Morte. Palavra feia, detestável, evitada, que mete medo e causa repulsa. Palavra que, ao nos lembrar que temos um fim, pode nos fazer mais vivos e mais abertos ao que, realmente, importa na vida. Palavra que nos mostra que os nossos sofrimentos são bem reais, bem nossos e bem necessários, exatamente para que nos felicitemos nos nossos momentos de alegria. Palavra que, em tudo, é um paradoxo, o próprio paradoxo divino deixando claro que a vida só é importante, no fundo, por causa da sua existência.
Mas, em se tratando de um paradoxo, o que a morte nos traz de vida? Ou, sendo parte natural da vida, porque ninguém aceita a morte? E, eis que vem a surpresa da resposta em um outro paradoxo. Só não aceita a morte àquele que nunca aceitou a vida, pois a vida é em si mesma, o próprio processo de morrer. Começamos a morrer exatamente no dia em que somos concebidos e a vida se constitui, então, como um caminhar para a morte até a sua personificação com o nosso corpo, a sua identificação como o nosso nome e a sua “rostificação” com a nossa face.
Viver é morrer um pouco a cada ano, a cada mês, a cada semana, a cada dia, a cada hora, a cada minuto. Viver é morrer um pouquinho mais a cada instante. E aqui, se pararmos para olhar a morte sob uma perspectiva maior que as perspectivas que normalmente usamos para ler o mundo e os seus fenômenos, podemos perceber que no caminhar da nossa existência eu sempre estou trocando a minha vida pela minha morte e como, normalmente, nós sempre trocamos uma coisa por outra de valor igual, isso acaba por nos mostrar uma coisa sagrada: só morre bem quem vive bem.
Portanto, morrer bem implica em você morrer como o humano que nasceu um dia: com medo, com raiva, revoltado, traumatizado, incomodado, mas um ser que precisava nascer (ou morrer?) como única alternativa à morte (que para você era a vida) por ser grande demais. Ou seja, por estarmos grandes e no nosso tempo de morrer, se não morrermos, morreremos e, se morrermos, nasceremos.
É o paradoxo divino da vida que só é vida por causa da morte brincando e nos ensinando com o paradoxo divino da morte que só é morte por causa da vida. Resta-nos escolher com a vida que temos o tipo de morte que queremos ou projetar com a morte que teremos o tipo de vida que levamos. Não posso escolher não nascer, mas posso escolher a minha vida e fazer a minha morte e não posso escolher não morrer, mas posso escolher a minha morte a partir da minha vida. Isso é, de fato, uma questão de escolha e poder escolher as duas coisas mais importantes da vida em uma só me faz, de certa forma, imortal.
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