tempo não pára. Já dizia aquele locutor: o tempo passa! A civilização avança a passos de gigante.

O tempo não pára. Já dizia aquele locutor: o tempo passa! A civilização avança a passos de gigante. Os gigantes, mesmo os adormecidos, se tornam cada vez maiores, logo, seus passos pouco ficam a dever aos de um corredor olímpico, tornando a marcha irresistível. Os progressos consignados pelos jornais e pelas contas telefônicas brindam os contemporâneos, obrigando-os a uma rápida adaptação. A Internet surgiu, na sua forma mais familiar, há pouco tempo, mas já domina a aldeia global. Nos bate-papos, unidos por circunstâncias fortuitas, os internautas interagem, conversam, se relacionam e se emocionam usando uma nova linguagem. Orwell até que não errou completamente ao falar em novlíngua. Na ânsia de tornar a comunicação mais rápida, a gramática é atropelada sem escrúpulos, abreviaturas não convencionais prosperam, novas saudações passam a integrar a etiqueta da Internet. Perdão da...Net. Isso aí, é a Netiqueta que pede passagem. Alguns símbolos gráficos, chamados de ‘emoticons’ substituem a entonação, por enquanto ausente, tornando mais vívido o diálogo. Observemos. No início, para os menos versados, iremos dar as explicações, cada vez mais desnecessárias, à medida que a leitura for progredir, sendo que, a partir da metade do texto, o leitor já estará apto a acompanhar esses saborosos diálogos que varrem as madrugadas e dos quais segue uma amostra. Caso não ocorra essa integração, recomenda-se um pouco de calma. É a postura tranqüila com a qual a maioria testemunha e assimila um presumível avanço da sociedade. Se a acham limitada, é por falta de ações radicais. Explica-se: Sociedade limitada não possui ações. KKKK ( essa é uma risada alegre).
Silêncio, estamos numa sala de chat. Uma sala de bate-papo na qual ocorrem encontros de amigos virtuais. Habemus chat. Ou seja estamos num ‘paraíso artificial’. O esplendor de uma nova era invade as telas dos computadores.
– Gente, a todos vcs (vocês. A pressa em teclar é cúmplice da rapidez) um beijo iluminado no coração.(Não, não se trata de um beijo Jatene, ou Barnard apenas uma gentileza, nada invasiva. Alguns pedantes falam em beijo Rembrandt, aludindo à famosa lição de anatomia...frescura, gente)
– Oieeeeee, (Alegre saudação) de onde tc? ( de onde tecla)
– Tem alguma importância? De algum lugar-;)) (sorriso, marcando o senso de humor de um, ao pedir compreensão ao outro, sem revelar a localização do esconderijo)
- KKKKKK (risada. Há de se convir que o chiste é muitíssimo engraçado) gracinha vc. (obviamente, vc. é o singular de vcs.)
Era uma rotina que se repetia com alguma freqüência. Evilásio recheava muitas horas, ou as esvaziava, em companhia do seu PC, lincadão (conectado, flexão de ‘link’, leitor intransigente) na Net. O que o estaria atraindo de forma irresistível? Mal saberia dizer.
– Estou procurando uma gatinha gaúcha. Sou H.cas.(Sim, trata-se de um homem casado e a procura por uma gata, obviamente, não o torna empregado do serviço de Zoonoses) E se alguém fosse perguntar pq? (por que? Como é fácil, estão vendo?), gaúcha, com certeza ele não saberia responder por qual motivo sua preferência se situava ao sul de Mampituba. O chat (o bate-papo, desculpem-nos os puristas e os ecologistas defensores da flor do Lácio, era a última mesmo, né?) exercia sobre ele um fascínio irresistível, ao qual somava-se uma estranha atração para o ambiente dos pampas e do chimarrão. Talvez quisesse mumu ( desta vez trata-se apenas de um regionalismo). Decerto, Oscar Wilde afirmaria, se vivo: ‘A vida imita o chat’. Por este motivo tudo se torna cristalino. Pois era dele, O.W. o corolário: ‘É possível resistir a tudo menos a tentação...de entrar num chat’. E se o próprio O.W. fosse entrar, seria em qual sala? Onde estaria UOLando (Merchandising gratuito do provedor Universo on-line, o qual haverá de retribuir...um dia...KKKK) o eternamente bem-conservado Dorian Gray?
