17A
Querida, gosto tanto do que você me escreve. São coisas que me fazem pensar. Eu, volto a falar, não sei o que teria feito no teu lugar. Com um filho deficiente. Eu não teria tido essa tua paciência. Em todo caso eu não poderia ter deixado de viver. Além disso, você nunca se queixa. Nunca reclama. Nunca deixa transparecer dor ou revolta. Mas fico feliz em saber que estou te acordando para a vida. Mesmo porque você não está morta. Nem é nenhuma velha. Você ainda vai encontrar o homem de tua vida. Você vai ver. Vou te apresentar homens. Muitos homens gostosos. Para você escolher. Não vai faltar um divorciado ou viúvo que se interesse por você. Você precisa vir em casa. Vou dar uma festinha para você cheia de machos disponíveis. Para você debutar novamente na vida. E cair na vida. No bom sentido, claro. Sabe, Dahlia, somos a soma do que vivemos. E certamente não vivemos o que a priori somos. Não acredito em determinismo. Eu, mesmo casada com um homem de dinheiro, poderia ter levado outra vida. Exatamente como você, sozinha e com um filho deficiente, poderia ter enveredado por outro caminho. Se o imponderável é inegável, a opção do ato individual é incontestável. E chega de filosofar. Agora vou te contar uma outra história de amor – ou de sexo, melhor dito. História muito louca. Muito de puta rampeira. Gosto de caçar homem longe do Brasil. Todo ano faço duas ou três viagens ao exterior. De preferência sozinha. É melhor arranjar macho longe de casa. A milhares de quilômetros. Para não ter problemas. Para ninguém pegar no meu pé. Para não assumir nenhum compromisso. Mas desta vez foi aqui. Aliás, até não muito longe de casa. Para satisfazer uma velha fantasia erótica: transar com um caminhoneiro. Um caminhoneiro forte. Rude. Machão. Bruto. Suado. E assim foi. Eu estava dirigindo na estrada. Furou um pneu. Parei no acostamento. Desci. Uma carreta parou na frente do meu carro. O motorista desceu e perguntou se precisava de ajuda. Disse que sim. Que agradeceria se ele trocasse o pneu. Era um homem forte. Estatura média. Tórax largo. Torso nu. Sem pelos. Um pouco de barriga. Pardo. Tipo nordestino. Quarentão. Lábios carnudos. Cabelo encaracolado. Barba por fazer. De bermudas e havaianas. Pernas grossas. Olhar provocativo. Corpo apetitoso. Um homem bonito? Não propriamente dito. Mas o desejo carnal não está necessariamente ligado à beleza. A mais perfeita plasticidade física pode ser gélida. E não provocar desejo. E a feiúra, a falta de harmonia, pode causar um tesão doido. Aliás, eu nem me formulava essa pergunta: era ele feio ou bonito? Ele era apenas um homem comum, do povo, mas gostosão. Um tesão sobre rodas. Ele me atraiu desde que o vi saltar do veiculo. E ele percebeu essa atração. Com certeza. A madame está a fim de me faturar e vou comê-la, deve ter pensado. E de fato, os olhares que trocamos, além de significativos, eram abertamente convidativos. Eu olhava seu corpo enquanto ele trocava o pneu. As bermudas, abaixo da barriga, deixavam ver uma boa parte de seu traseiro quando ele estava agachado. E isso me excitava ainda mais. Em diversas ocasiões, enquanto ele efetuava a troca, olhou-me e sorriu. Quando terminou, eu disse: não sei como agradecer. Ele, atrevido, respondeu: eu sei, sim. Como? indaguei. Com um beijo, esclareceu, enrubescendo. Dei-lhe um beijo no rosto. Mas ele protestou: não, assim não. Criei coragem (na realidade não precisava de muita – apenas modo de falar – pois já estava molhadinha) e dei-lhe um beijo, de leve, na boca. Aparentemente ele não esperava essa minha reação. Mas aí simplesmente perguntou: a senhora quer conhecer meu caminhão? Ele me tratava de senhora, eu que deveria ter sua idade. Mas, ao