Há dias em que você se apaixona. Há dias em que você vive. Há dias em que você sobrevive. Há um dia em que você morre. Morre. Todas as emoções, sensações, prisões e paixões, finalmente, acabadas. Deslocadas pela força do vento. O vento que limpa do pó o pó. E o vento leva todos os seus dias vividos e os sobrevividos.
Descobertas, conhecimento, sabedoria, tudo jogado. Jogado como cartas, que se confundem em naipes e cores; que se misturam e se arrumam. Baralho desarrumado, que nunca mais se arrumará.
Nada adiantou jogou a melhor carta. Nenhuma carta era pra ser jogada; mas era preciso. Cartas ao vento.
Lembranças. Memória. E a memória acabou. Acabou a memória. Não mais falta; só acabou. O sorriso, a boca e os dentes já se misturam ao pó dos seus. Os toques, que nunca foram tocados; mas que tanto se queriam. O toque. O primeiro e eterno toque.
E o medo. O medo jazerá. O medo acabou. Podia-se pular de prédios, olhar o escuro e, quem sabe, destemer a Deus. Nada mais dá medo. O medo acabou.
Nada mais de verde. Agora é só o negro. O escuro. Mas não há mais medo. E as mãos não se tocam mais, e nunca se tocaram, por mais que se quisessem.
Mas tudo pode ser mudado. É só mudar antes do dia em que você morre. Há dias em que você se apaixona. Há dias em que você vive. Há dias em que as mãos quase se tocam, e você, sem medo, com sabedoria, faz com que isso aconteça. E as mãos se tocam; frias. Quentes. E agora há uma lembrança.
E a melhor carta foi posta.
As mãos podem, ainda, se tocar.
E o pó se torna o néctar, o pólen. O mel, que flutua em uma única leveza no ar. As luzes se acendem. E ascendem. Nunca tudo se apaga. Sempre há aquele dia; o dia em que as mãos podem se tocar.
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