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O DIA EM QUE A COBRA FOI A JULGAMENTO
Bruna Longobucco

Resumo:
Nem sempre o que leva à conclusão dos fatos, traduz a verdade e a justiça...

A cobra estava a ponto de picar o leão, quando foi surpreendida pelo inspetor esquilo e seus guardas florestais – o esquadrão puma-gato. Diante da indignação geral, instalou-se imediato inquérito.
E deu-se que ao nascer da lua, foi a cobra a julgamento, presidido pelos presentes alvoroçados. Representava a defesa, um passante jabuti que, de um momento ao outro, tornou-se advogado. Para a acusação, veio a douta onça. Como juiz, o tigre de bengala...
Agitados, os felinos em audiência não podiam se conter: queriam o enforcamento do réptil.
No entanto, o que mais incomodava os espectadores, era o fato de a cobra permanecer em silêncio. Cascavel por natureza, nem sequer uma palavra pronunciou. Mas, embora impassível, no depoimento do bicho preguiça viu suas esperanças de uma absolvição caírem por terra, pois, impiedosamente, afirmou a testemunha de acusação:

- Foi uma tentativa de homicídio covarde e injustificado, já que, inocente e descuidado, dormia o leão – Exclamação injuriosa do público, chocado pela vil atitude do ofídio.
O leão, como a cobra, permanecia calado, distante, olhos inflamados. Por ter estado à beira da morte, vinha agora sopesar os feitos e desfeitos.
Assim, diante da indignação dos animais exacerbados, o juiz ponderou e pediu recesso. A ré permaneceria sob a guarda dos puma-gato. Na manhã seguinte, seria proferida a sentença.

Por toda a noite, o idoso tigre de bengala não conseguiu se decidir. Todas as provas iam contra a rastejante criatura, entretanto, ao longo de sua existência, aprendeu que nem sempre a certeza nasce da aparência.
A lei da floresta não era como a lei dos homens, não havia formalidades ou mesmo trâmites legais. Contudo, existiam regras severas contra a vil traição. Os infiéis tinham um preço a pagar, pois não era permitido fugir aos princípios da justiça; aos valores da verdade. Todos os animais possuíam direitos e deveres, limites a respeitar na cadeia alimentar.
Insone e atordoado, aquela noite o juiz não dormiu.

Mal o dia amanheceu, todos se reuniram no local da véspera. Havia chegado o momento crucial da sentença. Sob os olhares furiosos e acusadores, era certa a condenação da ré.
Disse então, trêmulo, o juiz:
- Devemos entender um crime contra o leão, nosso rei, um crime contra a floresta – Elogios e aplausos fizeram-se ouvir.

O tigre pediu que se acalmassem, para dar continuidade ao julgamento, contudo, antes que pudesse prosseguir, eis que uma voz ecoou na floresta – Parem! Interrompam o julgamento.
Todos surpresos, olhares suspensos, de uma pequena clareira, avistaram então um sapo do pântano que, em desespero, vinha apoiado em pequena bengala. Ao seu lado, uma jovem rã. Ela o conduziu até o juiz e, não se passou dois segundos antes que o batráquio a agradecesse pela companhia e a guia partisse ligeira.
Diante da platéia curiosa, expressou-se o recém-chegado – Disseram-me que dona cobra estava em julgamento e não pude acreditar. O que fez a colega?!

Impetuosa, a acusação se expressou, narrando em detalhes minuciosos o acontecido - Como vê, a culpa da ré é tão evidente que, fria e calculista, como aliás é próprio de todas as serpentes, nem uma só palavra murmurou para se inocentar!

Sustentando o olhar da douta onça, esclareceu o sapo – Perdoe-me senhora, mas a ré é muda! Há muitos anos, por uma atitude humana, perdeu as presas e a fala. Como não possuo a visão, fizemos um acordo. Desde então, ela me guia e eu tento expressar suas vontades. Conhecemos-nos desde crianças, crescemos juntos, por isso, pela antiga convivência, nos comunicamos. Está claro. Cobras agem por instinto e, minha amiga, de certo possui o impulso do bote, porém, por nossa convivência, posso afirmar, mesmo que ainda conservasse o veneno, ela não picaria o leão sem motivos.

Daquela vez as exclamações foram de pesar. O juiz, comovido, arguiu o leão – Tem certeza de que dormia quando a cobra se aproximou?
- Bem, na realidade, aconteceu que tive um pesadelo e acordei assustado; levantei-me repentinamente; quando dei por mim, todos me cercavam e acusavam a cascavel. Ainda ontem, eu ia justamente colocar essa questão, mas como a cobra não respondia à acusação, pensei que era culpada e que seu mutismo se devia à indiferença.

Após breve pausa, declarou o juiz – Caros presentes, condenar a ré seria inconcebível, estivemos a julgar um crime impossível. A cascavel, além de inocente é inofensiva. Dou como encerrado este julgamento absurdo! O que houve foi um lamentável engano.

Envergonhados, os presentes observaram cobra e sapo se afastar lado a lado. E enquanto a cascavel guiava o anfíbio, os animais da floresta, prometeram a si mesmos, que nunca mais haveria outro julgamento baseado nas aparências.
Naquela amanhã, todos aprenderam que nem sempre o que leva à conclusão dos fatos, traduz a verdade e a justiça...


Biografia:
Filha de imigrantes italianos, Bruna longobucco nasceu em 10 de abril de 1978, em Belo Horizonte. Desde a infância, interessou-se por Literatura e escrever veio como um dom natural. Graduada em Comunicação Social e Direito, é autora de contos, romances, poesias, crônicas e músicas. Em 2004, começou a divulgar seus trabalhos com participação em várias antologias e outras publicações como as obras: O Menino que Tecia Sonhos (2004); Além das Nuvens (2005); Luz do Sol (2006); O vale da liberdade (2007); Um outro olhar (2008) e Sem destino (2009). Seu objetivo maior é criar e recriar mundos, lugares e momentos, sensibilizando os leitores a quem suas obras se destinam. Outras informações: www.brunalongobucco.com
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