que tudo indica, ele se sentia intimidado pela minha faixa social que a indumentária e o carro atestavam. E assim fui conhecer o caminhoneiro. E me deixei conhecer biblicamente por aquele macho de estrada que tão bem preenchia minha fantasia erótica. Aquele animal tesudo que o acaso colocara no meu caminho. Subimos. Puxou as cortinas. Enquanto me beijava avidamente, ia tirando minha roupa – que era bem pouca. Fazia muito calor e eu estava sem calcinha e sem sutiã. E me deitou no leito da cabine. E me chupou. Com afã. Com urgência. E eu sentia sua barba sem fazer roçando minhas coxas. E eu o chupei. Aquele pinto grossão. De pele bem mais escura que a do resto do corpo. Aquele pinto de odor gostoso de pinto mal lavado. De pinto de um ou dois dias sem banho. Pinto de estrada. E esse cheiro animal me deixava mais tesuda ainda. Com mais vontade de chupar e chupar. E aí ele foi em cima de mim. E entrou em mim. Vorazmente. E senti aquela massa de carne suada sobre meu corpo. Aquele monte de macho pesado me esmagando. Aquela pele morena que cheirava a dias de estrada sem água e sabão. Cheiro natural. O que me excitava mais ainda. Eu, fêmea selvagem mergulhada no natural do seu elemento. Longe daqueles mauricinhos de desodorante, loção pós-barba e perfume de grife que me cercavam nas altas rodas da superficialidade. Eu estava ali, na cabine de um caminhão. Sendo comida em plena estrada, em pleno dia, por um caminhoneiro fortão, de fedor gostoso. Com a vagina, grata, bem preenchida por um generoso cilindro de carne que me enlouquecia. Força bruta revirando prazerosamente minhas entranhas. Eu, divina puta de estrada, sendo deliciosamente devorada por aquele bicho humano que rosnava de tesão. E, louca de excitação, gozei. Como gata no telhado, sob o luar quente do verão. E ele gozou comigo. Carne maciça que se largou sobre meu corpo. E ele me encheu a vagina de esperma – devia estar bem atrasado. Pois fizemos sem camisinha. Mais natural. Mais animal. Mais arriscado. A atração do perigo. A sedução da roleta-russa do sexo. O risco e o perigo como tempero adolescente da vida. Pus vestido e sapatos. Dei-lhe um beijo. E desci do caminhão. Sem sequer saber o nome daquele que me provocou um orgasmo de fazer a terra tremer. Já no carro, sentia seu esperma escorrendo pelas coxas. E isso me excitava. Coloquei a mão entre as pernas e, molhada, levei-a ao nariz. E aspirei com gosto aquele cheiro forte de sêmen de caminhoneiro. Aquele odor de touro de estrada que me justificava como fêmea.
Beijo
Anna
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Biografia: R.Roldan-Roldan nasce na Espanha. É criado no Marrocos. Formação francesa. Cidadão brasileiro. Infância conturbada: é separado dos pais, durante o pós-guerra, devido à perseguição política. Empregado numa empresa de transporte aéreo, viaja pelo mundo. Numa dessas viagens, um marco em sua vida, é detido por engano no Afeganistão, país que o marcará para o resto de sua existência. Em 1996, já gerente de uma multinacional e com três filhos, abandona absolutamente tudo para dedicar-se à literatura. Come o pão que o diabo amassou. Mas, coerente e liberto, assume seu destino e sente-se finalmente digno e em paz. É autor de 23 livros publicados. Os 5 primeiros (3 na França e 2 no Brasil) são por ele destruídos depois de editados e não constam de sua bibliografia. Sua obra, que abrange romance, conto, poesia e teatro, vai aos extremos. Como sua vida. Com a qual se confunde. Da paixão ibérica, do ceticismo gaulês, do solo islâmico e da sensualidade tropical surge a cor intrínseca de sua identidade, obsessão e tema principal de sua obra.
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