“Ao vencedor as batatas e ao internauta, as batatas fritas”, dizia Evilásio de si para si. Refestelado na sua poltrona, com os sandubas a serem detonados, surfava em busca de aventuras. A sua prancha, talvez tábua de salvação, diriam os maldosos, era o seu nick (codinome, aparentemente abreviatura de ‘nickname’). A maneira de manter-se anônimo, é adotar um nick. Para ser bem sucedido nas salas de chat, a beleza do nick, que os mais feios nos perdoem, mas blz ( abaixo as vogais!) do nick é fundamentaL. Blz?? Adepto convicto do mononickismo,(neologismo em cima de neologismo, só para despistar), Evilásio usava única e exclusivamente: Rebelde(h). Melhor que qualquer coleção de cromossomos, (h) indicava de forma inequívoca, ser homem o tal Rebelde. E para fingir melhor, um único nick se adapta como uma luva. Nada de alter ego ou de alter nick, conceito esse que revoltaria o velho Freud...Pobre Freud, mas o download dele foi feito faz tempo.
– Chateiro é um fingidor, viu galera, finge tão completamente...Chat também é cultura. Na sua busca, naum (Aqui, convenhamos, ficamos perplexos. O vocábulo ‘Não’ é mais curto e universalmente aceito, inclusive pela Academia Brasileira de Letras, pré ou pós PC. Ao falar em PC, estamos nos referindo ao computador pessoal e não ao imortal Paul Rabbit. Quanto ao naum, talvez estejamos numa situação raríssima na qual a abreviatura é mais extensa que a palavra abreviada, assim como essa digressão corre o risco de se tornar maior que o texto ao qual pertence) conseguia se livrar de alguns princípios que mexiam d+ (Demais, essa foi fácil demais, né?) com sua cabeça. Certa feita confidenciou a 20ver, (Vim te ver, engenhoso artifício, como também 1000itar, 100vergonha cuja identificação fica aqui a título de exercício). Gatinha, qualquer satisfação, o que vulgarmente se chama felicidade, é, na realidade, de essência sempre negativa, e de nenhum modo positiva .
– Nossa!
– NÃO É NOSSA, É SCHOPENHAUER.(Usa-se caixa alta para indicar um grito).
– “Chopi”, pra mim é Brahma. (Note-se uma certa falta de envolvimento da ‘conteclante’, digo, interlocutora. Estamos ainda na fase preliminar do papo. Qualquer palavra empregada desastradamente pode romper o frágil vínculo. A conversa poderia morrer nesse estágio e seria uma pena).
– Smackkks (feliz onomatopéia, a retratar ósculo mas sem originalidade. Consta em vários gibis) querida, suspira Rebelde(h), entre um sanduba e uma pausa para reflexão. Na falta de uma resposta, seguindo a filosofia das sábias falas dos jogadores de futebol, só resta levantar a cabeça e partir para outra. Mesmo no chat, a indiferença continua um abominável crime. Na situação acima, o smack veio tarde demais. É sempre uma questão delicada, de timing, cuja conseqüência será quebrar o gelo ou quebrar o pau. O que deixou de acontecer? Muita coisa. Essa interrupção intempestiva eliminou a possibilidade de ambos responder a pergunta crucial: Como vc. é? Nesses momentos, pelas descrições, a serem elas verdadeiras, estarão frente a frente dois padrões de beleza clássica. O mouse é imbatível para remover rugas e corrigir imperfeições. Pena mesmo que a conversa não tenha prosseguido.
