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O retrovisor e a Terceira Idade
Lasana Lukata



Um banco no Brasil anda precisando de socorro. Fiquem tranqüilos que não se trata de ajuda de $20, $30 bilhões, é coisa de Bolsa Família, coisa encolhida... Fiquem tranqüilos.

O mês de junho trouxe um frio de encolher. Encolheu nos EUA a General Motors e agora tem menos 14 fábricas, apenas quatro modelos e o que me inquieta, menos emprego. Aqui, antes mesmo desse frio encolhedor, a Feira de Antiguidades da Praça XV e o Jornal do Brasil já tinham encolhido. A feira pelo Choque de Ordem e o jornal, deixando de circular pela Baixada Fluminense pelo mesmo motivo da General Motors. Na Rússia o PIB encolheu...

Comecei a perceber que a palavra encolher estava me perseguindo e atirando pra valer, pois fui viajar para a casa de uma amiga e minha avó não perdeu tempo nas recomendações: olha garoto, na casa dos outros a gente dorme na sala e no sofá e de pernas encolhidas porque se esticar as pernas já é abuso. Sai de casa sabendo que tinha que me encolher estivesse quente ou frio.

Mas foi viajando primeiro para a rodoviária que vi outro encolhimento que me arriou as sobrancelhas, fazendo ruga entre os olhos. Viajava num micro-ônibus, num banco próximo a roleta quando entrou uma idosa e sentou-se no banco único bem lá na frente, bem mesmo, paralelo ao motorista e este já foi reclamando: a senhora vai me atrapalhar a ver no retrovisor. A idosa encolheu-se, amassou-se para deixar livre o retrovisor. Observei que o micro-ônibus era novo e que os micro-ônibus mais antigos que passavam ao lado do nosso não tinham banco ali na frente, o cubículo ficava vazio. Tenho o desejo de dizer aqui o nome da empresa, mas estaria sendo leviano em citar apenas esta porque já tenho visto esse banco, que fica quase colado no parabrisa, em micro-ônibus de outras empresas. Se o motorista der uma freada brusca, o idoso vai de testa no parabrisa. Não há cinto de segurança. Afora a testada em potencial, quem sofre de problemas de circulação padece nesse banco. Não sofro desse mal, porém, fiquei com as pernas dormentes. Cãibras...

Mas o motorista não era velho, pelo menos não queria ser. Tinha cabelos brancos, mas falava como um Peter Pan. A idosa saltou e sentou-se uma mulher peitudamente siliconizada e Peter Motorista Pan sequer falou. Estava entalado com os dois peitões nos olhos. Glaucoma sexual. No ponto seguinte embarcou outra idosa e a peituda levantou para dar o lugar e o motorista fechou a cara, resmungos, o retrovisor... O retrovisor... A velhinha entendeu e se encolheu toda. Uma Shar-Pei perderia para ela.

Então eu ia dizer um peraí, mas, no outro retrovisor, fui interrompido pela imagem da minha professora de português, reclamando do peraí em vez de espere aí; tá em vez de está; taí em vez de está aí; pra em vez de para.

Ora professora, some desse espelho! O banco dos velhinhos encolhe, encolhe o emprego... A crônica já nasce encolhida, já foi fragata, hoje é corveta e esse peraí é bom, esse pra é bom demais para as crônicas. É o frio desse junho. Nesse tempo de encolhimento é melhor ainda. A crônica quanto mais encolhida melhor para esse tempo megaveloz.
E a General Motors diz que o plano é encolher... Mas peraí, encolher até os bancos dos velhinhos?


Biografia:
Lasana Lukata é poeta, escritor por usucapião, São João do Meriti, RJ.
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