Quando Mei@ hor@ (mero adereço gráfico) entrou na sala de chat, naquele dia, que deveria marcá-lo para sempre, com a marca indelével do vínculo chatal, ( Certo, essa palavra encerra um certo entreguismo. Preferem bate-papal?) Rebelde(h) estava refletindo. Hegeliano por formação, examinava o denso mistério do chat, a luz do pensamento do mestre. Não há nada no efeito que não esteja também dentro da causa, e a causa somente é causa dentro do efeito. (não precisam entender, eu só queria explicar)
– Tenho apenas mei@ hor@, procuro um papo inteligente.– (está lançado o desafio)
– Não há, em lugar algum, qualquer ser que possa ser considerado absolutamente necessário nem no mundo, nem fora dele... (profundo pensamento de Evilásio; será que é dele?) Papo inteligente é um evento circunstancial que independe da qualidade do ser.
– Já está me desprezando?
– Apenas citando Kant ‘Crítica da razão pura’ diz um Evilásio meditabundo,(era profundo, mas não era dele. Ao menos citando a fonte, não há acusação de plágio que resista) depois de uma pausa introspectiva, dedicada a fazer desaparecer uma fatia de presunto, tributo ao seu apetite famélico à prova dos ensina­mentos dos Vigilantes do Peso.
– KD vc?(onde está você? maneira familiar de manifestar a inquietação ante a demora da resposta). Tá tc com outra? Tou certa disso, pq entrei no res. (No reservado. Hábil artifício que possibilita um caráter privado às conversas) da Loirinha de pijama verde (mais um nick. O uso do nick não é exclusivo, havendo vários casos de homonímia. Os casos de homonímia dolosa são alcunhados de clonagem. Não há direitos autorais envolvidos, de sorte que o mesmo nick pode ser usado por diferentes pessoas, assim como a mesma pessoa pode usar diferentes nicks– caso de poli-nickismo) e ela me disse que sabe que vc é mto (muito. Mais claro, impossível) paquerador. (Mal começaram a conversar nem trocaram cartões de visita e eis que mei@ hor@ dá mostras de despotismo. Usualmente há uma série de perguntas preliminares, através das quais os ‘conteclantes’ se esforçam a obter o máximo de informações a respeito do interlocutor. Responder com sinceridade é desejável, mas não é obrigatório. )
– É uma loucura dizer isso, defende-se Evilásio, rejeitando a insinuação de ser ele paquerador, mas só a loucura tem a virtude de prolongar a juventude, embora fugacíssima, e de retardar bastante a malfadada velhice.
– Agradeceria se a partir de agora, te mantivesses distante da minha vida.
– Pq diz isso? Só pq fiz menção ao Elogio da Loucura? (Evilásio está abafando!)
– Ora, a Loirinha disse que tu sempre age (sic) assim.(Insensível à erudição do interlocutor, Mei@ hor@ dá continuidade ao requisitório). Como poderia eu conviver com a certeza da dúvida quanto à certeza não ser tão duvidosamente mutável? (Evilásio encontrou oponente à altura. Há uma certa falta de doçura, mas ninguém é perfeito)
– A loirinha... O que ela diz, vc acolhe. Ao lado do próximo vos agrupais, e para tanto com belas palavras. Porém vos digo: vosso amor pelo próximo é vosso mau amor para vós mesma. Será essa a marca da incerteza?
– ‘Minino’, concordo que devamos usar a linguagem do futuro. Esses babadinhos cheios de ‘vòs.’ Hummmmmm (Como se a segunda pessoa do plural fosse algo Hummm... Mataram em cima? Expressão dubitativa)
– Nietzsche é o futuro. Não acha?
– Faz-me rir. -:) (A afirmação vem acompanhada de um sorriso)
– Peraí... Engano, esse é o Corinthians (Opinião isolada) RDTR. (Rolando de tanto rir, parente de MDR, morrendo de rir, designações algo exageradas de estados de hilaridade. )
– Olha, reservadamente, creio que deva se catar... .há um bocado de paixão clubística nisso, não gosto.-((( (carinha triste, desapontada)
– Discordo, embora deva admitir, como o fez Spinoza : Toda idéia que em nós for absoluta – em outras palavras adequada e perfeita – é verdadeira. Sua solicitação é verdadeira. Por falar nisso, não quer me dar seu telefone??? ( O letrado Evilásio está atacando, querendo diversificar os canais de comunicação. Será com propósitos inconfessáveis? Veremos. Sobretudo, não pensem ser o chat uma espécie de lupanar on-line!)
– KKKKK, e eu fico sem???? (Encontra, porém, forte oposição consubstanciada nessa judiciosa observação. Essa sutileza aparece em outros diálogos, não estranhe, caro leitor.)
– MDR. É só o número. (Tornando mais objetiva a solicitação) Pode?... Se de fato trocaram os números se foram felizes ou não, é uma informação que, por enquanto, ficará envolta numa aura de mistério. Contam os mais próximos, que Evilásio anda murmurando: Morrer, dormir...talvez sonhar...terminar a Mei@ Hor@. No deserto cibernético só lhe resta a pergunta: Ser ou não ser um chatmaníaco. (Ora, não vou explicar. Se não prestaram atenção até agora, lamento!) Será que algum dia o foi? Sem querer subtrair-se a dor, nela encontra 100dúvida os primeiros acordes da cantilena..
– Mei@ hor@, KD vc,? 20ver, vc é d+... .Tendo por resposta: (Matéria dada, é matéria sabida, leitor preguiçoso)
– Naum...mas meu naum às x (Às vezes) é sim:)) (Tudo coroado por um sorriso. Note-se que este sorriso difere do primeiro, por ser bem mais enigmático... Mona Lisa no chat)
O único consolo, que resta ao contrafeito Evilásio, está contido num pensamento, encontrado num Alamanaque Anacrônico:” Não existe o verdadeiro nunca. Mesmo nas profundezas abissais do desespero, haverá um talvez. Com esse talvez, poderá efetuar qualquer travessia.” E não havia travessia nenhuma a efetuar.Simplesmente deveria esperar pela volta da Mei@ Hor@, ou de outra interlocutora. ‘Mais vale conservar os amigos que os bens’, murmura Evilásio, inspirado em Baltasar Gracián. Mas como arranjar esses amigos numa sala de chat?


Biografia:
Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar`, ´Um Triângulo de Bermudas` e ´O Desmonte de Vênus` (Ed. Totalidade). Nas livrarias Cultura, Siciliano e ´Pega Sonho``: Rua Martinico Prado, 372 – Higienópolis – SP – Tel.: (11) 3668-2107)| E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br

Este texto é administrado por: Celso Fernandes
Número de vezes que este texto foi lido: 59424


Outros títulos do mesmo autor

Artigos Odeio os indiferentes Alexandru Solomon
Artigos Regulação econômica ou bolivarianismo Alexandru Solomon
Artigos Tempestade na terceira casa decimal Alexandru Solomon
Artigos Realidade ingrata Alexandru Solomon
Crônicas Um banquete Alexandru Solomon
Poesias Eleições 2014 Alexandru Solomon
Artigos O primeiro debate dos presidenciáveis Alexandru Solomon
Crônicas Matemática Alexandru Solomon
Poesias Estreia Alexandru Solomon
Crônicas Relógio parado Alexandru Solomon

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 11 até 20 de um total de 178.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
Arnaldo - J. Miguel 60202 Visitas
Naquela Rua - Graça Queiroz 60183 Visitas
Um conto instrumental - valmir viana 60139 Visitas
Vida Amarrada II - Lenda Dupiniquim - J. Miguel 60122 Visitas
RESENHAS JORNAL 2 - paulo ricardo azmbuja fogaça 60100 Visitas
O Desafio do Brincar na Atualidade - Daiane schmitt 60074 Visitas
"Caminantes" - CRISTIANE GRANDO 60067 Visitas
O Banquete - Anderson F. Morales 60065 Visitas
Escrevo - Terê Silva 60059 Visitas
ABSTINENCIA POÉTICA - JANIA MARIA SOUZA DA SILVA 60046 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última